Especialistas concluem que "havia uma cultura de esconder" abusos na Igreja portuguesa

• “Queremos que seja o início de um novo começo”, admite a Conferência Episcopal.
  
  
• Segundo a investigação, com testemunhos de abusos ocorridos desde 1950, a maioria das vítimas era formada por crianças que começaram a ser abusadas por volta dos onze anos, em seminários, igrejas, casas paroquiais e abrigos.
  
  
• Os agressores eram homens (96%) e sacerdotes; cerca de 77%. O silêncio protegia os agressores: 77% das vítimas nunca denunciaram à Igreja e apenas 4% denunciaram à Justiça.
  
  
• Os peritos apelaram hoje à alteração das leis para alargar para 30 anos a prescrição destes crimes em Portugal, e pedem ainda à Igreja que assuma os custos dos cuidados psicológicos das vítimas.

A reportagem é publicada por Religión Digital, 13-02-2023.

"Havia uma cultura de ocultação" dos abusos da Igreja Católica portuguesa, disse o ex-ministro português Álvaro Laborinho, um dos especialistas da comissão que revelou hoje a existência de pelo menos 5.000 vítimas no país.

"Houve inequivocamente ocultação", insistiu o ex-ministro da Justiça, membro da comissão independente que investiga há um ano os abusos ocorridos no seio da Igreja Católica portuguesa desde 1950. "Não deixo de ver em vários membros da Igreja uma vontade de regressar a esta cultura, mas também há uma vontade de abertura", acrescentou Laborinho.

Apresentação da denúncia de abusos na Igreja de Portugal

Um desejo, disse, que se reflete, por exemplo, no trabalho desta comissão independente, criada pela Conferência Episcopal. “Em vez de tirar sangue para esta ocultação”, acrescentou, “é importante olhar para a frente, para um processo mais aberto”.

O importante, sublinhou, é que "é inequívoco que na Igreja Católica foram cometidos abusos sexuais, numa leitura minimalista, perto dos 5.000".

"E os abusos que ocorreram na Igreja são uma coisa e seria outra se continuassem daqui para frente", disse ele. "Esperamos que não seja esse o caso", afirmou.

Por seu lado, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, dom José Ornelas, afirmou que “queremos que seja o início de um novo começo”. Depois de assistir à apresentação dos resultados da investigação, Ornelas admitiu que “é uma situação dramática que vivemos, não é fácil ultrapassá-la”.

O prelado quis enviar uma mensagem às vítimas: “Fizemos isso também por elas”, disse, referindo-se à criação de uma comissão de especialistas para investigar os abusos na Igreja.

Um ano "difícil, dramático"

Após um ano de investigação, a comissão anunciou hoje que foram confirmados 512 depoimentos de vítimas, embora tenha apontado que o número se aproxima de 5.000 como "mínimo". “Um grande obrigado à comissão, que nos permitiu verificar a situação das vítimas”, acrescentou o bispo, que se mostrou “feliz com o trabalho realizado” que foi “difícil, dramático”.

Segundo a investigação, com testemunhos de abusos ocorridos desde 1950, a maioria das vítimas eram crianças que começaram a ser abusadas por volta dos onze anos, em seminários, igrejas, casas paroquiais e abrigos.

Os agressores eram homens (96%) e sacerdotes (cerca de 77%). Os abusos ocorreram um pouco por todo o país, com especial incidência em Lisboa, Porto e Braga, e afetaram menores de todas as classes sociais.

O silêncio protegia os agressores: 77% das vítimas nunca denunciaram à Igreja e apenas 4% denunciaram à Justiça.

A maioria, prescrito

Do total de denúncias recebidas, a comissão encaminhou apenas 25 casos à Justiça porque a maioria já está vencida, embora os especialistas estejam preparando uma lista com os abusadores ainda ativos que, apontam, poderá ser finalizada nas próximas semanas. e que não será público, mas enviado ao Ministério Público.

A comissão, criada pela Conferência Episcopal no final de 2021, é coordenada pelo psicólogo infantil Pedro Strecht e composta por psicólogos, sociólogos, advogados e um cineasta. Os especialistas apelaram hoje a uma alteração das leis para alargar a prescrição destes crimes em Portugal para 30 anos.

A socióloga Ana de Almeida também confiou na mudança após a investigação e reclamou da demora na abertura dos arquivos da Igreja aos peritos - só foram abertos em outubro, dez meses após o início do processo, explicou- e do silêncio dos bispos e sacerdotes sobre o assunto.

Que o tema seja abordado na JMJ de Lisboa

Almeida, integrante da comissão, convidou a Igreja a "falar" para evitar abusos e surpreendeu-se com o temor de alguns membros da hierarquia católica de que o problema pudesse se estender até a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), marcada para agosto em Lisboa com a visita do Papa Francisco.

"Existe ou não um lugar melhor para falar" sobre o assunto, questionou o especialista. “Esta é uma questão absolutamente central para a Igreja” e deve “integrar este discurso na JMJ”, defendeu.

Nas conclusões de seu volumoso relatório, com cerca de 500 páginas, os especialistas também pedem à Igreja que assuma o custo do atendimento psicológico às vítimas.

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