09 Setembro 2021
À luz dos últimos mal-entendidos em torno das palavras do Papa Francisco, é interessante reler um artigo da revista dos jesuítas La Civiltà Cattolica, assinado pelo Pe. Pino Di Luccio e Massimo Grilli, “Jesus e os fariseus. Para além dos estereótipos”, publicado em 2019. Trata-se de uma contribuição ao respeito recíproco, além do conhecimento e do arquivamento dos lugares-comuns.
A reportagem é de Roberto Saliba, publicada em Formiche, 06-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A recente polêmica desencadeada por algumas declarações do Papa Francisco, às quais se seguiram pedidos de esclarecimento do lado judeu, também evidenciou um problema de linguagem muito difundido e importante.
Quando se fala dos Evangelhos e dos judeus, acaba-se inevitavelmente falando dos fariseus. E, quando isso ocorre, o termo é usado genericamente e de modo crítico, sem saber quem eles eram, com base em estereótipos difundidos.
Por isso, é interessante reler como, há algum tempo, tudo isso estava no centro de um simpósio internacional realizado na Gregoriana e que a La Civiltà Cattolica relatou com um artigo. De fato, os tempos mudam, às vezes profundamente, e a publicação em 2019 de “Jesus e os fariseus. Para além dos estereótipos” na revista dos jesuítas ainda merece atenção, pois é um texto finalmente inovador que permite que os católicos tenham uma ideia muito diferente.
A revista dirigida pelo Pe. Antonio Spadaro deu conta disso com esse amplo estudo-relato daquilo que veio à tona por ocasião do simpósio internacional organizado no 110º aniversário do Pontifício Instituto Bíblico. Foi um congresso que reconsiderou “os fatores responsáveis pelos estereótipos que marcaram a percepção comum dos fariseus”.
Na mensagem de abertura, o Papa Francisco desejou que o congresso, “relacionando fés e disciplinas na sua intenção de se chegar a uma compreensão mais madura e precisa de quem eram os fariseus, permita apresentá-los de um modo mais apropriado no ensino e na pregação”.
Os autores, Pe. Pino Di Luccio e Massimo Grilli, conduzem-nos imediatamente e com palavras claras à centralidade da questão: “O juízo que o cristianismo, ao longo dos séculos, formulou sobre os fariseus – com a conotação negativa que o farisaísmo assumiu no pensamento teológico e na catequese eclesial – é filho bastardo de uma teologia antijudaica. Uma certa teologia cristã, como a da ‘substituição’ (substituição da Aliança, da Lei, do povo de Deus etc.) e a do cumprimento, entendido como ‘aperfeiçoamento’ do que antes era imperfeito (aperfeiçoamento da imagem de Deus do Antigo Testamento, aperfeiçoamento dos preceitos da Torá etc.), levou a um mal-entendido substancial do movimento farisaico e da subsequente teologia rabínica. Os fariseus se tornaram os inimigos de Jesus, os representantes da Lei que se opõe à Graça, do velho que se opõe ao novo”.
Estamos, portanto, no relato, pouco contado, de uma profunda mudança teológica que merece atenção, até porque, logo depois, o texto nos diz que o erro foi assumir acriticamente aquilo que emergia a partir “das fontes do Evangelho”.
O relato, aqui, torna muito complexo, plenamente teológico, mas logo volta a dizer respeito aos cristãos comuns, chegando aos evangelistas:
“Quanto ao estudo da leitura que os Evangelhos fazem dos fariseus, é desejável que a reflexão futura obedeça menos a critérios ‘dogmáticos’ e mais a critérios de verdade histórica-crítica. Sobre a identidade dos fariseus nas três primeiras décadas depois de Cristo, sabemos pouco, e o pouco que sabemos é polimórfico. Os testes que estão em nossa posse são fragmentários demais. Flávio José, por exemplo, nas suas obras, menciona os fariseus apenas 44 vezes, e na ‘Guerra judaica’, apenas sete. Lá, eles são classificados como uma ‘escola de pensamento’, junto com os saduceus e os essênios, e, no entanto, embora sejam descritos como um movimento reformador – mas sem um poder direto em nível de governo –, o historiador judeu nunca apresenta uma imagem unitária do seu pensamento e da sua organização interna. Algo de análogo deveria ser dito sobre a imagem dos fariseus na literatura rabínica. As histórias e os ditos dos sábios que remontam ao século I a.C. são poucos e fragmentários. Sobre a discutida figura de Hillel, talvez tenha razão quem diga que ‘o Hillel dessas fontes rabínicas não é realmente mais histórico do que o Jesus do Evangelho’. Portanto, se sabemos tão pouco sobre os fariseus no tempo de Jesus, por que eles assumiram tanta importância na tradição cristã? Isso se deveu, sem dúvida, ao Novo Testamento, que menciona os fariseus em nada menos do que 97 vezes, com o ‘front antifarisaico’, representado sobretudo por Mateus e por João, e por algumas páginas que trazem a marca de um estereótipo massificante e injusto. Fundamentar-se em uma sólida base histórico-crítica, então, significará não apenas reconhecer as diversificações existentes em matéria de fé e de vivência no tempo de Jesus, mas também distinguir entre as várias atitudes dentro de um sistema variado e complexo como o que nos foi transmitido como herança dos fariseus.”
Sobre os evangelistas e os fariseus, são indicados elementos realmente surpreendentes para aqueles que, principalmente entre os católicos, não têm familiaridade com o estudo do assunto:
“Historicamente, o estereótipo negativo de Mateus não se sustenta, assim como não se sustenta colocar na boca de Jesus as palavras: ‘Fazei e observai tudo o que eles [os escribas e os fariseus] vos dizem; porque eles [só] falam e não fazem’” (Mt 23,3). Primeiro, ordena-se para observar totalmente o ensino dos fariseus e, depois, para se rejeitar totalmente o seu comportamento? É um pouco como quando se diz que Jesus curou ‘todos’ os doentes, ou que percorria ‘todas’ as cidades e os vilarejos da Galileia e da Judeia (cf. Mt 9,35): trata-se de hipérboles, que têm uma intenção pragmática e que não devem ser lidas na sua acepção locutória, mas na sua força ilocutória, isto é, com a intenção de produzir algum efeito nos leitores.”
Indo rumo às conclusões, os autores não mudam o tom, e suas recomendações nos ajudam a entender mais. “No futuro, portanto, será necessário distinguir aquilo que se apoia em bases históricas e aquelas expressões que, em vez disso, se tornaram topoi argumentativos clássicos, modelos pré-constituídos ou esquemas literários para o alcance dos próprios objetivos. ‘A perspectiva de Mateus na sua reelaboração redacional não é histórica, mas teológico-literária e quase na forma de um manifesto’, observa Hubert Frankemölle. E nós podemos acrescentar que a intenção do escriba Mateus é a de convencer os seus ouvintes e leitores de que a perspectiva por ele proposta é verdadeira e justa. Portanto, ele recorre a meios retóricos, que não excluem alguns golpes baixos, para convencê-los a seguir a sua própria leitura da Torá e dos profetas.”
E Jesus? Neste ponto, ler que ele poderia ter sido um fariseu não surpreende. Mas é melhor ficar com o relato publicado pela Civiltà Cattolica: “Depois de um período secular de exames críticos que insistiram apenas na polêmica entre Jesus e os fariseus, seria bom que alguns voltassem a se ocupar no nível histórico-crítico daqueles pontos de contato entre Jesus e os fariseus que, com base no dito e não dito dos Evangelhos, podem ser apurados. A busca de uma transformação pessoal e social, com um forte empenho na procura daquilo que pertence à ‘autêntica vontade de Deus’ (a ‘justiça’), é uma herança tanto do movimento farisaico quanto do movimento de Jesus e dos seus discípulos; o cumprimento da Torá, que pertence à estrutura fundamental do Evangelho de Mateus, não está radicalmente distante da busca da perfeição farisaica. O mestre Hillel – com as devidas cautelas levantadas por Günter Stemberger – resumia a lei em termos evangélicos: ‘Não faze aos outros aquilo que não gostarias que fizessem a ti. Eis toda a Lei; todo o resto é comentário’ (b. Shabat 31a). A confiança em Deus, o julgamento, a fé na ressurreição, a espera do cumprimento futuro e assim por diante pertencem tanto às bases do judaísmo rabínico quanto às do cristianismo. Lendo algumas páginas evangélicas, se poderia até levantar a hipótese de que Jesus era um fariseu”.
Essa contribuição ao respeito recíproco, além do conhecimento e do arquivamento dos lugares-comuns, merece atenção ainda hoje, dois anos após a sua publicação.
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Os estereótipos sobre os fariseus, de ontem e de hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU