28 Junho 2021
"Quanto à oposição, por parte tanto da direita como do Vaticano, à obrigação de celebrar um dia todo ano contra homofobia, bifobia e transfobia, sua aparente irracionalidade - como ser contra educar os mais jovens para não discriminar e agredir os que são diferentes de si? - oculta a vontade de resguardar o próprio direito de condenar e de expor à condenação pública, mesmo e sobretudo em contextos educacionais", escreve a socióloga italiana Chiara Saraceno, membro honorária do Collegio Carlo Alberto de Turim, e professora emérita do Wissenschaftszentrum für Sozialforschung de Berlim e da Universidade de Turim, em artigo publicado por La Repubblica, 26-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Duvido que seja possível encontrar uma mediação sobre o projeto de lei Zan que não desnature seus conteúdos. Os pontos sobre os quais as posições são mais inconciliáveis são, na verdade, aqueles que o qualificam: a formulação do artigo 1º, em particular no que diz respeito ao uso do termo gênero e identidade de gênero, o artigo 7º que pede a todas as escolas que celebrem um dia contra a homofobia, a lesbofobia, a bifobia e a transfobia. Além disso, o artigo 4º (sobre a liberdade de opinião) não é considerado suficientemente garantidor.
O primeiro ponto certamente é o mais importante. Deve-se lembrar que os conceitos de gênero e identidade de gênero, por serem distintos tanto do sexo quanto da orientação sexual, não foram inventados pelos proponentes do projeto de lei. Eles já fazem parte institucionalmente da linguagem legal de organismos internacionais, como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, bem como a Convenção de Istambul, que a Itália ratificou. São o resultado de um longo processo, do qual o movimento das mulheres tem sido um importante protagonista, no qual se entendeu que o que se espera de homens e mulheres, as características e os papéis que se atribuem a uns e as outras são socialmente construídos e variam de uma sociedade e época histórica para outra. Isso não significa que quem contesta essas atribuições não se sinta respectivamente homem ou mulher, masculino ou feminino.
Na maioria das pessoas, a identidade de gênero coincide com a do próprio sexo (independentemente da orientação sexual, que é outra coisa), mesmo quando contesta atribuições ou estereótipos específicos e denuncia as discriminações e as agressões que são por este motivadas. Mas também há pessoas que, numa base biopsicológica (em termos técnicos, disforia de gênero), não se reconhecem no gênero a que seu corpo sexual os destinaria. Eles não se sentem incômodos com os modelos de gênero atribuídos ao seu sexo, mas simplesmente não se identificam com ele, desalinhando assim sua identidade de gênero. Trata-se de uma experiência difícil, que não necessariamente, e certamente não da noite para o dia, se desenrola até o ato cirúrgico, que passa por várias etapas de transformação da apresentação de si, exposta ao juízo e muitas vezes a escárnio, desprezo, agressão alheia.
Por isso, o projeto de lei Zan fala em “identidade de gênero” como identificação percebida e manifestada de si mesmo em relação ao gênero, mesmo que não corresponda ao sexo, independentemente de ter completado um percurso de transição. Mas este é precisamente o nó aparentemente inconciliável, onde todos os opositores, ainda que com motivações em parte distintas, parecem concordar em ver uma legitimação perigosa da fluidez não só do gênero, mas também do sexo, com a abertura tanto ao sexo quanto à identidade de gênero à la carte.
As feministas contrárias a este ponto (olhando, aliás, apenas para a transexualidade do masculino para o feminino) também veem um ataque radical ao que chamam de diferença feminina. Temo que uma formulação diferente, por exemplo aquela proposta por Flick - "sexo em toda sua expressão e manifestação" - além de estar aberta a interpretações perigosas (até mesmo a condenação da pedofilia poderia ser interpretada como uma discriminação), não seria conclusiva, porque a recusa da identificação com o sexo do próprio corpo e o gênero que este é atribuído nada tem a ver com o sexo e a sexualidade, mas, precisamente, com a identidade, com o que e quem se sente ser.
Quanto à oposição, por parte tanto da direita como do Vaticano, à obrigação de celebrar um dia todo ano contra homofobia, bifobia e transfobia, sua aparente irracionalidade - como ser contra educar os mais jovens para não discriminar e agredir os que são diferentes de si? - oculta a vontade de resguardar o próprio direito de condenar e de expor à condenação pública, mesmo e sobretudo em contextos educacionais, precisamente aquelas formas de ser e de se apresentar que o projeto de lei Zan gostaria ao contrário de sinalizar como vulneráveis às agressões e, portanto, merecedoras de uma atenção específica também no plano educacional.
Parece-me difícil aceitar, por uma questão de compromisso, que escolas - católicas, judias, protestantes, de língua inglesa ou francesa ou outras que requeiram reconhecimento público como locais de educação e instrução de valor legal, ou seja, em conformidade com os valores e normas constitucionais, possam ser dispensadas da educação para o respeito de homossexuais e transexuais, independentemente de seus apreços e desapreços. Mesmo as críticas ao artigo 4, porque defenderia de maneira muito fraca a liberdade de opinião e expressão, parecem-me uma pretensão de impunidade, visto que, como Flick lembrou, trata-se de um artigo redundante, porque a liberdade de opinião já está garantida pela Constituição. Mais que fortalecê-lo, deveria ser removido.
Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU
No dia 21 de julho de 2021, às 10h, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza a conferência A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas, a ser ministrada pelo MS Francis DeBernardo, da New Ways Ministry – EUA. A atividade integra o evento A Igreja e a união de pessoas do mesmo sexo. O Responsum em debate.
A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas
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Onde a igreja quer chegar. Artigo de Chiara Saraceno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU