06 Março 2020
Não, não aperta a mão. Aliás, olha de forma severa quando você a oferece a ela.
Benedetta Allegranzi é a "enviada" da Organização Mundial da Saúde na Itália. Há oito dias, ela viaja para acompanhar a onda da epidemia no país, onde nasceu (Verona) há 50 anos e para a qual retorna hoje como especialista em doenças infecciosas da Universidade de Genebra e chefe mundial do serviço de controle e prevenção de infecções da OMS. Ela trabalhará no Instituto Superiore di Sanità, em Roma. Depois de enfrentar o Ebola, não é o coronavírus que a assusta.
Mas ela tem o olhar sério quando confirma as palavras do diretor Tedros Adhanom Ghebreyesus: “Estamos nos movendo em um território desconhecido. Eu me formei em doenças infecciosas para isso. Sempre há novas descobertas entre as doenças infecciosas".
A entrevista com Benedetta Allegranzi é editada por Elena Dusi, publicada por La Repubblica, de 05-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como está o paciente Itália?
Houve uma rápida disseminação que em algumas regiões coloca o sistema de saúde sob pressão. Médicos, enfermeiros e profissionais de saúde trabalham em ritmos insustentáveis há duas semanas. E não temos previsão de que termine em breve. Também estamos preocupados com eles.
Por que está avançando tão rapidamente?
Não sabemos, e nem esperávamos por isso. Houve uma rapidez semelhante na Coreia do Sul. O paciente 1 na Lombardia teve muitos contatos e talvez tenha causado parte das infecções antes dos sintomas. A realidade é que cada epidemia é uma nova experiência. A Itália, que está passando por isso, terá muito a ensinar à OMS e ao resto do mundo. Eu também estou aqui para aprender.
Novos casos estão surgindo em todos os lugares. O que está acontecendo?
Não está claro como a epidemia chegou à Itália. Também não temos o elo entre Lombardia e Veneto. A transmissão da infecção atualmente é alta e continuará por um tempo. Nos próximos 15 dias, poderemos avaliar melhor os efeitos da contenção. Enquanto isso, poderiam ser necessárias novas medidas restritivas, incluindo o fechamento das escolas, avaliando cuidadosamente situação por situação.
Haverá novas áreas vermelhas?
É possível. As áreas vermelhas são eficazes, especialmente no prazo imediato, imediatamente após a descoberta de um surto. Quando as epidemias ultrapassam um certo ponto, também é preciso recorrer à mitigação: medidas pelas quais todos devemos ser solidários e responsáveis. Há uma frase de Mandela de que gosto muito: todos podem melhorar, apesar das circunstâncias.
Melhorar como?
As epidemias nos fazem redescobrir que, além do individualismo, somos um conjunto e temos responsabilidades coletivas. Comportamentos virtuosos como o de não espirrar sem cobrir a boca e o nariz, não usar antibióticos para doenças virais ou nos vacinar sempre devem ser mantidos, mesmo quando não há epidemias.
Os doentes na Itália parecem mais graves?
Os hospitalizados são 56%, um número alto, como os casos graves que vão para a terapia intensiva: 10%. Estamos tentando entender o porquê.
Também não sabemos muito sobre as vítimas.
Como em outros países, a idade das vítimas é um fator importante, especialmente acima de 65 anos. Praticamente cada um dos falecidos tinha outra doença crônica, por exemplo cardiovascular ou diabética. Uma boa porção tinha duas ou mais patologias. Mas temos que elaborar estatísticas mais precisas.
São usados medicamentos?
Sim, antivirais, alguns dos quais foram desenvolvidos no passado para outras epidemias como o HIV. Eles são usados dentro de protocolos experimentais. Isso significa que os efeitos serão controlados e nos fornecerão no final resultados oficiais. A grande experiência da Itália no combate à AIDS nos ajuda hoje.
Quais são os pontos mais críticos?
As vagas para pacientes graves e a carga de trabalho para os profissionais de saúde. Entre eles, há aqueles que foram expostos ao contágio e adoeceram. Mas ainda não sabemos exatamente quantos. Eles devem ser protegidos, junto com suas famílias e pacientes. A Lombardia fez bem em abrir imediatamente novos concursos para recrutamentos e em reorganizar os serviços. O pessoal é um fator crucial.
Por que a Lombardia, uma das regiões modelo para a saúde, está sob estresse?
Como em outras partes da Itália, é uma região onde os pacientes recorrem muito ao setor privado. Mas uma epidemia é um evento que pesa sobre o público, setor que não foi aprimorado nos últimos anos.
O medo da população e a confusão entre as instituições não ajudam.
É normal, acontece em todos os países e em toda epidemia. Os germes são inimigos invisíveis. Por isso nos assustam tanto quanto estão entre nós e são tão esquecidos (com culpa) quando não nos atingem diretamente.
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A cientista e o coronavírus: “Desta vez todos estamos nos movendo em um território desconhecido” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU