15 Julho 2019
Um documento assinado por inúmeros intelectuais muçulmanos sobre o significado da excepcional declaração conjunta assinada pelo papa e pelo imã da Universidade Islâmica do Cairo, Ahmad al-Tayeb, em Abu Dhabi, no dia 4 de fevereiro passado, confirma que estamos diante de uma mudança cultural sem precedentes, especialmente para o mundo muçulmano.
A reportagem é de Riccardo Cristiano, publicada por Formiche, 12-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Uma nova fase está começando para as relações entre muçulmanos e cristãos, graças ao reconhecimento recíproco da legitimidade providencial das revelações, teologias, religiões e das comunidades religiosas. A diversidade não é mais motivo de conquista ou proselitismo, ou pretexto para uma simples tolerância de fachada, mas sim uma oportunidade para pôr em prática a fraternidade, que é uma vocação contida no plano de Deus.”
Essa é uma das passagens mais importantes do documento assinado por numerosos intelectuais muçulmanos sobre o significado e o porte da declaração conjunta assinada pelo Papa Francisco e pelo imã da Universidade Islâmica do Cairo, Ahmad al-Tayeb, em Abu Dhabi, em 4 de fevereiro passado.
A declaração conjunta sobre a fraternidade humana marca uma virada cultural sem precedentes, especialmente para o mundo muçulmano, pois arquiva a época de discriminação nos países de maioria muçulmana, indicando a necessidade de reconhecer a todos os crentes e não crentes a paridade de cidadania, com direitos iguais e deveres iguais.
Depois de séculos de “proteção” dos povos do Livro, isto é, de judeus e cristãos, como cidadãos de segunda classe, mas não considerados iguais aos muçulmanos, esse documento é realmente um fato novo, que leva a termo um difícil caminho de busca da recíproca legitimação, comunicado com o Concílio Vaticano e depois levado em frente no diálogo islâmico-cristão sobretudo com o Sínodo da Igreja universal para o Líbano, nos anos 1990, depois para o Oriente Médio, durante o pontificado de Bento e, enfim, com o grande encontro do Cairo depois que, pela primeira vez, a Universidade Islâmica do Cairo havia reconhecido e adotado o conceito de paridade de cidadania para todos os compatriotas, a ser obtido graças a uma constituição compartilhada e, portanto, não inspirada por leis religiosas.
A Igreja Católica evidentemente também fez os seus progressos no diálogo, reconhecendo no Islã uma semente de verdade desde o Concílio, com um documento, a declaração Nostra Aetate, que, porém, nunca chegou a citar Maomé. Uma prudência ou um ceticismo que, com o tempo, foi superado.
Agora a reciprocidade no reconhecimento conquista um espaço decisivo, dado que, na declaração assinada pelo imã al-Tayeb e pelo Papa Francisco, afirma-se: “O pluralismo e as diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos. Esta Sabedoria divina é a origem donde deriva o direito à liberdade de credo e à liberdade de ser diferente. Por isso, condena-se o facto de forçar as pessoas a aderir a uma determinada religião ou a uma certa cultura, bem como de impor um estilo de civilização que os outros não aceitam”.
Depois de séculos de guerras e de ódio, chegar a se dizer isso é um salto enorme, que as partes não souberam apreciar e valorizar precisamente pela sua força, relevância e valor. Um fato comovente que é muito importante, especialmente ao ser recebido por muitos nomes proeminentes não apenas do mundo sunita iluminado, aquele ao qual pertence o imã al-Tayeb, e que, nesse documento de valorização da declaração, são numerosos e detentores de autoridade. Mas também por expoentes da outra grande família islâmica, a xiita.
Como se sabe, o confronto em curso entre a Arábia Saudita e o Irã reveste-se de valor religioso precisamente por causa da cobertura religiosa, embora herética, que os dois regimes dão a si próprios. Assim, é decisivo citar imediatamente a assinatura de Sayed Jawad al-Khoei, um dos mais importantes expoentes do xiismo mundial, baseado no Iraque, na cidade santa de Najaf. Ele é, junto com o do grande aiatolá al-Sistani, o nome mais importante da hierarquia xiita que nunca se curvou à heresia khomeinista, representada pela teoria do governo do jurisconsulto, aquele que legitimou a figura do guia espiritual no Irã, guia espiritual da revolução iraniana, título assumido primeiro por Khomeini e, depois, pelo seu sucessor, Khamenei.
São muitos outros os signatários de destaque, africanos e o do Oriente Médio, mas a assinatura de Sayed Jawad al-Khoei é a que dá a esse documento uma relevância mundial e indiscutível, demonstrando como o esforço de Abu Dhabi pode realmente gerar união para além das fronteiras e das pertenças e, acima de tudo, dos usos instrumentais das fés. Pela paz e pela convivência.
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Sunitas e xiitas unidos pelo documento sobre a fraternidade assinado por Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU