10 Mai 2019
Quando William Faulkner escreveu famosamente: “O passado nunca está morto. Nem sequer é passado”, ele não estava falando especificamente sobre religião – embora, é preciso notar, a frase apareça em seu romance de 1951, "Requiem for a Nun"[Réquiem para uma freira].
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 08-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas Faulkner poderia facilmente ter falado sobre religião, no entanto, porque em nenhuma outra esfera da vida o peso do passado paira de modo tão pesado quanto nas tradições religiosas.
Talvez isso ajude a explicar por que, em 2019, o prestigiado Pontifício Instituto Bíblico de Roma, administrado pelos jesuítas, está promovendo um congresso internacional sobre um antigo movimento religioso judaico que quase desapareceu há quase 2.000 anos, com a destruição do Segundo Templo pelos romanos, nos tempos do imperador Tito em 70 d.C.
Em seu tempo de vida relativamente curto, esse movimento – conhecido pelo nome um tanto obscuro de “fariseus” – conseguiu se tornar um protagonista na história de Cristo no Novo Testamento, e, como resultado, os fariseus são um ponto de referência permanentemente inevitável nas relações judaico-cristãs.
Historicamente falando, os dois principais sobreviventes dentro do judaísmo palestino da destruição do templo foram os primeiros seguidores de Jesus, que se tornaram cristãos, e os fariseus, que hoje são vistos como aqueles que lançaram as bases intelectual, legal e ritual do judaísmo moderno. Outros grupos, como os da elite do templo, os saduceus e as seitas essênicas esotéricas, desapareceram logo após a destruição do templo.
O congresso entre os dias 7 e 9 de maio, que ocorre na Universidade Gregoriana, intitulado “Jesus e os fariseus: uma reavaliação interdisciplinar”, visa a desafiar os estereótipos negativos que se acumularam ao longo dos séculos sobre os fariseus, convidando os cristãos a olharem de modo mais apreciativo, com base nos resultados dos modernos estudos bíblicos.
Há uma certa ironia em tal evento que ocorre na universidade jesuíta de Roma, já que talvez o principal expoente do mundo hoje de uma perspectiva menos do que lisonjeira sobre os fariseus seja o primeiro papa jesuíta da história, Francisco.
Francisco costuma usar o termo “fariseu” como sinônimo de “rígido” e “legalista”, contrastando-os com a abordagem de Jesus.
Durante uma homilia de outubro de 2018, por exemplo, comentando um texto do Novo Testamento, o papa descreveu os fariseus da seguinte forma: “Eles eram realmente um exemplo de formalidade. Mas lhes faltava a vida. Eram, por assim dizer, ‘engomados’. Eram rígidos. (...) Não lhes importavam as pessoas: importava-lhes a Lei, as prescrições, as rubricas”.
Na terça-feira, o rabino David Rosen, do Comitê Judaico Americano, antigo veterano do diálogo judaico-católico, disse no congresso que, tentar reabilitar os fariseus, na verdade, é pedir que os católicos acompanhem os seus próprios ensinamentos oficiais.
Rosen disse que, quando falou com o professor Joseph Sievers, do Pontifício Instituto Bíblico, dois anos atrás, os dois “lamentaram que marcos importantes – alguns da Comissão de Relações Religiosas com os Judeus [o escritório do Vaticano para o diálogo judaico-cristão]”, incluindo um documento de 1982 intitulado “Notas sobre o modo correto de apresentar os judeus e o judaísmo na pregação e na catequese da Igreja Católica Romana”, não teve o efeito desejado.
“Ele não é amplamente conhecido, mesmo nos níveis mais altos, e não foi tomado com a seriedade que esperávamos”, disse. “Em alguns lugares, ele nunca existiu e, em outros, foi sendo um pouco abafado com o tempo.”
Como sinal de esperança, Rosen apontou para a reação nos Estados Unidos quando o prefeito candidato à presidência pelo Partido Democrata, Pete Buttigieg, de South Bend, Indiana, acusou o vice-presidente, Mike Pence, de ser um “fariseu”. Depois de ser criticado por essa retórica por parte de grupos judeus, a campanha de Buttigieg anunciou no dia 17 de abril que ele deixaria de usar o termo.
“Isso atesta o impacto tanto dos estudos quanto das lutas sociais na América do Norte, que é algo a aspirar para o mundo”, disse Rosen.
Em sua introdução ao congresso, Sievers, um padre alemão e membro do Movimento dos Focolares, citou uma frase de Santo Agostinho: “Ninguém pode ser verdadeiramente conhecido, exceto pela amizade”.
Sievers, então, perguntou: “Conseguimos ver os fariseus como amigos?”.
Ao abrir as apresentações acadêmicas, o padre carmelita Craig Morrison começou citando uma edição de 2018 do popular folheto italiano La Domenica, que é distribuído em praticamente todas as paróquias do país aos domingos com os textos para a missa do dia. Naquele dia em particular, a leitura do Evangelho era a parábola dos inquilinos maus, com menção aos fariseus, e as Preces dos Fiéis continham um pedido para que os judeus “buscassem a plenitude da redenção”.
“Seria fácil pensar que os inquilinos maus são os fariseus e sobrepô-los aos judeus de hoje”, disse Morrison, indicando o episódio como um exemplo da necessidade de uma maior sensibilidade.
“Muitas vezes, na pregação e no ensino, não temos consciência da caricatura que criamos sobre esse grupo muito interessante de pessoas religiosas”, disse Morrison.
Steve Mason, especialista na Judeia helenístico-romana, da holandesa Rijksuniversiteit Groningen, sugeriu que uma forma de reabilitar os fariseus é olhar para além do seu perfil no Novo Testamento em Mateus, Marcos e João, recorrendo ao modo como são apresentados pelo historiador judeu Josefo no século I.
Ironicamente, o próprio Josefo não era um grande fã dos fariseus, mas o perfil que emerge a partir da sua descrição é muito diferente das imagens usuais. De acordo com Josefo, os fariseus eram de fato “legalistas”, mas no sentido de especialistas na lei, não autoritários que impõem cargas pesadas.
De fato, disse Mason, de acordo com Josefo, os fariseus eram mais parecidos com advogados de defesa adeptos do uso da tradição oral para mitigar as duras punições prescritas na lei mosaica para crimes como a desonra dos pais e a violação do sábado. Essa reputação de misericórdia e clemência, disse, rendeu-lhes um forte apoio popular.
A distinta tradição literária no Evangelho de Lucas e nos Atos dos Apóstolos, disse Mason, está mais próxima da imagem dos fariseus conforme descrita por Josefo. Quando um grupo de cristãos estava enfrentando uma sentença de morte em Atos 5, por exemplo, o grande fariseu Gamaliel é descrito em sua insistência na tolerância.
O congresso sobre os fariseus, que reúne estudiosos das tradições judaica e cristã, alcança um crescendo nessa quinta-feira, com uma audiência privada com o Papa Francisco. O evento também pretende marcar o 100º aniversário da fundação da Pontifício Instituto Bíblico pelo Papa Pio X em 1909.
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Estudiosos querem promover junto aos cristãos um olhar mais dócil e gentil sobre os fariseus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU