22 Janeiro 2019
“Se considerarmos que uma comunidade, por razões contingentes, pode fazer uso de formas rituais diferentes do único rito romano vigente, essa decisão deve ser tomada pelo bispo local competente, que, eventualmente, pode conceder um ‘indulto’."
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, em artigo publicado por Come Se Non, 21-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "a solução “universal”, introduzida com uma forçação doutrinal e jurídica pelo "Summorum pontificum", gera uma Igreja não “universa”, mas “introversa” e contradiz gravemente as decisões do Concílio Vaticano II, que pediu explicitamente a reforma daquele rito que o "Summorum pontificum" gostaria de tornar universalmente acessível".
Com a supressão da Comissão Ecclesia Dei, a Igreja Católica removeu um elemento de escândalo dentro da Cúria Romana. No entanto, se olharmos com atenção para a história dos últimos 12 anos, vemos que o escândalo se deveu à citada comissão apenas como “instrumento”, mas o cerne da questão e o princípio da distorção eram constituídos pelo motu proprio "Summorum pontificum", que introduziu um paralelismo de formas rituais dentro da vida da Igreja, com a pretensão de não tocar a sua doutrina e de não minar a reforma litúrgica.
As palavras com que se motiva a supressão da comissão esclarecem bem um dado sobre o qual gostaria de me deter: ou seja, que as questões de que a comissão deveria se ocupar e que agora foram retiradas dela não eram de caráter disciplinar, mas sim de caráter doutrinal.
Isso, na minha opinião, determina a exigência de reconsiderar com urgência a disciplina distorcida e contraditória introduzida em 2007 pelo "Summorum pontificum".
Com esse documento, de fato, retomava-se o uso do missal de João XXIII (1962), como “forma extraordinária” do rito romano. Essa hipótese, após 12 anos, parece estar viciada por dois erros graves, tanto de caráter doutrinal, quanto de caráter jurídico.
No plano doutrinal, estava claro, há 12 anos, que a tentativa de separar a “forma ritual” da Reforma litúrgica e da Igreja conciliar estava fadada ao fracasso. A aposta desejada pelo Papa Bento XVI não aproximaria as posições dos lefebvrianos, nem asseguraria a fidelidade dos católicos tradicionalistas.
E, depois de 12 anos, pudemos constatar justamente esse resultado. E é justo reconhecer que a causa de tudo isso não é tanto a gestão da Comissão Ecclesia Dei – que também havia assumido o papel de vanguarda de ponte tradicionalista no coração da Cúria Romana – mas sim a normativa distorcida e contraditória do "Summorum pontificum", que, de fato, torna supérflua a reforma litúrgica para aqueles que aderem ao Vetus Ordo, ou seja:
- não reconhece o ditado da "Sacrosanctum concilium" sobre a necessidade de reforma do Ordo Missae, permitindo celebrar como se o Concílio nunca tivesse existido;
- passa por cima da autoridade episcopal em matéria litúrgica, tornando irrelevante o discernimento “in loco” e substituindo-o pelo da Cúria Romana;
- contradiz a eclesiologia conciliar, perpetuando a lógica clerical e desprovida de participação ativa.
Em segundo lugar, o "Summorum pontificum", introduzindo uma “forma extraordinária” do mesmo rito romano, invertia a relação entre doutrina e liturgia, levantando a hipótese de que a própria “doutrina eclesial” pudesse se expressar em formas rituais das quais uma era a correção da outra.
Desse modo, pressupunha fazer com que a identidade católica dependesse de uma “definição abstrata”, que era indiferente em relação à forma ritual e que, portanto, podia se expressar indiferentemente no Novus Ordo ou no Vetus Ordo.
Agora, devemos reconhecer, também com base neste novo motu proprio de 19 de janeiro de 2019, que existe, em tudo isso, uma questão doutrinal decisiva e que não pode ser desconsiderada.
A pretensão de que diversas comunidades católicas possam ser fiéis ao Concílio Vaticano II e celebrar a liturgia segundo o Vetus Ordo não pode mais ser resolvida nem com uma decisão universal como o "Summorum pontificum", nem por meio do discernimento interessado de uma comissão como a Ecclesia Dei.
Se considerarmos que uma comunidade, por razões contingentes, pode fazer uso de formas rituais diferentes do único rito romano vigente, essa decisão deve ser tomada pelo bispo local competente, que, eventualmente, pode conceder um “indulto”.
A solução “universal”, introduzida com uma forçação doutrinal e jurídica pelo "Summorum pontificum", gera uma Igreja não “universa”, mas “introversa” e contradiz gravemente as decisões do Concílio Vaticano II, que pediu explicitamente a reforma daquele rito que o "Summorum pontificum" gostaria de tornar universalmente acessível.
Esse é o verdadeiro nó da questão. Aí está o pecado que levou à supressão da Ecclesia Dei. E que deverá levar a uma redefinição da disciplina, que restitua à questão doutrinal a sua centralidade e, aos bispos diocesanos, a competência para cada decisão que abra uma exceção à vigência de uma única forma do rito romano, assim como desejada pelo Concílio Vaticano II e pela Reforma litúrgica posterior a ele, que deve ser reconhecida como “irreversível” tanto no plano doutrinal quanto no plano disciplinar.
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O pecado da Ecclesia Dei se chama ''Summorum pontificum''. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU