23 Novembro 2017
“No sábado passado – escreve o teólogo italiano Andrea Grillo –, 18 de novembro, em Villa Nazareth, dentro do congresso sobre ‘Fazer-se próximos e iniciar processos: formas e estilos de serviço no mundo’, impossibilitado de participar, enviei a minha conferência intitulada ‘Iniciar, participar, servir: para iniciar processos dinâmicos e compartilhados. Vocação eclesial e procedimento magisterial’”.
“No contexto pastoral contemporâneo – continua –, solicitado pelo Papa Francisco à ‘saída’ de esquemas regressivos, emergem fortemente alguns perfis decisivos para um relançamento de ‘processos dinâmicos’ na pastoral e no pensamento teológico, orientados a uma forma mais radical e fiel de compreensão da proximidade. Um novo modo de ler três verbos – iniciar, participar, servir – transforma a pastoral e o magistério, fazendo-o sair de um estilo imunizante e redutivo, que tenta resistir, na linha predominante dos últimos 30 anos, antes de 2013.”
Segundo Grillo, “os exemplos que eu gostaria de dar dessa resistência são óbvios, evidentes, quase descarados. Pensei em dar títulos de efeito, para poder considerar totalmente os riscos que se correm ao não conter essa lógica imunizante: a tradução impraticável, a liturgia mumificada, a mulher des-ordenada, o niilismo canônico. Uma breve reflexão dedicada a cada uma dessas graves formas de imunização dos processos dinâmicos de discernimento da tradição deveria nos fazer refletir sobre a urgência de ativar, em cada um desses pontos, uma aceleração dinâmica, como de fato está acontecendo, não sem resistência, nos últimos cinco anos”.
Grillo é professor do Pontifício Ateneu Sant’Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.
O artigo foi publicado por Come Se Non, 20-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Iniciar, participar, servir: para iniciar processos dinâmicos e compartilhados. Vocação eclesial e procedimento magisterial.
“Aquilo que não morre e aquilo que pode morrer...” (Dante Alighieri)
O discípulo cristão, se tiver a coragem de lançar a si mesmo na “sociedade aberta”, deve fazer as contas abertamente com aquilo que está vivo e com aquilo que morreu da própria tradição. O lançamento de “processos dinâmicos e compartilhados” – no contexto de uma sociedade de alta diferenciação – requer um profundo repensamento de algumas “categorias-chave” com as quais mediamos o conteúdo de fé.
Poderíamos dizer que, nessa passagem fundamental, está em jogo uma relação muito delicada, mas muito preciosa e incontornável, entre “forma” e “conteúdo”. Como disse o Papa João XXIII, no Gaudet mater Ecclesia, na abertura do Concílio Vaticano II, o coração do estilo “pastoral” é a relação não imediata entre “substância da antiga doutrina” e “formulação do seu revestimento”.
Nesse processo, gostaria de evidenciar o papel de ligação, precioso justamente na sua necessidade e na sua insuficiência, que o magistério eclesial exerce nisso. No entanto, faço como premissa uma série de observações, quase apenas lexicais, a propósito dos termos que intitulam a minha intervenção e que surgem, como é evidente, da concepção original que o magistério tem sobre si mesmo no pontificado de Francisco, em evidente e quase escandalosa continuidade com a coragem conciliar de recuperação de uma relação frutuosa entre Igreja e mundo.
A estrutura do meu discurso, portanto, terá o seguinte andamento: apresentarei algumas questões preliminares em torno das palavras-chave desta reflexão (§ 1), para depois enfocar o “procedimento magisterial” como serviço e como condição da vocação cristã (§ 2), para ilustrar, enfim, mediante alguns exemplos finais, as oportunidades e os limites da fase pós-conciliar, marcada, não marginalmente, por evidentes sintomas de “imunização da tradição” (§ 3).
Cada uma das três palavras que foram postas como título desta minha intervenção merecem uma atenção preliminar, quase um esclarecimento terminológico. É claro que elas derivam, não às escondidas, do léxico que a Evangelii gaudium introduziu no discurso eclesial há mais de quatro anos: elas retomam o imaginário conciliar e o conjugam duas gerações depois.
Vejamo-las uma a uma:
- iniciar, ao mesmo tempo, deve ser compreendido no ativo e no passivo. Trata-se de “tomar a iniciativa” – algo urgente e premente –, mas também de percorrer os caminhos da iniciação. A coragem de “iniciar” significa, naturalmente, não jogar apenas na defensiva, não confiar simplesmente no passado, mas ter motivos para tomar uma iniciativa, que considere os limites do status quo extra e intraeclesial. Sair do estereótipo “educativo”, como se a Igreja tivesse apenas que educar e não se deixar educar, como se o mundo fosse o lugar do esquecimento da formação, e a Igreja tivesse permanecido como a única “agência educativa”; como se, na relação com o mundo, a Igreja também não tivesse sempre que “se deixar iniciar” e “começar algo ex-novo”. Iniciar significa que, também em teologia, “licet quiddam cognoscere novi”!
- participar é o sinal tangível não tanto de uma “lógica democrática” que, finalmente, entrou também na Igreja, mas sim a lógica intrínseca do próprio mistério cristão. O fato de ter descoberto que é o próprio mistério de Deus uno e trino que exige, na raiz, que não haja apenas “diferença” entre Senhor e Igreja, mas também comunhão e participação torna-se o próprio motivo de uma identificação provocativa: no fundo da “participatio”, há a consciência de que a assembleia celebrante faz e deve fazer parte do mistério celebrado. Fazer parte do mistério, não tê-lo simplesmente na frente, como um “público”, mas estar dentro dele, como uma “comunhão”, como uma “dívida recíproca”: eis o ponto nodal de uma leitura que rompe, um após o outro, todos os pontos de resistência daquela “estrutura hierárquica” que não é – como deve ser – serviço à comunhão da assembleia, mas sequestro e privilégio dignos não de uma Igreja, mas de uma casta ou de uma seita.
- servir, enfim, não é apenas “imitação de Cristo”, mas também princípio de comunhão eclesial. O estilo do serviço não é apenas dotado de ótimas funções burocráticas, de diplomacias navegadas, de equilibrismos sociais e políticos, de oportunismos táticos ou estratégicos; o estilo do serviço ressoa como Palavra e como sacramento, aprende a arte do desinteresse, da clarividência, da abertura de crédito invencível da vigilância evangélica: sabe que deve esperar pelo bem que vem como um ladrão. E, para vigiar realmente, experimenta não “fechaduras” nem fechamentos, mas “aberturas” e “esperas”. É verdade: a ideologia do serviço pode se tornar perigosamente “autorreferencial”. Mas, nesse caso, é evidente que ela só serve a si mesma e, em última análise, confunde o servir com o ser servido.
À luz das três palavras, assim como as delineamos brevemente, emerge uma questão sobre a qual quero me deter agora: que papel desempenha o “procedimento magisterial” a fim de renovar decisivamente essa vocação cristã ao iniciar, ao participar e ao servir?
Em outras palavras, que contribuição essencial dá uma função do magistério que se sintoniza com o “tomar a iniciativa”, em vez de “desconfiar de cada iniciativa”? Que encoraja as “competências diferenciadas”, em vez de advogar para si toda competência? Que pensa grandemente o “serviço”, sem deduzi-lo servil e autoritariamente apenas do passado? Eis, então, que o olhar se dirige ao segundo ponto do meu raciocínio, sobre o papel do procedimento magisterial nessa retomada da resposta eclesial à própria vocação.
Se um processo eclesial deve ser assumido e promovido, é preciso elaborar novos procedimentos de magistério, central e periférico, que saiam dos estilos fechados e estilizados da temporada recente. Veremos, mais adiante, o coração desse “estilo aparentemente renunciatário”, que, na realidade, garantia apenas a conservação obtusa do “status quo”. Aparentemente renunciava-se, para não renunciar substancialmente a nada.
Mas, mais importante é encontrar, no estilo do magistério da Evangelii gaudium, da Laudato si’ e da Amoris laetitia, uma nova reaquisição importante: ou seja, a consciência de ter que superar as leituras redutivas do real, a projeção dos próprios fantasias sobre as existências, a ideologia antimodernista e regressiva, nostálgica e carrancuda sobre os mundos da vida e da esperança.
Com efeito, no debate eclesial decorrente das palavras proféticas do Papa Francisco sobre a “Igreja em saída” e sobre a “superação da autorreferencialidade”, talvez ainda não se compreendeu claramente como essa prioridade, que o papa enunciou, justamente, desde os primeiros dias do seu ministério – e que já estava claramente presente no seu texto apresentado à Congregação dos Cardeais no conclave – requer uma profunda revisão do estilo com o qual a Igreja pensa e age em relação ao tema do “poder” e da “autoridade”.
Poderíamos dizer assim: para poder “sair da autorreferencialidade” e tornar-se verdadeiramente “heterorreferencial” – ou seja, para não colocar a si mesma no centro, mas o Outro e o outro – a Igreja deve, acima de tudo, reconhecer que está investida de uma autoridade real e eficaz.
Em outras palavras, ela deve poder confiar na possibilidade de intervir com autoridade sobre a própria doutrina e disciplina – sobre aquilo que pensa de si mesma e sobre o que faz de si mesma, para usar a bela expressão do Papa Paulo VI na abertura da Segunda Sessão do Concílio, em setembro de 1963 – sem ceder à tentação de “se impedir um repensamento”, talvez em nome da fidelidade à tradição.
Essa via, que muitas vezes é uma escapatória, de fato, continua sendo, também hoje, muito praticada e muito sedutora. Parece uma virtude quase heroica, mas muitas vezes se transforma apenas em uma forma de retórica e em um álibi.
Se a Igreja pensa que o único modo de ser fiel ao Evangelho é continuar em tudo e para tudo como antes – seja doutrinal, seja disciplinarmente – ela logo se convencerá de que deve permanecer absolutamente imóvel para ser plenamente a si mesma. Ela fará do imobilismo – às vezes reduzida apenas à conservação dos bens imóveis – a sua obsessão.
A essa tentação, Francisco quis responder com quatro anos de uma palavra profética, que, acima de tudo, quer persuadir a Igreja e o mundo de duas coisas:
- que a fidelidade é mediada pelo movimento, a conversão, pelo sair pelas ruas, não pela estase, pelo medo e pelo fechar-se entre os muros;
- que, para se mover, é preciso reconhecer a autoridade de estar na história da Igreja e da salvação de modo partícipe e ativo, não como espectadores mudos e passivos, ou como simples “notários”.
A autoridade necessária para sair da autorreferencialidade parece ser um conceito controverso, não apenas por ser objetivamente hostilizado, mas também por não estar subjetivamente esclarecido.
Mas, justamente, essa consideração encontra mais do que uma resistência não só na inevitável inércia do modelo a ser superado, mas também em alguns “lugares-comuns”, dos quais eu gostaria de levar em consideração aquilo que eu poderia expressar como a redução da autoridade à “renúncia à autoridade”.
Trata-se de um lugar-comum muito fascinante, que às vezes assume uma notável relevância na experiência eclesial, e que o magistério pode e deve utilizar em passagens complexas. Ele se traduz, formalmente, em uma declaração de “non possumus”.
Esse é um dos pontos-chave do “magistério negativo” que a tradição antiga, medieval e moderna cultivou com atenção e cuidado. Trata-se, em última instância, de uma preciosa “autolimitação do magistério”. Mas tal autolimitação, que por si só é a garantia de “outro” e que, portanto, deveria conter e obstaculizar as formas da autorreferencialidade eclesial, entrou com grande força na experiência eclesial das últimas décadas, especialmente a partir dos anos 1990.
Uma série de documentos, que vão de 1994 a 2007, marcam uma espécie de “baixo contínuo”, no qual, mediante essa autolimitação da autoridade eclesial, deixou-se em vigor a compreensão e a prática precedente como “única autoridade possível”.
De fato, esse é o limite desse “lugar-comum” do exercício do Magistério. O Magistério, em todos os casos que agora examinaremos brevemente, ao afirmar “não ter a autoridade”, não se despoja da autoridade, mas confirma a autoridade na sua formulação anterior e clássica. E é precisamente aqui que a “autolimitação” – até mesmo contra as intenções – corre o risco de ter como resultado a “autorreferencialidade”, e que a “resistência” autorreferencial do poder eclesiástico assume a forma cativante de uma paralisia estrutural, apresentada como renúncia ao poder.
São diversas as formas da “imunização da proximidade”. A mais usada e abusada nas últimas décadas é uma estratégia que obtém, simbolicamente, o máximo de vantagens com o mínimo de esforço: é suficiente afirmar que “a Igreja não tem a autoridade” para conservar toda a autoridade!
Os processos dinâmicos são impossíveis se a Igreja não tem nenhum poder sobre o ministério, nenhum poder sobre a liturgia, nenhum poder sobre a migração... O estereótipo da “renúncia à autoridade” permite à Igreja uma boa via de fuga: ela parece humilde e desinteressada, enquanto mantém intactas as competências e os poderes.
Os exemplos que eu gostaria de dar são evidentes, quase descarados. Pensei em lhes dar títulos de efeito, de modo a considerar totalmente os riscos que se correm ao não conter essa lógica imunizante: a tradução impraticável, a liturgia mumificada, a mulher des-ordenada, o niilismo canônico.
Uma breve reflexão dedicada a cada uma dessas graves formas de imunização dos processos dinâmicos de discernimento da tradição deveria nos fazer refletir sobre a urgência de ativar, em cada um desses pontos, uma aceleração dinâmica, como, de fato, está acontecendo, não sem resistências, nos últimos cinco anos:
Escutamos, há 20 anos, palavras irresponsáveis, mesquinhas, infundadas, sobre o sentido do traduzir e sobre a sua prática. Reivindicou-se até que as línguas modernas, as línguas vernáculas e faladas, para serem dignas da liturgia “romana”, imitassem até as figuras retóricas do latim!
Isso, perdoem-me, não é um raciocínio de filologia. Este é um delírio de nostalgia. Que se tornara, até anteontem, palavra oficial, trunfo de uma autoridade reduzida ao autoritarismo que pretende, em vão, a imposição do absurdo.
Tal distorção, diante da realidade complexa das línguas, pode causar danos durante alguns anos, como ocorreu, com efeito. Por um lado, havia quem tentasse traduzir “de acordo com a razão”, mas via as traduções serem pontualmente rejeitadas em Roma. Havia quem, por sua vez, traduzisse “de acordo com as novas regras”, produzindo textos que eram, sim, fiéis a Roma, mas não à língua dos povos aos quais eram destinados.
Hoje, nesse plano, não sem resistência nos mais altos níveis, temos novamente a possibilidade de reabrir “processos dinâmicos”, de restituir a palavra aos sujeitos falantes, de confiar em um simples fato: o latim, mesmo com toda a sua justa experiência eclesial de 17 séculos, é uma língua de Babel, como todas as outras. Na Itália, faz 700 anos que Dante sentenciou: a expressão poética não passa mais por aí.
Por outro lado, as línguas faladas não só perdem algo daquilo que o latim pode dizer, mas também sabem dizer coisas que o latim não sabe expressar. Devemos nos resignar à liberdade com que o Espírito pode dar o melhor de si não só aos nossos avós, mas também aos nossos bisnetos, nas línguas que, então, eles poderão e saberão falar.
Com uma medida-surpresa, tirada da cartola de 10 anos atrás, foi-nos dito que aquela forma ritual que a Reforma Litúrgica conciliar tinha declarado oficialmente como limitada e necessitada de revisão, e que, portanto, havia superado, emendado e mudado, permanecia intocada, intocável e inoxidável, como antes e mais do que antes, ao lado da nova forma ritual.
Mumificar o Vetus Ordo e fazê-lo renascer, de repente, ao lado do seu filho, para assegurar um eterno paternalismo ao extremo sobre o Novus Ordo, de fato, não é um gesto de estilo “tipicamente católico”, mas sim uma grave forma de humilhação para a tradição católica verdadeira, aquela que não tem medo da história, dos processos irreversíveis e que sabe reconhecer o novo e o inesperado.
Fazer a reforma e, ao mesmo tempo, fazer como se nada tivesse acontecido não é católico, mas mesquinho. E, assim como é mesquinho pretender julgar um sujeito apenas com base na lei objetiva, assim também é dizer que se defende a Reforma Litúrgica com uma mão e liberalizar com a outra, simultaneamente, aquele rito que havia sido objeto de reforma.
Basta dizer que se inaugura um “sistema litúrgico” em que, contemporaneamente, estão vigentes dois calendários litúrgicos contraditórios entre si. E vá você entender se Cristo Rei se celebra no fim de outubro ou no fim de novembro!
Em terceiro lugar, a exclusão da mulher de todos os graus do ministério ordenado parece uma verdadeira joia da imunização, talvez uma das suas obras-primas. Ao repetir os argumentos que provêm da sociedade fechada, somos todos campeões. Ganhamos o campeonato dos lugares-comuns, mas parece que silenciamos todas as objeções?
A teologia, se quiser ser séria e não se reduzir a um verniz ideológico para cobrir velhos preconceitos sexistas, deve, se for capaz, não se refugiar no passado, mas propor argumentos para hoje. Dizer que no passado a mulher nunca foi ordenada – o que, aliás, não é verdade – não responde à pergunta que hoje nasce da Igreja e do mundo, da teologia e da cultura.
O ponto doloroso dessa demanda de “processualidade” está em aceitar a inversão do ônus da prova. Não é quem propõe a ordenação no feminino, pelo menos no nível do diaconato, que deve oferecer motivações dignas. Essa demanda já está fora do tempo e inverte as coisas. É quem nega essa possibilidade que deve fornecer argumentos com um mínimo de plausibilidade. E não argumentos fingidos, tirados dos armários medievais, cheios de teias de aranha e de mofo! Ou das prateleiras antimodernistas, sempre prontas para dar razões para ficar parados no passado. Porque, se alguém argumenta hoje com base na “incapacidade de exercer o poder por parte da mulher”, não faz um serviço à Igreja, mas prova que está defasado em relação ao mundo-ambiente em pelo menos 200 anos. E há teólogos que continuam credenciando essas palavras como “argumentos”, desqualificando a razão teológica e a dignidade do seu saber.
Um último aspecto que merece ser ilustrado, como lugar de um necessário desenvolvimento processual, é a “fragilidade matrimonial”: aqui me parece que se deve afirmar que os “processos dinâmicos eclesiais” de recuperação da “realidade conjugal” só podem ocorrer através de um redimensionamento drástico e decidido do papel do “processo judicial”.
Os canonistas não devem só dar uma razão, mas permanecem em grande parte inadimplentes ao não projetar um sistema novo. Se o vínculo conjugal continuam sendo pensado mediante categorias “que não conhecem a história”, toda possibilidade de recuperar a comunhão eclesial só poderá ser garantida pela clássica lógica dos “impedimentos”, que se transformou em “capítulos de nulidade” e que elabora exclusivamente um “remédio retrotópico”.
Se o vínculo pode ser apenas duas coisas – desde a origem existente ou não existente – isso nega ao vínculo toda experiência, todo desenvolvimento, toda história. Essa forma mentis – exceto os poucos casos de efetiva “invalidez original” – deverá ser radicalmente superada. Ela não corresponde mais nem à experiência dos cônjuges – supondo-se que estejamos dispostos a reconhecê-la como relevante –, nem às exigências eclesiais – que não são mais as da luta do século XIX contra o Estado liberal usurpador –, nem à compreensão cultural e social – que não é apenas abismo modernista de egoísmo.
Continua sendo verdade aquilo que P. Sequeri afirmou durante o Sínodo: “Nunca é como se nada tivesse acontecido”. Esse continua sendo, pelo menos para grande parte dos canonistas, o impensado. A Amoris laetitia é aqui apenas “início de um início”. Bendito, necessário, mas insuficiente. O resto é confiado à capacidade processual do magistério eclesial e canônico por vir.
Para honrar o real, com um gesto de fidelidade à tradição que nunca se torne autorreferencial, é preciso discernir cuidadosamente entre “aquilo que não morre e aquilo que pode morrer”: se não se opera com força e com coragem esse ato de distinção e de discernimento, corre-se o risco de comprometer “aquilo que não morre”, confundindo-o e misturando-o com “aquilo que pode morrer”.
A tarefa do magistério, hoje como sempre, parece estar investida de uma tarefa de discernimento decisivo para não confundir a “vocação eclesial” com a “manutenção do status quo”.
Nas últimas décadas, como vimos, depois da grande temporada de renovação conciliar, a tentação de retornar à fácil identificação da tradição com o passado voltou a insidiar os “processos dinâmicos” introduzidos pelo Concílio. Há cerca de cinco anos, o magistério eclesial, graças à salutar “sacudida” introduzida pelo pontificado de Francisco, retomou a fecunda relação entre “procedimento magisterial” e “vocação eclesial”: um magistério que abre novos espaços para a vocação eclesial, escapa à tentação de uma autoridade que bloqueia a liberdade, mas introduz a “misericórdia” como critério da autoridade e, portanto, também como sentido último da liberdade.
Um magistério que, com honestidade e equilíbrio, saiba indicar, finalmente, também “aquilo que pode morrer” nos estilos sacramentais e nas formas retóricas, na pastoral familiar e nas estruturas de Cúria, nas formas celebrativas e nas autoridades caritativas identifica muito facilmente aquilo que se tornou obstáculo e lastro, e deve ser deixado morrer, sem nenhuma obstinação terapêutica.
Enquanto não soubermos fazer morrer aquilo que de caduco acompanha a pastoral, não saberemos fazer brilhar, com toda a força e a eficácia necessária, aquilo que não morre e não deve morrer. Nesse equilibrado sistema de resistência e rendição, abre espaço, eficazmente, a recepção do Concílio Vaticano II e o espaço para uma resposta nova e, por isso, fiel à vocação cristã. Só assim a fidelidade não será apenas em relação ao passado, mas também em relação ao futuro.
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Vocação eclesial e procedimento magisterial. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU