Por: Jéferson Ferreira Rodrigues | 22 Junho 2016
A existência é uma arte que desafia a todos. Não está imune a sabores e a dessabores. Em tempos de muitas mudanças, convive-se com muitas dúvidas e incertezas. Nele exige-se uma disposição de/para reinventar-se a cada momento, sobretudo frente à experiência inegável de uma sociedade plural com sua dinâmica própria.
A pluralidade não é novidade nas relações humanas de sociabilidade. Ela sempre ocupou seu devido espaço. A novidade reside na sua percepção: não é considerada na sua negatividade, mas valorizada na sua possibilidade de ser “horizonte diferenciado” para a ação humana. Ela é um valor cultivável e necessário.
Existe uma crise nas relações humanas de sociabilidade. Não faltam os(as) pensadores(as) para alertar esse fenômeno. Não é ocasião para declarar a “decadência” do agir e do existir. Mas, convém não perder a oportunidade para pensa-la como possibilidade e discernir melhor os processos que movem as existências. Caso contrário, logo surgem anomalias e eleição de inimigos a serem combatidos: individualismo e relativismo.
O individualismo é uma existência de muitas nuances e causas. O que faz uma pessoa fechar-se sobre si mesmo? Talvez a necessidade de poder, o medo de relacionarem-se, as decepções do cotidiano, a ausência de confiança nas pessoas e nas decepções. A cultura do “basta-se a si mesmo” está desvelando o imperialismo do eu e promove a afirmação patológica sobre e de si mesmo como horizonte de possibilidade.
O indivíduo é portador da possibilidade de ser protagonista de uma história. Não se vê mais na tutela de um outrem (pessoa e/ou instituição). Não é o outro que lhe confere a norma/lei, ou ainda, baliza aquilo que deve ser realizado. A modernidade com sua autonomia exacerbada não criou as condições para um processo continuo de libertação. Nela cultivou-se liberdade individual que não liberta nem abre para um universo relacional.
O ser humano aos avessos, não consegue seu protagonismo, que enclausurado na patologia do individual acaba por negligenciar com qualquer referência. Um existir sem raízes, sem história, enterrado num presente que não contempla o passado e afirma um presente e futuro sem definições. Isso impacta no modo de existir. Aqui se desvela a anomalia do relativismo.
As questões principais são recolocadas, em todas as dimensões, mas de modo especial no agir. Afinal de contas, o que significa dizer que algo ou alguém está certo ou errado? No vácuo de uma resposta definitiva, cria-se um espaço intermediário de manutenção do caos e do medo. Não é suficiente afirmar apenas uma cosmovisão, mas atrever-se buscar a escolha certa ou a mais adequada, compartilhando uma pluralidade que reclama um relativo relacional.
Existe uma relatividade positiva. Ela não porta o excesso. Mas, abre na possibilidade relacional. Onde a dignidade das verdades e dos valores não reside no isolamento e sim na interação e na soma de todos mutuamente. Isso implica uma nova perspectiva no reinterpretar a existência: não mais encerrada numa racionalidade autônoma e autossuficiente (que não deu conta de corresponder aos anseios profundos do ser humano), mas aberta para a convivência do plural.
O ser humano é afeito e feito de escolhas. É ilusão, no mínimo ingenuidade, acreditar que a vida humana não é regida por nenhum princípio (de qualquer dimensão/natureza). Muitas pessoas optam por manter uma linguagem nebulosa e desconfortante para “amaciar” e “legitimar” suas próprias tiranias em nome de uma “não-verdade absoluta”. Hoje os princípios são mais flexíveis e plurais. É oportuno nutrir um dissenso criativo e uma hierarquização de valores/verdades, sem cair na malha fina da tolerância, irmã gêmea da indiferença.
Diante das incertezas, não é necessário empreender esforços para deslegitimar o relativismo e o individualismo, mas buscar um caminho de resposta na diferença. Cada ser possui uma diferença, e essa é irredutível. Nela não existe espaço para negligencia. Ela não está à venda nem a disposição para ser banalizada. Nela o ser humano desvela sua radical forma de ser. Com ela compartilha uma existência dos diferentes. Através dela, os diferentes encontram-se.
Nesse tempo, o ser humano possui a oportunidade de deixar acontecer aquilo que ele pode ser de mais espetacular: conviver realmente na diferença. Onde um “novo olhar” é possível para reler a realidade das relações e dos processos. Nela o ser humano exerce sua capacidade de criação. É a oportunidade para “reinventar-se”, criar valores que digam ao nosso tempo, mas que contemples uma universalidade inclusiva.
Diante de uma sociedade plural, o múltiplo radicado na diferença desvela-se como busca cotidiana de um modo existir qualificado. É a arte cotidiana de torna-se humano para viver a/na liberdade. Nela encaram-se os contornos da vida, com suas poesias e prosas, com seus dramas e romances, com suas comédias e suspenses. Uma vida que valha a pena ser vivida: Sem desperdiçar nada, discernindo tudo, decidindo o suficiente!
Paul Valadier, no Caderno Teologia Pública, edição 31, “propõe uma reflexão filosófica sobre as consequências no que diz respeito á moral, tanto na teoria como na prática, em sociedades democráticas pluralistas, ou ainda interrogar-se sobre a própria moral, afetada pela modernidade, se quisermos empregar esse termo amplo e, às vezes, vago para designar a situação cultural singular que hoje vivemos em nossa história”.
O texto está organizado nos seguintes tópicos:
1. Anarquia de Valores
2. Anarquia e Liberdade
3. Condições da Liberdade
Para acessar o texto: clique aqui
Paul Valadier, padre jesuíta, mestre e doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Lyon e professor emérito de Filosofia Moral e Política no Centro de Sèvres. Foi redator da Revista Études (1982-1989) e autor de uma ampla bibliografia.
Por Jéferson Ferreira Rodrigues
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Individualismo e Relativismo: Um existir nas avessas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU