"São Pedro e São Paulo são duas figuras conhecidas em nossa trajetória cristã, mas também em muitas outras tradições religiosas. Se tornaram sacramentos na história e, por isso mesmo, marcam, sinalizam, orientam o caminho do discipulado, dos guardiões e guardiãs do sagrado. São referências pessoais e comunitárias."
"Pedro e Paulo somos todos nós. Pedro e Paulo são duas dimensões da comunidade em estado de missão. Pedro e Paulo são as duas necessárias perspectivas da identidade: a fidelidade e a continuidade; a tradição e a criatividade; a dimensão interna e a dimensão externa."
A reflexão é de Rosemary Fernandes da Costa, teóloga leiga, doutora em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio (2008). Atualmente é professora de Cultura Religiosa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e de Filosofia da Secretaria de Educação do RJ. É criadora e coordenadora do curso de Pedagogia da Fé, no Centro Loyola de Fé e Cultura e na Arquidiocese do Rio de Janeiro. Assessora da CRB (Conferência dos Religiosos do Brasil) e da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), de agentes de pastoral e formadores na área de Iniciação Cristã, Catequese e Catecumenato. Participa do GT de Espiritualidades e Saúde da Abrasco.
Primeira Leitura: At 12,1-11
Salmo: Sl 33,2-9
Segunda Leitura: 2Tm 4,6-8.17-18
Evangelho: Mt 16,13-19
Estamos diante de uma liturgia de festa, festa de São Pedro e São Paulo: um ponto de chegada e um ponto de partida, que nos conduz para o centro da mensagem de Jesus e para o envio missionário.
São Pedro e São Paulo são duas figuras conhecidas em nossa trajetória cristã, mas também em muitas outras tradições religiosas. Se tornaram sacramentos na história e, por isso mesmo, marcam, sinalizam, orientam o caminho do discipulado, dos guardiões e guardiãs do sagrado. São referências pessoais e comunitárias.
A primeira leitura (At 12,1-11) nos conduz até a comunidade de Atos dos Apóstolos, e ali encontramos Pedro encarcerado que vive uma forte experiência de Revelação. Pedro, mesmo submetido ao poder das autoridades locais, repousa. Mais adiante, é libertado desse poder local, o poder dos “Herodes”, e alimentado na fé para seguir a missão que move seu ser.
Contemplando a narrativa, nos deparamos com a firmeza de Pedro expressa no seu repouso. Pedro sabe, como discípulo do Mestre e como missionário, que não está sozinho e nem entregue aos poderes deste mundo. Pode repousar e confiar, mesmo sem compreender o contexto mais amplo daquela prisão. Sua confiança é confirmada, os guardiões o confirmam nos passos para a missão. “Coloca o cinto e calça tuas sandálias... põe tua capa e vem...”
É para a missão que ele é chamado e deve prosseguir. Essa é a profunda libertação que predispõe para a ação concreta, com os pés no chão, preparado para caminhar, com a dignidade da "capa", do abrigo no Amor que o conduz e sustenta.
O Salmo (Sl 33,2-9) nos confirma, garante a proximidade do Amor Divino em todas as situações - “De todos os temores me livrou o Senhor!” O sinal do acampamento, da tenda ao redor, como guardados, preservados. Não significa que não haverão lutas, sofrimentos, batalhas, mas confirma que o Senhor está conosco em todas as situações, especialmente nestas.
O ultimo verso do Salmo é contemplado pelos Padres da Igreja como um sinal forte do encontro mistagógico entre Deus e o ser humano – “Provai e vede como o Senhor é bom” – como a experiência mais sagrada e mais profunda de integração com a história e o Amor Divino presente nela e para além dela.
Na segunda leitura (Mt 16,13-19) nos encontramos com Paulo escrevendo a Timóteo, parece angustiado e, ao mesmo tempo resistente e consciente de que fez tudo para se manter fiel. Paulo não é ambíguo, ele é humano. Essa carta é como uma revisão de vida. Paulo olha para sua trajetória, percebe o quanto se modificou diante do chamado divino. Reconhece suas limitações e sabe que nada impede que o Amor seja vitorioso.
Os verbos do versículo 7 – “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” - nos ajudam a compreender que a conversão é um caminho, direcionado a uma meta e, ao mesmo tempo, à missão de sermos guardiões do mais sagrado. O convite de Deus respeita a história de Paulo, não se impõe, mas convida. É a liberdade de Deus e a liberdade humana em diálogo. É o Amor Divino que se revela mais uma vez.
O Evangelho (Mt 16,13-19) escolhido para hoje é a resposta aos textos anteriores. Diante das perguntas que nos chegaram até agora, através da Palavra, Jesus nos conduz à pergunta fundamental – “E vós, quem dizeis que eu sou?” - e, diante dela, vivemos um verdadeiro processo pedagógico ou, se desejarmos, um processo mistagógico, de discernimento e revisão de nossas próprias vidas, escolhas, e também do caminho da comunidade.
Convidamos aqui a olhar especialmente para duas chaves de leitura, pois aqui encontramos muitas outras: a diferença de perspectivas diante do projeto de Deus e a dinâmica entre a liberdade divina e a liberdade humana e histórica.
Jesus está em um tempo especial, de revisão e avaliação do caminho percorrido. Para isso está com a comunidade mais próxima, como quem olha para si e para a comunidade, sabendo que não há como se conhecer sem a comunidade. A alteridade não é para Jesus apenas uma meta ética, é seu jeito mesmo de ser e viver. Não há como ser quem é sem ser em relação.
Nesse processo de revisão, ele busca compreender como as pessoas recebem sua mensagem, seu jeito de agir e suas orientações. Qual a ótica do povo sobre a identidade de Jesus? É importante esse feedback, conhecer como a missão está chegando, talvez sejam necessárias novas formas de atuar, sempre na direção da missão. Mas, Jesus segue para a ótica de sua comunidade mais próxima. “E vocês?” Qual a sua perspectiva? Já entenderam qual o caminho ou se confundem como tantos sobre o que significa ser o Messias, o Filho de Deus?
A profissão de fé da comunidade é colocada na voz de Pedro. Sim, nós sabemos, seremos seus discípulos, nós te amamos e vamos assumir a missão – “Apascenta as minhas ovelhas!” – Jesus não nega as alteridades, as diferenças, as limitações. Ele nos conhece melhor do que a nós mesmos. E é conosco mesmo que ele conta e confirma na fé e na missão. O que importa é a direção, a meta e, para isso, é preciso ser comunhão e ser poder-serviço.
A dimensão messiânica revelada em Jesus não é a do poder-autoridade, nem do poder-imperialista, nem do poder-triunfalista, mas do poder-serviço, que passa pelo caminho do servo-sofredor.
Pedro e Paulo somos todos nós. Pedro e Paulo são duas dimensões da comunidade em estado de missão. Pedro e Paulo são as duas necessárias perspectivas da identidade: a fidelidade e a continuidade; a tradição e a criatividade; a dimensão interna e a dimensão externa.
Que possamos encontrar esse caminho de seguirmos em comunhão, nas luzes e sombras, nas lutas e oposições, nas pequenas realizações e novas metas. Somos confirmados e confirmadas como comunidade no caminho do Amor Divino que nos chamou e nos conduz, sempre.