27 Abril 2024
As acusações variadas são feitas por vários críticos. Alguns são cardeais. Muitas vezes anônimos. E uma estranha Igreja que se preocupa sobretudo em salvar seu próprio passado. Em meio a autoritarismo, bênção de casais homossexuais, reforma da Cúria...
O comentário é de Alberto Carrara, padre da Diocese de Bérgamo, na Itália. O artigo foi publicado em La Barca e il Mare, 23-04-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Li uma reportagem no jornal francês La Croix. O texto revela uma notícia que, na verdade, já é conhecida: o Papa Francisco tem muitos “inimigos”, sobretudo dentro da Igreja.
A reportagem cita documentos, alguns anônimos, e menciona nomes, alguns conhecidos. Os motivos das contestações também são conhecidos.
“Acusações de autoritarismo e críticas a decisões importantes, como a possibilidade de bênção a casais homossexuais, a restrição da liturgia pré-conciliar ou a reforma da Cúria.” É assim que o jornal francês resume. Que conclui citando um padre romano, também ele anônimo, que diz: “Alguns esperam pelo novo papa, outros se perguntam se Francisco não está um pouco fora de si”.
Depois, são indicados documentos que levam o nome de “Demos”. Existem dois: “Demos” e “Demos II”. Ambos são fortemente críticos ao Papa Francisco, e há rumores de que esses documentos foram escritos por um cardeal. Alguns relacionam esses documentos com o cardeal australiano George Pell, falecido em janeiro de 2023.
De fato, os documentos poderiam estar relacionados ao cardeal em questão, no sentido de que refletem com bastante fidelidade a atitude crítica que o prelado australiano tinha em relação ao Papa Francisco. É difícil dizer se ele ou alguém de seu grupo os escreveu fisicamente. Mas os ambientes conservadores que se reconhecem nesses documentos também reconhecem que George Pell ainda não encontrou um sucessor ao seu nível.
Outro conhecido opositor de Francisco é o cardeal estadunidense Raymond Burke. Cita-se uma frase peremptória dele, enunciada em novembro de 2023, antes do Sínodo desejado pelo papa. O sínodo, segundo Burke, “corre o risco de fazer com que a Igreja perca sua identidade”.
Mas a reportagem do La Croix não desperta interesse ao identificar as identidades desses “inimigos”. Não por deméritos particulares do jornal, mas sim pela dificuldade objetiva de identificar quem está por trás de documentos anônimos.
É um fato que, por si só, merece uma crítica. Existem personagens ilustres na Igreja, talvez até cardeais, que criticam, mas sem assumir a responsabilidade pelo que dizem e se escondem atrás de um anonimato cômodo e tranquilizador.
Pode ser que esses doutos senhores até tenham algum motivo. Mas é difícil pensar que seu modo de agir possa representar o estilo alternativo à Igreja do Papa Francisco.
Tudo isso revela ainda uma inquietante contradição. Critica-se o Papa Francisco, seu autoritarismo, suas decisões em nome de uma maior democracia: os documentos anônimos, com efeito, assumiram o nome de “demos”, povo. Mas esses documentos e diversas outras críticas reivindicam uma Igreja mais autoritária, mais ligada à “verdade”, à tradição, com um papa que permaneça em Roma e não viaje mais... Em suma, pede-se, em nome da democracia, que o papa seja menos democrático.
É interessante, além disso, que os líderes dessa oposição surda sejam sobretudo australianos, estadunidenses, curiais... Isto é, provêm das antigas Igrejas de matriz ocidental que estão fortemente em crise. Ou seja, não se pede uma Igreja que se abra ao mundo, especialmente ao Sul do mundo e ao Leste do mundo, mas sim que se coloque como paladina do Velho Mundo do Norte, onde, aliás, a Igreja está morrendo lentamente. E onde só sobreviverá se for capaz de mudanças radicais e corajosas.
Tanto é que se torna inevitável perguntar se esses homens da Igreja realmente servem à Igreja ou se servem dela. É difícil dar uma resposta segura, mas é difícil evitar a pergunta.
P.S.: Falei de cardeais, da Austrália e dos Estados Unidos. Mas, ao lado dos cardeais que defendem seus adornos de generais, há alguns sargentos locais às vezes até mais apegados a seus adornos do que seus generais. São poucos, felizmente. Muito poucos. Mas eles existem e estão convencidos de que a Igreja tem um glorioso passado à sua frente.
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Os inimigos do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU