“O virtual não pode ser tudo, porque se for tudo, a vida não faz sentido”. Entrevista com Cédric Durand

Mais Lidos

  • “Os israelenses nunca terão verdadeira segurança, enquanto os palestinos não a tiverem”. Entrevista com Antony Loewenstein

    LER MAIS
  • Golpe de 1964 completa 60 anos insepulto. Entrevista com Dênis de Moraes

    LER MAIS
  • “Guerra nuclear preventiva” é a doutrina oficial dos Estados Unidos: uma visão histórica de seu belicismo. Artigo de Michel Chossudovsky

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

04 Fevereiro 2022

 

Cédric Durand (França, 1975) prefere explicar a abstração do mundo digital, a instância intangível do virtual, a partir da materialidade de um território. Na escrita desse economista francês, cada tela contém um universo parcelado que pode ser definido como um império imobiliário.

O exemplo mais rapidamente comprovável dessa afirmação está nos aplicativos do Google instalados na maioria dos telefones celulares. Isso significa que esse poder que a experiência digital parece dar a cada indivíduo, na verdade, pertence a um grupo de empresas que cercaram essa esfera virtual para marcar os percursos dos usuários nas redes sociais, nos programas que utilizam para suas tarefas cotidianas, e as buscas que realizam quando querem conseguir informação ou se deslocar pela cidade.

Em Tecnofeudalismo. Crítica a la economía digital (Ediciones La Cebra), o algoritmo é apresentado como um novo meio de produção que consegue seu excedente em cada comportamento e ação online.

Durand, que é professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e vem a Buenos Aires para participar da Noite das Ideias e apresentar seu livro, no dia 27 de janeiro, utiliza o termo tecnofeudalismo para pensar uma revolução digital que ocorre no marco do capitalismo, mas que descobre sua potência política no passado.

Retira do reinado do feudalismo um modo de coordenação social em que a concorrência não é mais eficaz para alcançar seus fins e a vigilância (a capacidade de tornar as preferências dos usuários algo previsível) se torna um recurso crucial para gerar valor.

Cédric Durand é um dos principais representantes da atual escola marxista de economistas na França.

 

A entrevista é de Alejandra Varela, publicada por Clarín-Revista Ñ, 25-01-2022. A tradução é do Cepat.

 

Eis a entrevista.

 

O método do livro parece semelhante ao que Marx pensou ao escrever ‘O Capital’: compreender o capitalismo para transformá-lo. Concorda?

Sim, a ideia do livro é entender a mudança qualitativa do capitalismo para oferecer a possibilidade à esquerda de imaginar outra coisa, atender às contradições, encontrar os pontos fracos e as novas possibilidades.

É possível retornar a formas de dominação do passado em termos de captura, depredação e dependência, coisas que havíamos conseguido deixar para trás, na segunda parte do século XX, com o estado social, com as sociedades democráticas.

A ideia do livro é pensar o capitalismo como algo que muda... Há características fundamentais, mas há uma mutação muito forte e a esquerda deve pensar seu projeto dentro dessa mutação.

 

O planejamento é, atualmente, uma estratégia que as plataformas digitais utilizam e aperfeiçoam mais do que os Estados? Há, aqui, um novo poder institucional?

Um problema do planejamento do século XX era sua ineficiência em termos de informação. Friedrich Hayek dizia que o mercado foi um processo de acesso à informação muito mais efetivo do que os processos burocráticos.

Quando falamos em planejamento em termos gerais: investimentos, grandes operações, foi muito eficiente, mas na medida em que caminhava para processo mais peculiares, a qualidade da informação foi muito. Contudo, agora, com a possibilidade de acesso à informação que temos, tudo muda. É muito fácil ter a informação em termos reais de um lado ao outro lado do país, fazer correções.

O segundo ponto é que as grandes organizações privadas fazem muito planejamento de curto prazo e longo prazo. Possuem salas de coordenação onde utilizam, em tempo real, dados estratégicos. São coisas que se parecem muito ao que poderia ser um processo de planejamento público. Por isso, fico surpreso que em países do Norte e da América do Sul a conversa sobre o planejamento não seja mais importante.

Há uma crise econômica e isso leva a uma obrigação de se pensar em cálculos que não podem ser medidos em termos de dinheiro. É preciso medi-los em termos reais e isso é o que os dados propõem.

 

Vemos também uma transformação da subjetividade. Considera que o conteúdo é sempre marcado pelo algoritmo ou existe a possibilidade de apropriação?

Por um lado, com os algoritmos que sabem mais de nós do que nós mesmos, existe a possibilidade de um esmagamento das individualidades e de uma grande dominação das empresas privadas e públicas.

A outra possibilidade é ir além de nossas limitações individuais. Temos muitas decisões, muitas ideias que não sabemos de onde vêm e, por isso, usar as máquinas, usar o conhecimento que os outros possuem para agir de forma mais inteligente pode parecer interessante.

Se vemos essas duas dinâmicas, é um convite para debater a individualidade liberal, porque no pensamento liberal está a ideia de que as decisões individuais são as mais importantes. Penso que, aqui, existe uma possibilidade de resistência.

O virtual não pode ser tudo, porque se for tudo, a vida não faz sentido. É preciso dizer qual parte de nossas decisões socializamos e em que parte decidimos individualmente. Da mesma forma que participamos da linguagem. Há uma criação da base que é uma criação da multidão e o problema é a captura privada dessa criação.

 

Leia mais

 

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

“O virtual não pode ser tudo, porque se for tudo, a vida não faz sentido”. Entrevista com Cédric Durand - Instituto Humanitas Unisinos - IHU