O Ensino Social Católico dá “uma base clara” para os líderes da Igreja apoiarem a proteção da comunidade LGBTQIA+, de acordo com uma declaração de um grupo de defesa dos LGBTQIA+ assinada por mais de 250 teólogos católicos, lideranças da Igreja, acadêmicos e escritores de todo o mundo.
A reportagem é de Brian Fraga, publicada por National Catholic Reporter, 09-08-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Uma Casa para Todos: Um chamado católico para a não-discriminação dos LGBTQIA+”, é o título da declaração publicada em 09 de agosto pelo New Ways Ministry, que afirma que a doutrina católica “apresenta um apoio ao fim da discriminação contra a população LGBTQIA+”, apesar da forte oposição de conservadores de alto escalão na Igreja.
“Nós afirmamos que a doutrina católica não deve ser usada para aumentar a opressão aos LGBTQIA+ pela negação de direitos calcada em sua dignidade humana e no chamado da Igreja por igualdade social”, afirma o documento de 2.285 palavras.
Thomas Gumbleton, bispo emérito de Detroit, foi o único bispo a assinar a declaração de 07 de agosto. O New Ways Ministry convidou 26 bispos considerados apoiadores da causa para que também a assinassem, disse Francis DeBernardo, diretor-executivo da organização. Os apoiadores podem acrescentar seu nome depois que a declaração for divulgada, ele afirmou.
Imagem: Thomas Gumbleton | Foto: Reprodução / YouTube
Outros notáveis signatários são Helen Prejean, irmã de São José de Medaille e militante histórica contra pena de morte; padre Bryan Massingale, da Fordham University; Shawn Copeland, professor emérito de teologia sistemática no Boston College; Elizabeth Johnson, professora emérita de teologia na Fordham University; Mary McAleese, ex-presidente da Irlanda; Miguel Diaz, ex-embaixador dos EUA na Santa Sé; Mary Novak, diretora-executiva da Network Catholic Social Justice Lobby; e irmã Simone Campbell, ex-diretora-executiva da Network.
Escritores católicos proeminentes que assinaram o documento incluem Richard Rodriguez, autor de “Hunger of Memory”; Garry Wills, autor de “Why I Am a Catholic”; Ron Hansen, autor de “Mariette in Ecstasy”; Mary Gordon, autora de “Men and Angels”; e Gregory Maguire, autor de “Wicked”.
Apesar dos avanços legais e sociais nos últimos anos, incluindo o direito de se casar, a declaração observa que as pessoas LGBTQIA+ nos Estados Unidos ainda sofrem discriminação significativa em cuidados de saúde, habitação, emprego, assistência social, adoção, relação com a polícia, acesso a crédito e acomodações públicas. Essa discriminação é agravada quando outros fatores como raça, classe e religião são levados em consideração.
A discriminação, para não mencionar o estigma persistente e os riscos de rejeição por membros da família e amigos próximos, contribui para crises de saúde mental entre jovens LGBTQ. No outono passado, o Congresso dos EUA aprovou o “National Suicide Hotline Designation Act”, que estabelecia um número de ligação gratuita para ajudar aqueles com crises de saúde mental. Como o NCR relatou anteriormente, alguns bispos dos EUA fizeram lobby discretamente contra a legislação porque ela continha fundos especiais para apoio a LGBTQIA+.
Nos últimos 10 anos, a conferência dos bispos, citando fundamentos de liberdade religiosa, se opôs a outros projetos de lei no Capitólio que proíbem a discriminação na contratação e no emprego devido à orientação sexual ou identidade de gênero. Os bispos até se opuseram a um projeto de lei de compromisso intitulado “Lei de Justiça para Todos”, que buscava proibir a discriminação contra indivíduos LGBTQIA+ na maioria das áreas de habitação, emprego, acesso a crédito e serviços sociais, preservando as proteções de consciência existentes na “Lei de Restauração da Liberdade Religiosa”.
Em uma carta enviada ao principal apoiador do Justiça para Todos, o deputado federal Chris Stewart, um republicano de Utah, os bispos disseram que o projeto estabeleceria “ideologias de gênero como base para as leis federais, relegando verdades fundamentais sobre biologia e casamento a muitas vezes de forma restrita – isenções prescritas”.
Imagem: Chris Stewart | Foto: Reprodução / YouTube
A postura intransigente dos bispos sobre as proteções contra a discriminação para pessoas LGBTQIA+ moldou o discurso católico da nação sobre as questões LGBTQ, afirma o comunicado do New Ways Ministry.
Em vez de envolver as pessoas LGBTQIA+ por meio do princípio da justiça social católica de proteger sua dignidade humana, vários bispos e líderes religiosos enfatizaram a moralidade sexual e a condenação do magistério da atividade sexual entre pessoas do mesmo gênero.
“A não discriminação tem sido um tema urgente”, disse DeBernardo, acrescentando que o New Ways Ministry reagiu “fortemente” a alguns bispos e outros líderes católicos que “continuam insistindo na ideia de que é uma posição católica legítima” se opor às leis de não discriminação de pessoas LGBTQIA+.
“Nossa leitura da doutrina católica diz que os católicos deveriam apoiar a não discriminação, e isso parece tão claro em todos os documentos da Igreja sobre dignidade humana, igualdade, respeito e justiça social”, disse DeBernardo. “A posição católica é que significa todos, independentemente da condição da pessoa na vida, e se inclui todos, então inclui LGBTQIA+. Não é uma situação de escolha e preferência. Tem que ser universal”.
María Teresa Dávila, professora de estudos religiosos e teológicos no Merrimack College em North Andover, Massachusetts, disse ao NCR que a declaração do New Ways Ministry abre uma conversa importante e necessária que se baseia no princípio da dignidade humana.
“Está alicerçado no ensino social católico. Honra a Igreja como uma instituição que vale para tantas pessoas e guarda a verdade sobre Cristo e a salvação para tantas pessoas. A declaração honra tudo isso”, disse Dávila, que assinou o comunicado.
Também assinou o documento Massimo Faggioli, historiador e professor de teologia e estudos religiosos na Villanova University, na Filadélfia. Faggioli disse ao NCR que considerou a declaração “muito equilibrada”.
Imagem: Massimo Faggioli | Foto: Reprodução / YouTube
“Acho que este é o início de um caminho muito longo. Não acho que vai se resolver em algumas semanas, meses ou mesmo anos, mas certamente o princípio está exatamente certo”, disse Faggioli. “É preciso haver uma conversão em termos dos métodos que usamos para discutir essas questões”.
Tal conversa é essencial para a “sobrevivência cultural e intelectual da Igreja Católica, especialmente nos Estados Unidos”, disse ele.
“Aqui eu acredito que o passo mais importante é sair da ideologia de que apenas as questões sexuais importam, porque isso causou um enorme dano às questões sexuais e a todos os outros”, disse Faggioli.
Steven Millies, diretor do Centro Bernardin da União Teológica Católica em Chicago, disse ao NCR que a declaração envolve a questão mais ampla de como a Igreja opera com respeito ao direito civil e ao mundo secular.
“O que eu acho que realmente se destaca sobre esta afirmação é o quão cuidadosamente argumentado é para fazer um ponto muito estreito, mas muito importante, visto que a lei civil não é necessariamente o lugar para defender a posição cristã sobre a antropologia humana”, afirmou.
“Acho que isso tem muitos paralelos com outros problemas que temos”, disse ele. “É certo que a Igreja pode e deve expressar um ponto de vista sobre as questões políticas e sociais, mas também é verdade que, no fundo, o foro civil não é realmente o mesmo que o foro eclesiástico, nem deveria ser. E sabemos que a Igreja não quer que seja, porque todo apelo pela liberdade religiosa é um apelo para separar o foro eclesiástico do civil”.
Entre as dezenas de ordens religiosas, paróquias individuais e outras organizações católicas que endossaram a declaração estão a Associação dos Padres Católicos dos Estados Unidos; Pax Christi USA; a Federação das Irmãs de São José dos Estados Unidos; a Fundação Tyler Clementi; e a Sociedade do Divino Salvador, Província dos EUA.
A declaração servirá como base para um panfleto educacional que o New Ways Ministry publicará nos próximos meses para paróquias, escolas e outras instituições católicas usarem como ferramenta de educação e discussão, disse DeBernardo.
A declaração reflete os valores e princípios católicos, disse ele. “Ela apoia a não discriminação por causa do catolicismo, não apesar do catolicismo. Mas esses valores católicos muitas vezes são esquecidos e ofuscados por qualquer coisa relacionada à sexualidade”.