21 Janeiro 2021
Publicamos aqui o prefácio escrito pelo padre jesuíta italiano Pino Piva ao livro “L’ospite inatteso. L’omosessualità in famiglia” [O convidado inesperado. A homossexualidade em família], de Alessandra Bialetti, publicado pela editora Tenda di Gionata, 2021.
O Pe. Piva atua no acompanhamento espiritual e na “Spiritualità dalle Frontiere” [Espiritualidade a partir das fronteiras].
O prefácio foi publicado em Gionata, 19-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Devo confessar que a primeira pergunta que me veio à mente depois de ler esta obra – importante – de Alessandra Bialetti foi: por que o prefácio foi pedido a um sacerdote? No texto, não há nenhuma referência ao papel da comunidade eclesial, da Igreja, que, de fato, é citada apenas uma vez e, no restante, está completamente ausente.
Mas, conhecendo Alessandra e pela amizade que nos une, logo intuí a resposta: uma tese deste tipo, escrita por uma pessoa que tem uma explícita vida de fé e de compromisso eclesial, não pode deixar de interpelar também a fé e comunidade cristã!
Mas precisamente aí está o problema, e talvez Alessandra tenha pensado bem, simpaticamente, em “descarregá-lo” sobre mim. O problema da relação entre a Igreja e a homossexualidade: qual pastoral? Qual acompanhamento familiar? Qual anúncio evangélico aos filhos LGBT e aos seus genitores?
De fato, a Igreja Católica tem um problema não resolvido com a homossexualidade. Mesmo sabendo que entre os fiéis das nossas paróquias, assim como no clero, há muitas pessoas que vivem essa condição, de fato é como se na Igreja as pessoas homossexuais não existissem. Só se fala delas com constrangimento; não há propostas pastorais orgânicas; no máximo, são repropostas as indicações doutrinais universais de mais de 30 anos atrás, sem qualquer mediação interpretativa das ciências humanas (como acontece, em vez disso, em muitos outros âmbitos pastorais).
Na verdade, muitos dos problemas na compreensão e abordagem da condição homossexual nas nossas famílias, particularmente aquelas com uma ou mais pessoas homossexuais, vêm de uma visão religiosa distorcida do tema, muitas vezes propagandeada nas paróquias ou através dos meios de comunicação autodenominados “católicos”.
De fato, a Igreja ainda não tem os instrumentos antropológicos – e, portanto, teológicos – para enfrentar com serenidade a questão; como confirma o documento final do Sínodo dos Jovens:
“No atual contexto cultural, a Igreja tem dificuldade de transmitir a beleza da visão cristã da corporeidade e da sexualidade (...). Por isso, é urgente uma busca de modalidades mais adequadas, que se traduzam concretamente na elaboração de renovados caminhos de formação” (n. 149); “Existem questões relativas ao corpo, à afetividade e à sexualidade que precisam duma elaboração antropológica, teológica e pastoral mais profunda, que se há de realizar nas modalidades e níveis mais convenientes desde o local ao universal” (n. 150).
Ainda no mesmo número 150, os bispos do Sínodo afirmam:
“Em muitas comunidades cristãs, já existem percursos de acompanhamento na fé de pessoas homossexuais: o Sínodo recomenda que se favoreçam tais percursos. Ao longo destes percursos, as pessoas são ajudadas a ler a sua história, aderir livre e responsavelmente à sua chamada batismal, reconhecer o desejo de pertencer e contribuir para a vida da comunidade, discernir as melhores formas para o concretizar. Deste modo, ajudam-se todos os jovens, sem exceção, a integrar cada vez mais a dimensão sexual na própria personalidade, crescendo na qualidade das relações e caminhando para o dom de si.”
Os bispos elogiam e citam positivamente esses caminhos de acolhida e de acompanhamento na fé das pessoas LGBT; cientes, porém, de que quase nenhum desses caminhos foi oferecido pelas próprias comunidades cristãs ou pela pastoral diocesana. São caminhos nascidos por iniciativa espontânea de indivíduos, homossexuais ou famílias; muitas vezes obstaculizados pelas Igrejas locais, mas só agora reavaliados positivamente.
No entanto, devemos reconhecer que um momento importante para a pastoral com as pessoas homossexuais e os seus genitores foi a publicação da Amoris laetitia pelo Papa Francisco, que, no número 250, afirma:
“Com os Padres sinodais, examinei a situação das famílias que vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os filhos. Por isso desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar ‘qualquer sinal de discriminação injusta’ e particularmente toda a forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida.”
Com essa afirmação de autoridade, a pastoral com as pessoas homossexuais, pelo menos nas intenções do Papa Francisco, é inserida na pastoral familiar mais ampla; a condição homossexual em si, portanto, não é mais entendida como antagônica e perigosa para o contexto da família (é o número 251 que se preocupa em traçar alguns limites apenas no que diz respeito ao matrimônio sacramental).
Pelo contrário, na perspectiva mais atual da família “real” típica da Amoris laetitia, que não tem medo de falar também das dificuldades e das famílias feridas, a condição homossexual encontra uma colocação pastoral e o contexto primário onde deve ser enfrentado: a família.
Graças a essa indicação, a pastoral pode finalmente assumir as suas responsabilidades no acompanhamento dos homossexuais e, em particular, das suas famílias – ou, melhor, “nas” suas famílias – como insiste esta contribuição de Alessandra Bialetti. Existe uma forma de “genitorialidade” (paternidade e maternidade) à qual a Igreja não pode se permitir renunciar e que, pelo contrário, “permanece sempre”, justamente; também em relação às pessoas homossexuais e ao seu contexto familiar.
Por isso, a leitura deste texto não será útil apenas aos genitores de filhos LGBT (ou eles mesmos homossexuais), mas também aos agentes de pastoral que buscam instrumentos para acompanhar essas famílias.
A progressiva assunção de responsabilidade genitorial (ou empoderamento, como o presente estudo a define) é uma tarefa que a própria comunidade cristã deve sentir; para si mesma e na sua tarefa de acompanhamento das famílias. Os genitores, devido à inesperada irrupção da homossexualidade na família, precisam conjugar de modo novo e criativo a sua tarefa educativa; um oportuno acompanhamento pastoral, junto com o aconselhamento, podem apoiar essa renovada declinação educativa, levando em conta também a dimensão espiritual e da fé.
Os agentes de pastoral adequadamente formados terão que apoiar e libertar os genitores, acima de tudo, dos seus sentimentos de culpa por não terem sabido “modelar” o filho segundo as regras da sociedade e da moral... Porque o nascimento e o crescimento de um filho é um mistério ao qual só Deus tem pleno acesso; um mistério que não pode ser controlado ou predeterminado, mas que, em vez disso, pede abertura e escuta, porque pode sugerir novas visões da realidade, do mundo e de Deus mesmo.
E, nesse sentido resiliente, a irrupção inesperada da homossexualidade também poderia acompanhar a família rumo a novas possibilidades, a novos e mais autênticos modos de ser “família”.
Parafraseando as palavras de Alessandra, eu diria que a própria comunidade cristã deverá exercer, também em relação aos genitores, aquela escuta empática que significa acolher os seus sentimentos de medo, confusão, raiva e desespero pelo luto do “filho” ou do “genitor” ideal; reconhecer esses sentimentos, sem negá-los, porque são normais e não devem ser julgados.
A comunidade cristã poderia se tornar aquela “caixa de ressonância” da vivência conturbada, difícil de exprimir, dos genitores e dos filhos; e conduzi-los a uma maior autenticidade e compreensão no diálogo familiar.
Certamente, a própria comunidade cristã é chamada a trabalhar inicialmente sobre si mesma, sobre os seus próprios preconceitos religiosos e sociais, em um caminho de conversão à verdadeira escuta de Deus, da família e das pessoas reais.
Só assim ela poderá se constituir evangelicamente – como diria Alessandra – como “mediadora protetiva e tranquilizadora”, em relação ao mundo mais amplo, complexo e muitas vezes hostil às pessoas homossexuais.
Em síntese, a comunidade cristã é chamada a ser cada vez mais um lugar educativo de fundamental importância no processo de construção identitária das pessoas homossexuais e das suas famílias, como filhos de Deus amados e cuidados por Ele.
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“O convidado inesperado”: Igreja e homossexualidade: qual pastoral? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU