22 Novembro 2018
“A nossa biodiversidade na Amazônia, vai ficar lá… apenas deixando que alguns explorem de forma clandestina? Eu já estive na Amazônia algumas vezes. Eu lembro uma viagem que fiz com o Exército (…). Pintou lá um branquelão de dois metros de altura (…) pesquisando, coletando dados sobre a nossa biodiversidade. Por que não podemos fazer acordo para explorar nossa biodiversidade amazônica, sem o viés ideológico?”
A reportagem é de André Shalders e Matheus Magenta, publicada por BBC News Brasil, 21-11-18.
A fala acima é do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), durante uma transmissão de vídeo em sua página no Facebook. Mas o que exatamente Bolsonaro quer dizer quando fala em “explorar a biodiversidade” da floresta Amazônica?
Pelo menos um dos integrantes da equipe de transição nomeada pelo presidente eleito tem uma ideia bastante precisa sobre o assunto. Para o biólogo Ismael Nobre, a melhor forma de preservar a floresta é ganhar dinheiro de modo sustentável com ela. E dá para ganhar “dinheiro de verdade” usando tecnologia de ponta para produzir e transportar produtos “premium”, derivados de espécies da fauna amazônica, diz ele.
Nobre passou a colaborar de forma extraoficial com a equipe de Bolsonaro antes ainda do começo da campanha eleitoral, em reuniões de formulação promovidas pelos generais da reserva Augusto Heleno e Oswaldo Ferreira, em Brasília. No começo do mês, foi um dos primeiros 27 integrantes nomeados para a equipe de transição do novo governo.
E, até que o presidente eleito escolha o próximo titular do Ministério do Meio Ambiente, é Nobre quem coordena os trabalhos do núcleo ambiental da equipe de transição.
Ismael é irmão de Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que coordena um projeto chamado Terceira Via Amazônica, do qual Ismael também faz parte.
A ideia central do projeto é a de que o melhor caminho para preservar a mata é não entregá-la, por um lado, para a criação de gado e o cultivo de soja; e nem, por outro, imobilizá-la em reservas ambientais “sem utilidade” para os moradores da floresta.
O caminho do meio proposto por Carlos, Ismael e outros pesquisadores é fazer com que a biodiversidade da floresta tenha mais valor econômico do que a soja e o gado. Para manter a floresta de pé, o melhor caminho é transformá-la num bom negócio, defendem eles.
Ismael Nobre usa o exemplo do açaí para explicar como trilhar a Terceira Via Amazônica.
“O açaí começou a se popularizar fora da Amazônia quando dois surfistas foram lá, provaram e gostaram. Poxa, por que temos que esperar o acaso para que mais produtos deste tipo possam ser descobertos?”
“A economia do açaí gira hoje algo como US$ 1,6 bilhão por ano. Estamos falando de dinheiro de verdade aqui. O que queremos fazer é aumentar o leque (de produtos)”, diz ele, que é biólogo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e concluiu em 2011 um doutorado em dimensões humanas dos recursos naturais na Colorado State University (EUA).
Até o momento, afirma, o projeto já identificou centenas de espécies nativas com potencial econômico e que poderiam ser utilizadas no projeto. São produtos como a pimenta cumaru; o óleo de andiroba, a erva aromática priprioca – todos conhecidos das comunidades indígenas e tradicionais, mas com potencial econômico considerado ainda subaproveitado.
Depois de identificar os produtos, o passo seguinte é capacitar os moradores locais e movimentar cadeias de produção, diz Ismael.
Investimentos em tecnologia permitiriam que os produtos fossem beneficiados e escoados em pequena escala, pelos próprios moradores. Impressoras 3D e drones poderiam eventualmente ser usados.
Embora drones de transporte ainda não estejam no mercado, já estão sendo desenvolvidos por fabricantes ao redor do mundo, diz Nobre.
“A ideia é juntar biodiversidade com tecnologia para construir essas cadeias produtivas no interior da Amazônia. Englobar cidades médias e pequenas, além, é claro, do que precisar ser feito nas cidades grandes”, diz ele.
“Nosso projeto permite que se mude esse paradigma (de que a produção industrial precisa estar concentrada em grandes centros urbanos), eliminando os gargalos e fabricando um produto já finalizado ou bastante avançado na cadeia produtiva, que seria feito diretamente pelas populações da floresta”, afirma.
“Queremos eliminar a questão do atravessador. Hoje, o produto só ganha valor longe da floresta. A nossa ideia é revelar esse potencial econômico da Amazônia. Sempre existiu essa promessa né? ‘Vamos fazer remédio, vamos fazer cosméticos (com os produtos da floresta)’. Mas nunca vimos isso virando produtos estabelecidos.”
Para diminuir o impacto ambiental, o projeto estabelece que se use ao máximo todas as matérias-primas derivadas de um determinado processo. Ismael dá o exemplo do “cupulate”, um tipo de chocolate no qual as sementes de cacau são substituídas pelas do cupuaçu.
“A polpa do cupuaçu é desperdiçada nesse processo”, conta ele. Uma forma de contornar isso é fazer com que a polpa seja liofilizada (desidratada a frio), se tornando um novo produto.
É quase um consenso entre pesquisadores que estudam a Amazônia: explorar o potencial econômico da floresta será cada vez mais importante para mantê-la de pé. Mas isso não significa que o governo brasileiro não precise agir para diminuir o ritmo do desmatamento.
“O desmatamento ilegal ainda acontece na Amazônia, e a maior parte dele se dá nas chamadas terras devolutas: são terras públicas, da União, mas que ainda não foram destinadas. Isto é, não se tornaram terra indígena, nem reserva ambiental, nem propriedade privada de alguém. Na Amazônia, são 70 milhões de hectares de terras devolutas”, diz Luis Fernando Guedes Pinto, agrônomo e pesquisador do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola).
“A destinação de terras que ocorreu durante o governo Lula, na gestão da (ex-ministra do Meio Ambiente) Marina Silva, que todo mundo lembra até hoje, teve entre suas causas a destinação de terras que foi feita. Demarcações protegem a floresta e diminuem o desmatamento”, diz ele.
A opinião é corroborada pelo engenheiro florestal e professor aposentado de política florestal da Universidade de Brasília (UnB), Eleazar Volpato. “Não dá para descartar a importância da atividade econômica, desses produtos da floresta. Mas a história e a prática mostram que, sem a presença do Estado, as florestas acabam dizimadas. Foi o que aconteceu em São Paulo e no Paraná, onde o que resta da cobertura vegetal é 7% ou 8% do território”, diz ele.
Em declarações públicas, o presidente eleito já disse que não pretende demarcar quaisquer terras indígenas durante seu governo.
“De fato, valorizar a floresta é fundamental para que ela possa fazer frente às demais atividades como a agricultura e a pecuária, num contexto de livre-mercado. Mas, historicamente e inclusive em outros países, o Estado é um dos principais guardiões da floresta”, diz Volpato.
Luis Fernando, do Imaflora, diz que há acordo entre pesquisadores, sociedade civil e setores do empresariado sobre a necessidade de agregar valor à floresta. Há várias iniciativas em curso para valorizar economicamente a floresta de pé, diz ele.
O desafio é aumentar a escala destas atividades. Ele cita como exemplos a empresa de cosméticos Natura; a fabricante de borrachas Mercur e a empresa de madeiras sustentáveis Amata. “Até o governo do Acre possui uma empresa (a estatal Natex) que produz preservativos com o látex local”, diz.
Ismael Nobre diz que o projeto ainda não saiu do papel – o que deve acontecer em 2019. “Estamos nos preparando para começar a fazer experiências-piloto, em campo”, diz ele.
As experiências teriam início com os chamados “Laboratórios Criativos da Amazônia” – uma espécie de acampamento de pesquisa de produtos e de treinamento para as populações locais.
“Se um governo orientar o investimento, canalizar políticas de infraestrutura para esta área, vai ser muito bom. Mas é algo que pode acontecer apenas por iniciativa empresarial, e tende a ser sustentável (do ponto de vista financeiro)”, diz o especialista.
Ele acredita que será possível financiar a iniciativa com dinheiro privado, principalmente de fundos de investimento de impacto social. Ele lembra ainda que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) possui linhas de crédito para iniciativas de desenvolvimento sustentável.
Apesar do projeto ambicioso da Terceira Via, ainda não está claro qual será a direção adotada pelo novo governo na área ambiental.
Futuro ministro do Meio Ambiente terá de passar pelo crivo da nova chefe da Agricultura, Tereza Cristina
O anúncio do futuro ministro do Meio Ambiente, segundo Bolsonaro, passará antes pela aprovação da futura ministra da Agricultura, a deputada ruralista Tereza Cristina (DEM-MS), e de congressistas ligados ao setor agrário.
Ismael diz, porém, que nomes do futuro governo têm se mostrado favoráveis à ideia de explorar o potencial econômico da floresta – ele cita entrevistas anteriores do futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general da reserva Augusto Heleno.
A equipe de transição também preparou um estudo sobre a atividade de fiscalização dos órgãos de controle ambiental, como o Ibama. “Há agora R$ 1 bilhão que vão ser destinados às ONGs brasileiras e internacionais, então, a gente está muito preocupado com isso”, disse na segunda-feira passada o ministro extraordinário Onyx Lorenzoni, que comanda a equipe de transição do lado do novo governo.
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Governo Bolsonaro: o que defende coordenador ambiental do time de transição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU