19 Mai 2018
A carta do cardeal Montini, futuro Papa Paulo VI, antes de partir para Milão.
A reportagem é de Stefania Falasca, publicada por Avvenire, 17-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Beatíssimo Padre, é a última noite da minha estada no Vaticano; amanhã de manhã partirei para meu novo destino”. É o começo da carta dirigida ao Papa Pio XII assinada por Giovanni Battista Montini, na véspera de sua partida de Roma para o cargo de arcebispo de Milão. Se "l'histoire continue", como escrevia Georges Duby, é imprescindível de imediato apontar aqui como a exploração da mina montiniana trouxe à luz textos importantes inéditos para revelar a conclusão de um mosaico composto peça a peça, documento por documento. Isso é o que refez o trabalho de Leonardo Sapienza no La barca di Paolo (O Barco de Paulo, para as edições San Paolo), na certeza que só a escavação nas fontes pode reconstituir por inteiro o itinerário humano, cultural e eclesial; e, portanto, dirigida a reconstruir os traços mais autênticos, as escolhas, os pronunciamentos e aqueles episódios também historiograficamente discutidos na jornada de Montini.
É nesse intuito que se oferecem as páginas exclusivas divulgadas pelo autor com o estímulo do Papa Francisco, junto com um breve comentário do próprio Pontífice, sobre os textos escritos por Paulo VI em 02 de maio de 1965, apenas dois anos após a eleição, na qual considerava a possibilidade de sua renúncia. Dirigidas ao seu secretário de Estado e ao decano do Colégio cardinalício, as cartas preveem essa possibilidade, "em caso de enfermidade que se presuma incurável, ou de longa duração, e que nos impeça de realizar suficientemente as funções do nosso ministério apostólico" ou outro “grave e prolongado impedimento” que teria tornado impossível “exercer com suficiente eficácia o apostólico ofício".
Cartas que, em seu breve comentário, o Papa Francisco confessa ter lido "com espanto", como "humilde e profético testemunho de amor a Cristo e à sua Igreja", como "expressa vontade" e "responsabilidade" diante dela, como "mais uma prova da santidade deste grande Papa." Assim, a peça das cartas de próprio punho certamente assume significado para a compreensão de uma relação, como aquela mantida entre Pio XII e seu íntimo colaborador e para uma das passagens mais controversas na vida do Papa de Bréscia: a famosa questão do "exílio" em Milão. Passagem que a própria Positio super virtutibus, redigida no curso do processo de canonização do Papa Paulo VI, é reconhecida entre as questiones selectae.
Em relação à nomeação do então pró-secretário de Estado Montini como arcebispo de Milão, em 01 de novembro de 1954, após a morte do cardeal Ildefonso Schuster, várias hipóteses foram sugeridas pelos analistas e historiógrafos sobre a escolha papal. Mais que uma promoção, a nomeação foi muitas vezes considerada uma punição, um deliberado afastamento, instado por alguns ambientes do Vaticano, ou mesmo uma flagrante manifestação de desconfiança de Pio XII em relação a um de seus colaboradores mais próximos e que teria sido amadurecida como resultado de profundas diferenças de opinião, em especial sobre a contingência da política italiana.
De acordo com essas reconstruções, Pio XII teria sido aconselhado por aquela parte da sua entourage contrária ao Substituto antes, e ao pró-secretário de Estado, depois. Mas há também aqueles que argumentaram que foi uma escolha específica do Papa Pacelli para dar a Montini a possibilidade de amadurecer uma experiência pastoral de primeira linha e assim estar bem preparado para assumir um dia o seu lugar.
Certa é, nesta última perspectiva, a demonstração por parte do futuro Paulo VI de sua inalterada devoção pelo Papa com quem colaborou, em várias maneiras por décadas. Se for verdade, pelas conclusões da documentação existente, que Montini tinha esperado permanecer em seu ofício romano na Secretaria de Estado, ao lado do Papa e que, embora o tivesse preocupado o temor "de não estar à altura do árduo e complexo mandato", como escreveu em sua primeira saudação à arquidiocese ambrosiana, da mesma forma o confortava "o apoio e a confiança do Vigário de Cristo". Na carta agora publicada escrita na véspera da missão em Milão emergem os contornos delicados de uma ligação que certamente dissipam uma suposta desconfiança de Pio XII nos confrontos de Montini: "O que Vossa Santidade desejou presentear-me neste epílogo de meu humilde serviço, enche-me de emoção e conforto por sua predileção singular” - escreveu na carta datada de 03 de janeiro de 1955. “Em tanta efusão de Seu coração régio e paternal quero ver um sinal da assistência divina, que suporta o meu espírito ainda atordoado e temeroso, que me dá confiança no novo, enorme, trabalho, que me enriquece com um incentivo de sabedoria do qual se valerá, em sua duração, o meu restante caminho. Santo Padre, gostaria de vos dizer tantas coisas e vos deixar alguma consolação; mas não sei".
Essa carta encontrada depois de anos nos registros dos arquivos de Montini, se por um lado nos revela a grandeza de espírito e do exercício da virtude da obediência, ao mesmo tempo solicita a abertura de novos campos de investigação sobre uma relação, àquela com Pio XII, que teve importância fundamental na vida humana e espiritual do Papa Montini e sobre a qual pairam aspectos que ainda merecem uma exploração adequada e necessária e uma oportuna reflexão à luz daquele serviço para a Igreja de Cristo que permanece "no meio das tempestades da história" para "pregar a todos o Evangelho da salvação".
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O "obrigado" de Montini na separação de Pio XII - Instituto Humanitas Unisinos - IHU