10 Março 2017
Quem não se lembra do calvário de Eluana Englaro e sua família, com todos os debates e polêmicas suscitadas na arena política e eclesiástica, na maior parte ditadas por interesses de setores que pouco tinham a ver com o bem de Eluana? [A jovem, 21 anos, estudante universitária, tinha sofrido um grave acidente em 18 de janeiro de 1992. Depois de 17 anos em estado vegetativo irreversível, e após quatro dias de suspensão da alimentação e da hidratação, morreu no final da tarde da segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009. O pedido da família para suspender a alimentação forçada, considerada um tratamento terapêutico fútil, havia provocado na Itália um áspero debate sobre questões relacionadas com o fim da vida. Após um longo e doloroso processo judicial, a solicitação acabou sendo aceita pela magistratura devido à falta de possibilidade de recuperação da consciência e de acordo com a vontade da jovem, que havia sido reconstruída através de testemunhos, ndr].
O comentário é Dino Biggio, publicado por Adista, 10 e 11-03-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O irmão Arturo Paoli, após uma longa e ponderada reflexão, expressou seu pensamento quatro dias antes da morte da jovem, durante a celebração da missa comunitária das quintas-feiras, no salão da casa Beato Charles de Foucauld de San Martino in Vignale, onde estava hospedado na diocese de Lucca.
Eu consegui ter acesso aos registros do sermão, graças à ajuda de um caro amigo. Um pensamento lúcido, o do irmão Arturo, que nunca perdeu a oportunidade de elevar sua voz em defesa dos mais fracos, daqueles que não têm voz. Nesse, como em outros casos, a Igreja Católica tem se revelado bastante "pequena", mas no seu interior sempre existem "outras" vozes, como a do irmão Arturo, que emergem apesar das tentativas de silenciá-las.
As discussões acaloradas, muitas vezes hipócritas, que se reacenderam nos últimos dias, após a dolorosa história do Dj Fabo (Fabiano Antoniani), convenceram-me da pertinência de repropor a reflexão do Irmão Arturo Paoli, porque estou convencido de que, se ele fosse falar hoje, aumentaria a platéia dos destinatários da sua mensagem.
Este texto – que hoje é publicado pela primeira vez, pela Adista – foi extraído da mais ampla homilia proposta pelo irmão Arturo em 05 de fevereiro de 2009, baseada no Evangelho de Marcos 6,7-13, que descreve um dos tantos envios dos discípulos de Jesus aos homens. Essa reflexão é de uma atualidade desconcertante, diria até profética. Parece escrita para os tempos que hoje estamos vivendo.
Eis a homilia.
Caso Eluana: a verdade, por favor, sobre a vida e a morte!
Hoje à noite eu gostaria de refletir um pouco com vocês sobre o assunto tão delicado de que tanto se fala e que está criando uma preocupante desorientação. Devo confessar que, nesse último período pouco acompanhei os noticiários, tanto por razões de tempo, mas principalmente porque eles me deprimem. A única maneira de defender-me e manter a tranquilidade é não ouvi-los. Talvez seja um pouco de covardia, mas é a verdade. A imprensa - melhor dizer, quem a governa – apodera-se de determinadas notícias com o objetivo de distrair a atenção da opinião pública do verdadeiro problema da nossa sociedade. Algumas notícias, sensacionalistas e falsas, são tão habilmente manipuladas que chegam a confundir também a doutrina da Igreja, que se origina da revelação de Deus. Basta pensar à confusão que reina sobre a questão da vida e da morte, da eutanásia, do tratamento terapêutico fútil e assim por diante.
A primeira lei é muito clara e não deveria criar conflitos: a vida humana é considerada tal quando pode expressar livremente a própria faculdade de pensar, de raciocinar, de amar. A segunda lei, também, é igualmente clara: nenhuma pessoa é obrigada a se manter em vida – ou a manter em vida outras pessoas - usando meios não naturais, tais como a nutrição ou a respiração auxiliadas por instrumentos mecânicos.
A desorientação atual brota justamente da confusão entre eutanásia e a recusa em usar esses meios extraordinários, que ainda assim são o resultado das conquistas da ciência e da técnica das quais reconheço o grande significado.
O caso da jovem de quem tanto se fala é realmente emblemático: está doente há muitos anos; está provado que não há nenhuma esperança de retorno a uma vida normal sem a utilização de meios absolutamente não naturais; seus pais se recusam a continuar mantê-la viva nessas circunstâncias.
Eu não consigo mesmo entender como alguém possa falar em assassinato! Estou profundamente convencido de que é gravemente pecaminoso usar essa expressão, porque é contra a verdade e porque cria forte desorientação na opinião pública, afetando sua liberdade. O desejo dos pais vai na direção de libertar sua filha de um martírio inútil. Determinar apropriadamente as chances de consciência da jovem é definitivamente uma investigação difícil, se não impossível, no entanto, considero absolutamente criminoso equiparar o abandono dos meios mecânicos de manutenção da vida com o assassinato. Não se pode argumentar racionalmente que seja vida a que mantém artificialmente a respiração de uma pessoa que já perdeu totalmente as conotações da própria pessoa, não podendo mais nem pensar, nem falar e nem amar. Se essa jovem tivesse vivido trinta anos atrás, a essa hora já teria partido do mundo tranquilamente, sem controvérsias, simplesmente porque não existiam tais inovações da ciência, certamente importantes em muitas situações, mas que não podem devolver-lhe a menor possibilidade de vida normal.
Parece-me algo muito claro. Hoje existem muitas controvérsias que parecem cada vez mais manipuladas e movidas por interesses e finalidades específicos. Mas essas polêmicas nada mais fazem que aumentar a confusão, que divide e impede de conduzir relações pacíficas e, acima de tudo, cria profundas crises de fé. Deve-se ter muito cuidado para não perder a paz, nem a unidade e nem a fidelidade a Deus por causa de polêmicas tão exacerbadas, que existiram também no passado, mas que permaneciam confinadas no âmbito doméstico, restrito, enquanto hoje, graças aos poderosos meios de comunicação de massa, são gritadas, amplificadas e divulgadas de forma muito mais extensa, causando graves convulsões.
Para manter a calma e a serenidade no meio a tanto clamor, todas as manhãs eu paro um tempo para ouvir a voz do Espírito, que para mim é como um banho que regenera a minha fé e esperança, preservando-as da perturbação.
Todos nós deveríamos encontrar um tempo para dedicar a essa escuta, porque todos nós que afirmamos professar a fé em Cristo, deveríamos nos sentir responsáveis por essa fé. E, retornando ao começo de minha reflexão, digo que somos responsáveis por sermos os enviados. É precisamente essa responsabilidade que nos obriga a manter a firmeza frente a questões tão graves. Eu não sou nem um teólogo nem um moralista, mas estudei e acompanhei essas coisas com muito cuidado, justamente pela obrigação de não desorientar ninguém.
Tenho uma lembrança muito viva, que ressurgiu em minha memória e que remonta há muitos anos: por ocasião da morte do cardeal Giovanni Benelli, arcebispo de Florença, surgiram algumas discussões polêmicas, que, no entanto, permaneceram restritas e abafadas. O cardeal havia sofrido um ataque cardíaco severo, que não o privara da capacidade de raciocinar, ou melhor, ele a recuperou de maneira bastante satisfatória. Considerando a gravidade da situação, o cirurgião que o tratava aventou a possibilidade de submetê-lo a uma operação extremamente delicada e arriscada, que deixava um tênue fio de esperança para a sua sobrevivência. Solicitou-lhe então o consentimento para prosseguir. O Cardeal, depois de pensar certamente com muito cuidado, recusou-se a dar o seu consentimento. Logo se multiplicaram os comentários: "Mas esta é uma recusa à vida!" Não, eu digo, a recusa do cardeal foi uma opção à qual tinha pleno direito e em perfeita sintonia com a doutrina moral cristã e católica, que afirma: quando a uma pessoa gravemente doente e em perigo de vida é oferecida a possibilidade de uma cirurgia muito arriscada, com pouquíssimas chances de sucesso, ela pode legitimamente recusar o recurso a meios extraordinários. E é precisamente o que fez o cardeal
Benelli, em plena consonância com a lei de Deus. Ele aceitou dizer seu amém à vida de forma pacífica.
A nossa sociedade é guiada por critérios absurdos, afastados da verdade política e doutrinária. Vivemos um momento extremamente caótico, confuso, em que as escolhas são movidos por interesse pessoais e não pela busca sincera da verdade. Criam-se assim nuvens de poeira, turvam-se as águas, para evitar que haja esclarecimento, com a intenção de atrapalhar a continuação de certas experiências científicas que, na verdade, deseja-se proibir. O avanço é, portanto, movido por condenações. Condena-se um pouco de tudo e trava-se um projeto porque se chegou a um impasse. Não importa se não foi possível esclarecer o caso. Essa é a verdadeira razão por trás da criação de certos exageros terríveis que agitam as consciências.
A pobre Eluana, de fato, já está morta há dezessete anos. Com que coragem pode-se dizer que ela é uma pessoa ainda viva, se desde o dia do acidente sempre esteve em estado vegetativo, mantido exclusivamente através da utilização de instrumentos mecânicos artificiais?
Esse alarido, essa gritaria por todos os lados, na verdade esconde a gravidade dos verdadeiros problemas da vida, oculta as profundas injustiças que afetam grande parte da humanidade. Basta pensar à utilização de grandes recursos financeiros para a fabricação de armas, para o tráfico das drogas e assim por diante. Esses são os grandes dramas que deveriam sacudir-nos profundamente, enquanto preferimos perder enormes energias em diatribes absolutamente destrutivas. E é muito grave, aliás, gravíssimo, que muitas autoridades religiosas as alimentem com seus posicionamentos, justamente por causa da responsabilidade de guia que os investe. Também porque eles deveriam saber muito bem, por causa de seu conhecimento, que a doutrina defende exatamente o contrário do que eles afirmam. Mas chegar a falar em assassinato é, repito, inclusive pecaminoso, porque é contra a verdade.
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Fim da Vida, profecia e atualidade. Uma reflexão inédita de Arturo Paoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU