09 Mai 2016
Uma nova obra sobre teologia política dá a compreender a influência que tal modelo religioso exerceu sobre a teologia latino-americana da libertação e sobre a chamada "teologia do povo", cara também a Bergoglio.
A opinião é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 08-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Foi Santo Agostinho, a na sua Cidade de Deus, que evocou por primeiro a fórmula "teologia política" (theologia civilis), citando o escritor latino Varro. A categoria, porém, a partir do último século, tornou-se um recipiente de temas mais complexos. É isso que é demonstrado pelo ensaio muito denso, mas, ao mesmo tempo, refinado, do filósofo Vincenzo Rosito, para o qual esse paradigma é como um prisma interpretativo de diversos assuntos, que vão da política à religião, da economia à vida social.
Precisamente por isso, a sua escrita é semelhante a um mapa ou, se se quiser, a um dispositivo hermenêutico regulado sobre quatro pontos cardeais (Böckenförde falava, em vez disso, de uma trilogia estrutural inerente à teologia política: a dimensão jurídica, a institucional e a "apelativa").
Não queremos nem podemos entrar no mérito do político de Rosito, mas apenas delinearemos os protagonistas postos em ação através de retratos exemplares. Assim, o primeiro modelo é intitulado Auctoritas e visa ao próprio coração dessa teologia: basta pensar na analogia clássica entre criação e governo. Aqui, o que emerge é um surpreendente personagem, o filósofo e jurista Carl Schmitt, objeto de uma rajada de contestações (também são famosas as dos teólogos Bonhoeffer e Peterson).
Também é interessante o ingresso em cena mais recente do egiptólogo alemão Jan Assmann, para o qual, ao contrário de Schmitt, "todos os conceitos centrais da teologia são conceitos políticos teologizados".
Sob o título Praxis se insere, no entanto, a cristologia: a encarnação, reconhecendo a realidade da humanidade no Verbo de Deus, endossa espaços de mundanidade onde se assenta a política, não desconectada, porém, da teologia. Aqui, brilham o já citado Bonhoeffer, mártir do nazismo, e o jesuíta francês Michel de Certeau, cujas obras foram amplamente difundidas também na Itália nesta última década.
Oikonomia é a terceira referência capital, destinada precisamente à trama de relações e de interações que constituem os procedimentos de governo, tanto em âmbito cívico, quanto no horizonte da vida religiosa. Parte-se de Foucault e se chega àquela figura discreta, mas de alta espessura intelectual, que é Agamben, passando também por Cacciari e Roberto Esposito. São páginas particularmente complexas, considerando a densa articulação das estruturas sociorreligiosas e da sua gestão e "governamentalidade".
Por fim, eis o termo caro à tradição cristã Koinonia, isto é, a "comunhão fraterna", animada pelo Espírito: como conjugá-la em um contexto de secularização, de pluralismo religioso e cultural. Aqui, além da óbvia referência a Charles Taylor, afloram David Tracy, Panikkar, o indiano Felix Wilfred, o famoso teólogo Moltmann e outros.
Nós, porém, queremos agora reservar aos nossos leitores uma reflexão mais didática e restrita que configura, na sua substância, a "nova" teologia política que teve o seu arauto no teólogo bávaro, professor emérito de Münster, Johann Baptist Metz, cujos ensaios foram traduzidos para o italiano pela editora Queriniana da Bréscia (a sua figura, obviamente, também é apresentada por Rosito na seção Praxis).
O manifesto programático dessa concepção está no texto da conferência que, em agosto de 1967, ele realizou no Congresso Internacional de Teologia em Toronto e que confluiu na obra Sobre a teologia do mundo (1968).
Eram dois os eixos temáticos. O primeiro era "negativo": libertar a teologia do excesso de categorias personalistas e existenciais, apolíticas e privatistas, devocionais e intimistas. A contestação iluminista, antes, e marxista, depois, tinha levado a religião a se relegar à esfera do privado e do sacral. Sem renunciar à individualidade e à subjetividade, é necessário, no entanto, alargar-se à história, assentar-se na pólis, testemunhar na sociedade, emancipar-se sem constrangimentos, mas também sem integralismos prevaricadores.
Era curiosa a expressão Aufklärung über die Aufklärung, operar "uma iluminação do Iluminismo". No ensaio citado, Metz afirmava: "A salvação a que se refere a esperança cristã não é uma salvação privada. A proclamação dessa salvação levou Jesus a um conflito mortal com os poderes públicos do seu tempo".
O segundo eixo temático era consequencial e positivo. Devemos reformular a mensagem cristã não despojando-a da sua qualidade escatológica e transcendente, mas integrando-a com implicações de ordem social e política. As grandes promessas bíblicas de amor, justiça, liberdade, paz não devem ser arquivadas no futuro final da história, mas devem ser encarnadas no presente cotidiano onde possam se tornar uma espécie de pedra no sapato da sociedade e da cultura contemporâneas em uma relação dialética e até mesmo contestatória das estruturas injustas.
Alguns escritos dos anos 1970 de Metz reiteram em várias formas essa operação de confronto com o mundo, seja impedindo a fé cristã de decolar a céus míticos e mistificantes, seja inclinando-a no compromisso histórico: a teologia "escatológica" se torna "crítica" como "política".
A cruz de Cristo, de fato, não está no segredo do templo ou dos corações, mas é colocada "fora", na praça, como indica a Carta aos Hebreus: "Jesus sofreu sua paixão fora da porta da cidade, quando purificou o povo com o seu próprio sangue. Portanto, saiamos também do recinto sagrado, carregando a humilhação dele", e é justamente assim que se edifica a "cidade futura" (13, 12-14).
As teses dessa teologia política provocaram um amplo debate que forçou Metz a uma série de esclarecimentos, a partir da indicação do adjetivo "nova" à sua proposta teológica, de modo a evitar a referência à teologia política clássica, que tinha criado uma perigosa mistura entre Estado e Igreja, a ponto de funcionar como legitimação religiosa do poder político.
Outra objeção estava apontada contra o excesso de acentos socioexistenciais em detrimento dos valores espirituais, em primeiro lugar, da cristologia, que era desfocada até o ponto de oferecer o lado a uma identificação da história da salvação com a história da liberdade política e da justiça social.
O teólogo alemão esboçou, então, a tese da "fé como memória da paixão, morte e ressurreição de Cristo", cuja carga revolucionária transforma a história, é germe e semente de libertação (naturalmente, o conceito de "memória" é o bíblico, que não se esgota na pálida comemoração, mas é um enxerto de eternidade que fecunda todo o arco do tempo e do espaço).
São apenas algumas notas sintéticas nossas, em relação ao importante e mais vasto exame conduzido por Rosito em âmbito não só teológico, mas também filosófico-político. Estas, porém, dão a compreender a influência que esse modelo religioso exerceu sobre a paralela teologia latino-americana da libertação e sobre a chamada "teologia do povo", cara também a Bergoglio, que teve no teólogo argentino Rafael Adolfo Tello (1917-2002) um representante emblemático.
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Assim Deus entra na pólis. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU