“O ajuste fiscal foi um erro de diagnóstico”. Entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

03 Setembro 2015

O "caos institucional" instalado entre os poderes Executivo e Legislativo aprofunda a grave política a ponto de gerar graves problemas sociais e colocar a democracia no Brasil em perigo, comentou o ex-secretário de Política Econômica Luiz Gonzaga Belluzzo. "Estou muito preocupado com isso porque as consequências são horríveis. As pessoas estão flertando com um conflito social terrível, que pode inclusive gerar conflitos abertos de rua."

A entrevista é de Ricardo Leopoldo, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 03-09-2015.

Belluzzo aponta que a política econômica adotada pela presidente Dilma Rousseff no segundo mandato, baseada em ajuste fiscal e alta de juros, provocou "um desajuste" de grandes proporções que deprimiu investimentos, reduziu o crédito e elevou o desemprego. Na sua avaliação, o PIB deverá cair perto de 3% em 2015, na melhor das hipóteses, e registrará uma expansão muito pequena em 2016. Em relação aos EUA, ele não acredita que o Fed elevará os juros ainda neste ano.

Eisa entrevista.

Como o senhor avalia o que ocorre com a China?

É a crise da última etapa da globalização, porém não derradeira. A globalização caracteriza-se por desregulamentação financeira, abertura da conta de capital e expansão da grande empresa para regiões de maior competitividade - ou baixos salários. No caso da China, tudo isso foi incorporado com uma política nacional muito agressiva de taxa de investimento elevada, criação de capacidade produtiva e graduação tecnológica. Esse modelo de crescimento tentou sobreviver com taxa de investimento perto de 50% do PIB, o que criou muita capacidade excedente. E isso se defrontou com uma economia global que estava em desaceleração. Muito da dificuldade de recuperação da economia dos EUA, com alto nível de subemprego, foi causado pelo deslocamento de muitas empresas para a China, que abrigou grande parte da produção industrial do mundo e provocou arbitragem dos mercados de trabalho.

O fato de a economia mundial ainda não se ter reerguido depois da Grande Recessão de 2008 contribuiu para a desaceleração da China?

Sim, o que levou à queda gradual do peso do saldo comercial na formação do PIB. E isso foi compensado pelo aumento dos investimentos, sobretudo em infraestrutura. A China tem que manter a taxa de crescimento em torno de 6,5% a 7% para evitar pressões sociais muito grandes. Por outro lado, a economia mundial não avançou de forma substancial. Os EUA, mais do que a Europa, tentaram reavivar o ciclo de valorização de ativos com o afrouxamento quantitativo. Os EUA não podem subir a taxa de juros agora, pois a estrutura e massa de ativos de longo prazo é muito sensível à taxa de juros.

O senhor acredita que o Fed subirá os juros ainda neste ano?

Não neste ano. Há um estoque de ativos longos muito grande e, se subirem, os juros podem gerar uma crise.

Como o senhor avalia a nova mudança de gestão fiscal pela presidente Dilma?

O ajuste fiscal é um desajuste. Isso foi um erro de diagnóstico. O ajuste fiscal está provocando seu próprio desajuste com a queda de receitas e impacto dos juros sobre o Tesouro. Esse desajuste deprimiu investimentos, reduziu o crédito e elevou o desemprego. Vários economistas apontam que a carga de juros chegará a 8% do PIB e o déficit nominal atingirá 9% do PIB em 2015. O desajuste na economia levará o PIB para uma queda forte neste ano, próxima a 3%.

E para 2016? Qual é a perspectiva do PIB?

Pode ser um ano de início de recuperação, que levará tempo, dado que a credibilidade do governo está em seus calcanhares. Se crescer, será muito pouco.

Qual sua avaliação sobre a proposta do Orçamento para 2016, que prevê um déficit primário do setor público consolidado de 0,34% do PIB?

O déficit primário já é produto do desacerto do ajuste fiscal. Foi feita uma ação pró-cíclica pelo governo. A economia estava desacelerando e o governo, ao fazer o ajuste, dá também um choque de juros para colocar a inflação na meta. Há o problema da dominância fiscal. E, quando isso ocorre, a taxa de juro real não pode ser superior à expansão do PIB, pois isso gera impactos sobre a dívida pública. Se o BC baixasse os juros, o pessoal iria dizer que o BC descuidou do combate à inflação. O Banco Central deveria ter comunicado ao mercado que iria colocar a inflação na meta num período maior. Poderia fazer em dois anos, sem seguir o ano calendário. O Armínio Fraga mudou a meta quando a inflação estava alta e ninguém falou nada. Foi um erro do conjunto da obra, dessa concepção maluca sobre como gerir a economia.

O senhor avalia que a credibilidade do governo está bastante baixa. O que o Executivo precisa fazer para reverter as expectativas?

É preciso fazer uma transição do ajuste para um processo de reação da economia. Isso poderia ser viabilizado pela CPMF, se essa questão fosse bem conduzida. A CPMF impediria que se agravasse a queda das receitas e faria uma passagem para uma situação fiscal mais equilibrada. E isso teria que ser acompanhado claramente pelo aumento do investimento público e aceleração do programa de concessões. É preciso resolver a situação das construtoras que são investigadas pela Operação Lava Jato. Elas precisam voltar a funcionar, a fim de poder concorrer a obras do Estado, independente de punir quem cometeu barbaridades. Com a mudança do patamar do câmbio, crescem de forma modesta as exportações.

Esse movimento do governo também passa por uma melhor articulação política?

Naturalmente, passa. Eu tenho uma impressão muito negativa do que acontece no Congresso. Eu acho que não está havendo uma compreensão dos riscos que representa à democracia brasileira esse caos institucional entre Executivo e Legislativo. Essa proposta de aumento do Judiciário é um descalabro total na atual conjuntura.

Qual é o papel de líderes políticos para viabilizar uma união nacional, como a presidente Dilma, o vice-presidente Michel Temer e os ex-presidentes Lula e FHC?

Devem tentar, com grande paciência, explicar que não é possível encontrar um caminho se muitas pessoas continuarem agindo sem pensar no País. É preciso ter um eixo. O eixo significa quais são as camadas da população, mediante o suporte a determinadas lideranças, que vão reconstruir a ideia do pertencimento a uma comunidade.

E isso, obviamente, requer um movimento para gerar paz no mundo político.

Mas não vai ter essa paz. Porque ocorreria o apaziguamento se a fratura entre os que não querem pertencer ao País e os que pertencem é muito grande? Eu estou com 73 anos e estou vendo isso de uma maneira muito aguda. Estou bastante preocupado. Isso é uma fonte de conflito social muito grave que nenhum dos lados está percebendo que está assim.

A sociedade está dividida estruturalmente porque há muitas pessoas que não têm a menor identidade com o Brasil. O País interessa só como um campo de caça, objeto de predação, não querem pagar imposto aqui. Como podemos ter um País assim? As nações foram construídas a partir de um Estado nacional, que cobrava imposto e tinha uma certa identidade, como conta o sociólogo Norbert Elias. Há uma deformação do caráter nacional. A democracia está em perigo.

A democracia está em perigo no Brasil?

Sim, com certeza. Tanto que o ex-presidente Lula disse ao Broadcast no sábado em São Bernardo do Campo que ele é candidato a consolidar a democracia no Brasil. Ele sabe que ela está fraturada. A consolidação supõe que as pessoas aceitem que os interesses são divergentes, mas não são opostos. Oposição significa que as pessoas não querem ouvir as outras. Então, como vai ter democracia num país em que as pessoas estão intolerantes e a intolerância está crescendo cada vez mais? E estou muito preocupado com isso porque as consequências são horríveis. As pessoas estão flertando com um conflito social terrível, que pode inclusive gerar conflitos abertos de rua. Não há a mediação entre as camadas sociais. E esses conflitos acabam em geral numa solução indesejável: por exemplo, uma carismática.

Neste contexto, o ex-presidente Lula pode ficar mais forte politicamente e se lançar candidato ao Palácio do Planalto em 2018?

Eu acho que pode. Lula está fazendo o que sempre fez: conversar com sua base social, Ele é um apaziguador, um mediador, é da natureza dele. Ele disse que vai lutar pela consolidação da democracia. Esse é o melhor projeto. Mas para isso é preciso ter resposta do outro lado.

Quem precisa dar resposta a Lula?

Lideranças do PMDB e do PSDB. Em entrevista ao Broadcast há alguns meses, eu disse que o Brasil passava pela marcha da insensatez. E ela hoje continua firme, infelizmente.

E como essa marcha vai parar?

Eu não sei como terminará.

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

“O ajuste fiscal foi um erro de diagnóstico”. Entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU