O “admirável mundo novo” da extrema-direita: a falsa rebeldia e transgressão discursiva nas redes sociais. Entrevista especial com Thomás Zicman de Barros

A retórica histriônica de políticos da extrema-direita catalisa indignações sociais e políticas não raras vezes legítimas, mas seus encaminhamentos não são transformadores, senão reafirmam as hierarquias sociais existentes

Fonte das imagens: Wikimédia Commons | Gif elaborado por Alexandre Francisco/IHU

15 Setembro 2025

Líderes da extrema-direita são eloquentes, possuem um discurso que é visto como indignado e autêntico. A penetração social e influência não são, porém, meramente retóricas, são reais e têm efeitos concretos. “Muitos estudiosos destacam esse estilo: líderes populistas que falam de modo atabalhoado, se vestem de forma desajeitada, parecem ‘simplões’, como se fossem um homem do povo. Outro traço é a agressividade: palavrões, ofensas, ataques diretos. Isso passa a ideia de indignação, de autenticidade”, descreve Thomás Zicman de Barros, em entrevista por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “Mais do que isso, traz à tona temas que antes não podiam ser ditos em público. Rompe tabus e promete um ‘outro mundo’. O problema é que esse 'outro mundo' não é novo: ele apenas reafirma as hierarquias sociais já existentes”, complementa.

O fenômeno – de falar às bases sociais mobilizando suas indignações – não é de agora. Trata-se de um populismo, mas ele, por outro lado, diverge muito das experiências populistas do século XX. Barros propõe uma distinção, entre o populismo corrente nas redes socais e em parte da imprensa, orientado a uma transgressão conservadora, e o populismo emancipatório. “Mas o populismo vai além do estilo. Ele é transgressivo porque traz para dentro da política quem estava à margem. O populismo emancipatório sempre buscou incluir os ‘danados da terra’, os grupos subalternizados que nunca tiveram voz. Já o populismo reacionário mobiliza outro tipo de excluídos: a ‘ralé’”, aponta.

Em certo sentido, a esquerda perdeu sua imaginação política, quando tudo o que faz é uma espécie de recuo para defender a democracia tal como ela está e não avançar as fronteiras em direção a um mundo mais equânime. “A esquerda precisa de outra postura: recuperar a ousadia, criar novas formas de participação política e, sobretudo, propor estratégias capazes de transformar profundamente a vida das pessoas com mais inclusão”, ressalta o entrevistado. “O que defendo há anos é um populismo emancipador: aquele que amplia a ideia de ‘povo’, sempre pronto a rever suas fronteiras e incluir mais gente”, completa.

Thomás Zicman de Barros (Foto: reprodução do frame do vídeo da RFI)

Thomás Zicman de Barros é cientista político, professor e pesquisador associado ao Centro de Pesquisas Políticas da Sciences Po Paris. Doutor em Teoria Política pela mesma instituição, estuda a articulação entre política e psicanálise. É diretor do Grupo de Especialistas de Populismo da Political Studies Association de Londres. Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo (2012) e pós-graduação (Master de Recherche) em Teoria Política também pelo Sciences Po Paris (2016). 

Confira a entrevista.

IHU – Por que as pessoas aderem ao discurso de extrema-direita como se fosse um discurso de transgressão?

Thomás Zicman de Barros – Porque a extrema-direita realmente apresenta um verniz de transgressão. E ela explora diferentes formas desse recurso. A mais visível é a quebra do decoro, o rompimento com a maneira “bem-comportada” de fazer política. Muitos estudiosos destacam esse estilo: líderes populistas que falam de modo atabalhoado, se vestem de forma desajeitada, parecem “simplões”, como se fossem um homem do povo. Outro traço é a agressividade: palavrões, ofensas, ataques diretos. Isso passa a ideia de indignação, de autenticidade.

Minha própria abordagem sobre o populismo vai além desse aspecto estilístico, e não se restringe à extrema-direita. Mas acho importante reconhecer que esse olhar ajuda a entender por que certos líderes conseguem se apresentar como diferentes, até “rebeldes”.

E não é só a forma. Também há uma transgressão de conteúdo: a extrema-direita não pede licença, e chega impondo um pacote de mudanças de uma só vez. Mais do que isso, traz à tona temas que antes não podiam ser ditos em público. Rompe tabus e promete um “outro mundo”. O problema é que esse “outro mundo” não é novo: ele apenas reafirma as hierarquias sociais já existentes.

IHU – De que ordem é a transgressão da extrema-direita e como ela se transforma em combustível político?

Thomás Zicman de Barros – A transgressão da extrema-direita é, no fundo, uma falsa transgressão. À primeira vista, parece rebelde: rompe com o decoro, desafia protocolos, propõe mudanças de linguagem e até de visão de mundo. Mas faz tudo isso para reafirmar a ordem existente. É uma transgressão de verniz, com aparência de rebeldia, mas que só reforça hierarquias sociais.

Um exemplo é a defesa da “liberdade de expressão”. Eles quebram tabus dizendo que lutam pela liberdade, mas, na prática, trata-se da liberdade de expressão dos dominantes, usada para calar os grupos subalternizados – trabalhadores, mulheres, negros, pessoas queer, enfim, todos os alvos da opressão.

Toda sociedade define regras sobre o que pode ou não aparecer na política. Questionar essas regras é necessário. Só que a extrema-direita as contesta para impor limites ainda mais duros, ampliando o silenciamento e consolidando desigualdades.

IHU – A ascensão de líderes como Bolsonaro e Trump é um sintoma dessa nova direita ou são eles próprios arquitetos dessa "transgressão como combustível político"?

Thomás Zicman de Barros – Podemos olhar de dois ângulos. De um lado, líderes como Trump e Bolsonaro são de fato arquitetos dessa falsa transgressão: ao romper regras de decoro e semear o caos, conseguem pautar o debate público. Há uma anedota reveladora, ocorrida ainda no primeiro mandato de Trump: um fotógrafo, diante do caos em Washington, perguntou como ele fazia para lidar com tantas tempestades, para navegar nas tormentas da política americana. Trump respondeu: “Eu sou a tormenta.” E, de fato, ao se tornarem a própria tempestade, esses líderes ditam o que será discutido e em que termos.

De outro lado, eles só conseguem fazer isso porque encontram um terreno fértil. O ambiente político e comunicacional atual permite que mobilizem aquilo que Hannah Arendt chamou de “raléreacionária – setores sempre presentes nas sociedades, mas que agora são trazidos ao centro da cena.

IHU – Como o populismo reacionário mobiliza a “ralé”? E, como o discurso da extrema-direita, a rigor, reforça velhas formas de dominação?

Thomás Zicman de Barros – É importante perceber que a transgressão no populismo não se reduz ao estilo de líderes carismáticos. O estilo ajuda a explicar o apelo dessas figuras: há um gozo no verniz transgressivo da extrema-direita. A fantasia de quebrar tabus é poderosa – a sensação de poder dizer ou fazer o que quiser, e “os incomodados que se danem”.

Mas o populismo vai além do estilo. Ele é transgressivo porque traz para dentro da política quem estava à margem. O populismo emancipatório sempre buscou incluir os “danados da terra”, os grupos subalternizados que nunca tiveram voz. Já o populismo reacionário mobiliza outro tipo de excluídos: a “ralé”. Arendt descreveu a ralé como franjas reacionárias, presentes em todas as classes sociais, que viviam nas sombras. O populismo de extrema-direita dá palco a essa ralé, entrega poder a ela – e o que a ralé quer é mandar, silenciando os outros.

Por que essa ralé ganha força hoje? As mudanças no mundo da comunicação são decisivas. A pesquisadora brasileira Paula Diehl fala em politainement, a fusão de política com entretenimento. Eugênio Bucci mostra como a lógica do espetáculo no capitalismo digital reforça o discurso de ódio. As redes sociais digitais, pela própria arquitetura, ampliam essas dinâmicas e dão ainda mais espaço às vozes reacionárias. Soma-se a isso o processo de precarização. Não é apenas um fenômeno econômico, mas também simbólico. O trabalhador precário perde referências, símbolos e instrumentos de ação política, a começar pelos sindicatos. No capitalismo digital, com sua lógica do “cada um por si” e até de gamificação da vida, esse trabalhador se torna alvo fácil para o discurso da ralé reacionária.

IHU – De que maneira a extrema-direita se apropriou da rebeldia, um campo antes considerado de esquerda?

Thomás Zicman de Barros – Essa é a questão central. A esquerda foi, por muito tempo, a força da verdadeira transgressão, autêntica e emancipatória. Trouxe para a política não apenas os trabalhadores, mas também mulheres, grupos raciais e nações oprimidas. Já a direita, conservadora, aparecia como “careta”.

No Brasil, antes mesmo do golpe militar, surgiu o termo “esquerda festiva”, criado por um grupo próximo ao jornal O Pasquim para se referir a si mesmos, numa mistura de política, juventude e boemia. Cinquenta anos depois, um comentarista brasileiro sugeriu a criação de uma “direita festiva”. O argumento era simples: a direita parecia chata, velha, enfadonha. Ele certamente não tinha como prever, mas de algum modo traçava ali um projeto de poder de longo prazo, cujas consequências foram bem diferentes do que provavelmente desejava. A força rebelde que passou a competir com a esquerda não veio de uma “direita festiva”, mas sim de uma “extrema-direita festiva”, surgida das franjas mais reacionárias da política.

O historiador e jornalista argentino Pablo Stefanoni descreveu bem esse movimento em A rebeldia tornou-se de direita? (Unicamp, 2022). Ele mostra como ativistas de extrema-direita, em vários países, apostaram numa contrarrevolução cultural baseada na provocação e na quebra de tabus. No Brasil, o antigo guru de Bolsonaro chegou a defender o xingamento como estratégia de debate, em nome da autenticidade. Assim, a extrema-direita aprendeu a parecer rebelde, a se apresentar como força “antissistema” e “politicamente incorreta”. Passou a disputar com a esquerda a capacidade de indignar-se diante da realidade e de capturar o inconformismo social. Paradoxalmente, foi essa aparência de rebeldia que permitiu sua normalização.

IHU – Como se dá o processo de normalização das ideias da extrema-direita?

Thomás Zicman de Barros – Quando falamos em normalização da extrema-direita, podemos pensar em dois sentidos. O primeiro é quando seus atores tentam se aproximar do chamado “centro”. Buscam parecer mais palatáveis, encarnando uma paradoxal “extrema-direita moderada”. Parte da academia chega a diferenciar “extrema-direita” de “direita radical”. A primeira buscaria o poder pela violência; a segunda, por meio das urnas, e por isso seria considerada “moderada”. Essa classificação, no entanto, explica muito pouco. O presente mostra que líderes como Trump e Bolsonaro combinam disputa eleitoral com tentativas de golpe. E a história confirma que grupos reacionários sempre usaram todos os meios à disposição, conforme a conveniência do momento.

O que importa mesmo é entender como a extrema-direita se normaliza sem abrir mão do verniz de transgressão. Não se trata de adotar o decoro ou se adequar ao que pode ser dito, pois isso significaria aceitar regras que não foram feitas por ela. A normalização verdadeira ocorre quando a extrema-direita passa a ditar as regras do jogo. Ela redefine o que é considerado “normal” e transforma ideias antes marginais em senso comum, no próprio centro do debate público.

IHU – Qual o papel da mídia na normalização da extrema-direita e redução da gravidade da postura desses atores políticos?

Thomás Zicman de Barros – A mídia tem um papel decisivo na normalização da extrema-direita. Os grandes veículos ajudam a definir o que é considerado “normal” ou aceitável. Ao dar holofote a esses atores, muitas vezes em busca de audiência, reforçam a lógica do politainement e acabam legitimando discursos reacionários. A prática de criar falsas simetrias – apresentar tudo como se fosse um “debate de dois lados” – também contribui, pois coloca a extrema-direita no mesmo patamar das forças democráticas.

A imprensa não é a única responsável. A academia também colabora quando se perde em classificações pouco úteis entre “extrema-direita” e “direita radical”. Mas talvez a maior responsabilidade recaia sobre os partidos do mainstream. Muitos acreditam que, ao flertar com ideias extremistas, conquistarão votos da chamada “ralé” ou que conseguirão controlar líderes de extrema-direita no poder como se fossem marionetes. A história mostra, repetidas vezes, que essa aposta termina em desastre.

IHU – Os atores da extrema-direita não estão preocupados em fazer promessas de proteção social e radicalizam cada vez mais discursos, buscando aprofundar o neoliberalismo. Por que, ainda assim, há uma forte adesão das camadas populares a esses ideais?

Thomás Zicman de Barros – Para funcionar, a transgressão precisa soar crível. A adesão popular à extrema-direita se explica porque seu verniz de transgressão parece convincente justamente por não contrariar a direção em que o mundo caminha. Nada diz sobre a crescente concentração de renda e, em vez de enfrentar a precarização, ajuda a acelerá-la.

Nesse ponto, a extrema-direita segue o caminho inverso dos populismos do século XX. A história do trabalho no Brasil sempre foi marcada pela precariedade, e isso ajuda a entender a força do populismo no passado. Mesmo com limitações, aqueles populismos garantiram conquistas trabalhistas e espaço para a organização sindical. Havia a expectativa de que os trabalhadores se organizassem coletivamente, e esse era o horizonte almejado.

As reformas trabalhista e previdenciária esvaziaram esse cenário. O trabalho formal deixou de ser um horizonte de sonho. A carteira assinada já não oferece o que oferecia, e o enfraquecimento da CLT reforça a ideia de que cada um deve ser “empreendedor de si”. Nesse contexto, o discurso da extrema-direita soa plausível para o trabalhador precarizado. Ele promete que, na luta de todos contra todos, basta se esforçar para “chegar lá”. Se não chega, é porque não trabalhou o suficiente ou porque o Estado e alguns “parasitas” atrapalham.

E o Estado, de fato, tem oferecido muito pouco aos trabalhadores. A esquerda enfrenta um impasse: sindicatos enfraquecidos, governos com pouca margem de manobra. Suas promessas de ampliar direitos e serviços públicos parecem cada vez mais difíceis de cumprir. A extrema-direita, ao contrário, cumpre o que promete – porque o que promete é simples de entregar: destruição.

IHU – O senhor afirma que a esquerda "perdeu a ousadia". Quais são os principais fatores históricos ou conjunturais que, na sua opinião, levaram a essa “perda de capacidade de contestação” e “quebra de regras”?

Thomás Zicman de Barros – Tenho dito que a precarização, entendida não apenas como processo econômico mas também simbólico, não afeta só os trabalhadores. Ela afeta a própria esquerda. Ao perder seus referenciais simbólicos e criativos, a esquerda deixou atrofiar a imaginação e, com isso, perdeu ousadia.

Dois fatores ajudam a explicar essa perda. O primeiro é a tendência de alguns grupos a se fixarem em normas de conduta, no que se chama de “politicamente correto”. Não há problema em lutar por pautas de inclusão, mas a forma tem sido conservadora e até moralista. A luta por inclusão dos subalternizados aparece de modo “careta”, não rebelde.

O segundo fator é a renúncia a um programa radical. O avanço daquilo que você chamou de neoliberalismo passou a ser percebido como uma força transnacional quase irresistível. Isso fez com que o futuro deixasse de ser horizonte de emancipação e passasse a ser visto como ameaça. Com a margem de ação do Estado cada vez menor, governos de esquerda no poder raramente conseguem realizar transformações profundas. Alguns já desistem antes mesmo de tentar. Assim, a esquerda se converte em gestora de um mundo em colapso, incapaz de mudar seu rumo. Num cenário que lembra um doente em estado terminal, ela se limita a administrar cuidados paliativos. Numa casa em chamas, preocupa-se apenas em colocar protetores de quina na mesa para que as crianças não batam a cabeça. No fundo, adota uma postura puramente defensiva.

É nesse ponto que me preocupa o entusiasmo com o professor Steven Levitsky, de Harvard. Eu respeito seu trabalho, e ele acerta no diagnóstico: a extrema-direita chega ao poder quando elites políticas a legitimam. Mas a solução implícita em sua obra é confiar nas “elites responsáveis” para conter os “bárbaros”. Essa é a lógica da chamada “democracia defensiva”, uma visão conservadora, pouco criativa, que ainda pensa a democracia numa chave elitista do século passado. Ela não olha para as limitações da democracia liberal. Não questiona por que os “bárbaros” estão às portas, não ataca a desigualdade, a perda de direitos econômicos, a concentração de renda, o poder desmedido dos super-ricos sobre a política. A esquerda precisa de outra postura: recuperar a ousadia, criar novas formas de participação política e, sobretudo, propor estratégias capazes de transformar profundamente a vida das pessoas com mais inclusão.

IHU – Em um mundo cada vez mais conectado, como a extrema-direita consegue se organizar e viralizar suas ideias? Quais lições a esquerda poderia tirar dessa dinâmica?

Thomás Zicman de Barros – Eu disse mais cedo que a arquitetura das redes sociais favorece a extrema-direita. Uso “arquitetura” de propósito: os algoritmos não caem do céu, eles são desenhados. No Vale do Silício existe até a profissão de “arquiteto de mídias sociais”. É como jogar contra um adversário fora de casa. O ambiente foi feito para valorizar o ressentimento e o discurso do ódio, que deixam as pessoas vidradas na telinha do celular, trabalhando de graça para as Big Techs.

A vantagem é que, se esses mecanismos foram construídos, também podem ser transformados. É possível demolir e reconstruir essa arquitetura. Por isso a regulação das mídias sociais é uma frente essencial, e no Brasil a sociedade civil e o poder público precisam se mobilizar para liderar esse debate.

Enquanto isso, o desafio é atuar por dentro dessas plataformas hostis. A esquerda precisa oferecer discursos que apontem transformações reais e, ao mesmo tempo, pensar em como usar as novas tecnologias para criar formas mais participativas de poder, de engajamento permanente. As experiências participativas do século passado mostraram vários impasses. A experiência recente com as redes digitais reforça o ceticismo: é difícil acreditar que possam ser um bom espaço para debate de ideias e tomada de decisão. Mas não adianta fingir que o mundo de hoje não se organiza por elas. Aqui também precisamos de ousadia.

IHU – Existe um caminho para a esquerda retomar sua ousadia sem cair em propostas inviáveis ou populistas? Qual seria esse caminho?

Thomás Zicman de Barros – Eu não acho que populismo seja um palavrão, nem que esteja ligado necessariamente a promessas inviáveis. Para mim, populismo envolve uma transgressão de outra ordem. O que importa menos é o estilo dos líderes e mais o fato de trazerem para dentro da política grupos invisibilizados. A simples presença de trabalhadores, mulheres, negros ou pessoas queer já é profundamente transgressiva. É esse populismo que eu defendo – e não o reacionário.

Não se trata de copiar a extrema-direita, trocando apenas a cor da bandeira. Há quem diga que, para recuperar os trabalhadores, a esquerda deveria se afastar das pautas dos grupos subalternizados. Essa leitura é míope e, no fim, normaliza a extrema-direita. É um erro grave confundir os trabalhadores com a “ralé” reacionária ou achar que populismo se resume a mobilizar ressentimento.

O que defendo há anos é um populismo emancipador: aquele que amplia a ideia de “povo”, sempre pronto a rever suas fronteiras e incluir mais gente. Esse populismo pode avançar o que chamo de “democracia ofensiva”. O termo tem um duplo sentido. De um lado, é ofensiva porque se contrapõe à democracia defensiva, amedrontada, que se limita a erguer muros para proteger o que existe. De outro, é ofensiva porque retoma a dimensão transgressora da política, capaz de ofender costumes estabelecidos e romper tabus. E, nesse sentido, voltando à pergunta, acho importante propor o “inviável”. Talvez muita coisa só pareça inviável porque deixamos nossa imaginação se atrofiar.

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