Ghost: Do outro lado da avaliação em larga escala

  • Sexta, 17 de Novembro de 2017

Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos é um programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU que tem como objetivo sistematizar, analisar e publicizar indicadores socioeconômicos do Vale do Sinos e da Região Metropolitana de Porto Alegre

Através de suas análises, se propõe a promover o debate sobre as realidades dos municípios que englobam as duas regiões, em vista da implementação, qualificação e controle social das políticas públicas afirmadoras da sociedade includente e sustentável. 

Nesse sentido, uma de suas áreas de pesquisa e análise é a educação. Para aprofundar a temática, o ObservaSinos promoveu a oficina “Dados Educacionais: Educação e Políticas Públicas” e trouxe o trabalho de uma das palestrantes da oficina, a doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS, Cristiane Backes Welter. O artigo aborda dados educacionais sobre os alunos “invisíveis”, ou seja, estudantes que não aparecem nas estatísticas.

Eis o texto

Ghost: Do outro lado da avaliação em larga escala

Quando fui convidada para apresentar os resultados da pesquisa da tese de doutorado em educação, defendida em 2016, lembrei da surpresa dos primeiros achados da pesquisa: Eles não aparecem! Os dados não são vistos! Neste momento de mergulho na análise de muitos dados da avaliação em larga escala, decidi chamar meus achados de invisíveis. Quem são os invisíveis que resultaram da pesquisa? Em alguns momentos da investigação científica, pensei que fossem alunos de fora do processo de avaliação em larga escala. Já em outros momentos, tive a certeza de que se tratava de estudantes que tinham seus dados e resultados desconsiderados no processo de avaliação em larga escala. Por fim, constatei que todos esses achados de pesquisa eram os mesmos seres humanos invisibilizados em nossa sociedade e nos resultados publicizados na avaliação em larga escala realizada no Brasil. 

A invisibilidade está para além dos dados dos questionários de contexto dos alunos na Prova Brasil. Ela está nas realidades sociais, educacionais e culturais dos grupos de pessoas que não são contabilizados nos dados oficiais sobre a qualidade da educação brasileira. Assim, optei por tratá-los como invisíveis da avaliação em larga escala porque entendi que essa terminologia englobaria os não vistos, os vistos em parte, os descartados, os excluídos da avaliação e os resultados da análise dos questionários de contexto.

A tese de doutorado em educação teve como finalidade contribuir com os gestores na tomada de decisão e de proposição de políticas para a Educação Básica, a partir da identificação de quem são os estudantes invisibilizados na Prova Brasil. A opção metodológica foi a pesquisa qualitativa, mediante análise dos questionários contextuais da Prova Brasil de 2011, preenchidos pelos estudantes do 9º Ano do Ensino Fundamental do Rio Grande do Sul. Ela está ancorada nos pressupostos teóricos e pesquisas de Alicia Bonamino, Bernadete Gatti e Flávia Obino Corrêa Werle a respeito da história da avaliação em larga escala; nas noções de pertencimento, de igualdade e desigualdade social a partir dos estudos de Pierre Bourdieu, José de Souza Martins, Maria Celi Scalon e Maria Alice Nogueira; e no ciclo de políticas de Stephen Ball e estudos de Jefferson Mainardes para análise dos discursos, dos textos e das práticas que formam e conformam as políticas educacionais. 

Os principais resultados da tese comprovam a existência de normativas que excluem estudantes do 9º Ano do Ensino Fundamental da participação na avaliação em larga escala. Esses invisíveis na Prova Brasil compõem a parcela da população que vive nas regiões rurais, frequentam turmas com menos de vinte alunos ou são filhos das camadas sociais itinerantes no país. Conhecê-los e caracterizá-los é possível devido aos dados fornecidos pelos estudantes que participam do processo de avaliação. A tese também confirma que aproximadamente um terço dos estudantes, participantes da avaliação, tiveram seus dados e seus desempenhos desconsiderados devido a critérios normativos, gerando mais invisíveis. 

Assim, as informações dos questionários de contexto dos estudantes da Prova Brasil precisam ser conhecidas pelos gestores e cruzadas com indicadores das escolas, como os previstos nas avaliações institucionais internas, para subsidiar os gestores municipais na proposição de novas políticas educacionais.

Cristiane Backes Welter - Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Professora e Coordenadora do Curso de Pedagogia da Universidade de Caxias do Sul - UCS.