"Consciência política independe da educação"

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22 Outubro 2014

O sociólogo brasileiro Michael Löwy considera que a consciência política independe do grau de informação ou de educação formal. "Se fosse assim, os diplomados com nível superior seriam os mais politicamente conscientes, e bem informados, e não é bem assim. "Basta dizer que na Alemanha nazista os diplomados eram todos partidários do nazismo. Não há essa relação entre educação, formação e consciência política", diz.

A entrevista é de Vanessa Jurgenfeld, publicada pelo jornal Valor, 21-10-2014.

Para Löwy, os três candidatos que lideraram os votos no primeiro turno das eleições presidenciais - Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB) - são similares porque não rompem com o modelo econômico baseado no neoliberalismo. Mas, dentro deste quadro consensual, diz que Dilma seria uma variante que ele chama de social liberalismo, cuja filosofia seria: "Vamos fazer tudo que é possível pelos pobres com a condição de não mexer nos privilégios dos ricos".

Uma eleição de Aécio, caso ocorra, pode ser comparada a um processo similar ao qual passou a Europa recentemente, onde a direita e a extrema direita conquistaram espaço após a crise econômica mundial. Na opinião de Löwy, no entanto, as políticas de governos conservadores agravaram o quadro, com aumento do desemprego. E em dois países na Europa - Grécia e Espanha - há novos partidos de esquerda ganhando fôlego.

Desde 1969 morando na França, Löwy sempre teve uma militância em organizações ou partidos de esquerda. Considerado um dos maiores pesquisadores das obras de Karl Marx, Leon Trotsky, Rosa Luxemburgo, György Lukács, Lucien Goldmann e Walter Benjamin, tem livros publicados em 29 idiomas e tornou-se uma referência teórica para parte da esquerda na América Latina. Veio ao Brasil desta vez para lançar o livro, "A Jaula de Aço" (Boitempo), e dar um curso na Universidade de São Paulo (USP). Simpatizante do Psol, Löwy também participou de algumas reuniões do partido. Agora, no segundo turno, declara seu voto em Dilma.

Em seu novo livro, Löwy discute, entre outros aspectos, o "marxismo weberiano" e questiona se alguns nomes no Brasil, como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, não seriam marxistas weberianos.

Nascido em São Paulo em 1938, Löwy graduou-se em sociologia na USP, onde foi aluno de Florestan e de Fernando Henrique. Depois, seguiu seus estudos na França, na Sorbonne. Antes de se aposentar, dava aulas na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris. Hoje é pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica e faz parte do Centro de Estudos Interdisciplinares da Religião.

Eis a entrevista.

Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou os votos do PT como o dos menos informados. Como o sr. analisa informação e processo de decisão do voto? Existe uma consciência de classe determinando o voto?

Acho que consciência política independe do grau de informação ou de educação formal. Se fosse assim, os diplomados com nível superior seriam os mais politicamente conscientes, e bem informados, e não é bem assim. Basta dizer que na Alemanha nazista os diplomados eram todos partidários do nazismo. Não há essa relação entre educação, formação e consciência política.

O sr. acompanhou as manifestações de junho em 2013. De que modo acha que elas estão refletidas neste contexto das eleições?

Em junho, muitas coisas diferentes se misturaram. Começou como um protesto que eu acho muito importante que é o do passe livre. Achei formidável aquela manifestação, foi uma das coisas mais interessantes que aconteceram no Brasil nos últimos anos porque é uma reivindicação profundamente justa, real, porque o preço do transporte no Brasil é altíssimo e a população pobre não consegue arcar. E é um transporte desorganizado porque são mil empresas privadas brigando. É uma confusão e precisa haver um transporte coletivo público. E eles [o MPL] tiveram a inteligência de começar em cima de uma reivindicação concreta, que era o não aos R$ 0,20 de aumento, mas souberam combinar um horizonte utópico, que é o da gratuidade. Isso pegou. Aí veio a polícia, bateu, houve indignação e o protesto se espalhou como um rastro de pólvora. Com a extensão do movimento, a coisa ficou mais confusa. Veio para as manifestações um protesto contra o esbanjamento do dinheiro com a Copa. Outro pessoal dizia-se contra corrupção. E depois veio um pessoal dizendo que não queria partidos políticos, batendo no pessoal de esquerda. Isso já era ultrarreacionário. Então, havia de tudo. E, portanto, a expressão política disso também foi dispersa.

Dispersa?

Das pessoas que vieram às ruas só por causa da corrupção, algumas estão com Dilma, outras estão com Aécio. Os que foram às ruas porque achavam que a reivindicação do passe livre era justa, muitos votaram na Luciana Genro (Psol) no primeiro turno, por isso que dobrou o número de votos em relação ao Plínio de Arruda Sampaio [candidato do Psol em 2010]. E muitos que achavam que os partidos em geral, e os de esquerda em particular, não prestavam, foram então no Aécio.

A possível eleição de Aécio, caso ocorra, é um processo similar ao qual passou a Europa recentemente, com avanço conservador?

Na Europa, também predomina o consenso neoliberal de maneira ainda mais grosseira do que no Brasil. E, com a crise econômica bastante grave, as únicas receitas que estão sendo aplicadas são as neoliberais: política de austeridade, redução do orçamento de educação, saúde etc, além de corte de impostos patronais. E o resultado tem sido agravar o desemprego e redução do consumo popular, que acabam piorando a crise. É uma espiral. E cada vez que as coisas se agravam, os governos dizem que não foram suficientemente longe na política de austeridade. É um processo de consequências dramáticas para países como Grécia, Espanha e Portugal, mas impacta também na França e em outros países. E os partidos social democratas não conseguem nem fazer o que PT e Dilma fizeram no Brasil, que é tomar algumas medidas mais sociais. Não estão fazendo isso, estão completamente alinhados com as receitas neoliberais.

Houve eleição de vários governos conservadores, com a desigualdade ampliando na Europa...

Por enquanto, quem tem aproveitado da crise na maioria dos países da Europa é a extrema direita. Mas há duas exceções importantes.

Quais exceções?

Grécia e Espanha. Na Grécia, o partido da esquerda radical, o "Syriza", passou de quatro para 27% [nas eleições em 2012]. E a sondagem [das próximas eleições] já está dando ele como primeiro partido, com mais de 30%. Na Grécia, a indignação com a crise, com a austeridade, foi capitalizada pela esquerda radical.

E na Espanha, como o partido de direita e a social democracia apareceram propondo praticamente a mesma política, apareceu um movimento novo chamado "Podemos", que é um pouco a expressão daquela onda dos indignados, com protestos e ocupações. Ele conseguiu expressão política e poucos meses depois de fundado esse partido já teve 8% nas eleições para o parlamento europeu [neste ano], e mandou vários deputados ao parlamento.

Mas nos outros países quem sobe é a direita ou a extrema direita. Nem sempre por causa da crise. Na Áustria e na Suíça, que não estão em crise, os partidos da direita nacionalista, xenofóbica, em alguns casos até antissemitas, estão com mais de 20%. A coisa então é mais complicada [de se analisar].

No Brasil, o cenário é de redução da desigualdade até um determinado momento, e recentemente uma estabilidade na queda. Mas também aqui pode ser que haja a eleição de um nome de direita. Como o sr. analisa isso?

Eu acho que se houver um governo do Aécio as medidas sociais vão ser pouco a pouco esvaziadas, com critérios mais rigorosos, crédito diminuindo... Não sei qual exatamente a forma que isso vai tomar. Mas a gente vê isso com o exemplo de outros países. E não haverá novas propostas. Pelo contrário, vai favorecer os interesses da oligarquia. Um estudo do André Singer [professor da USP] mostrou que quem ganha até dois salários mínimos na grande maioria vota na Dilma. De dois a cinco salários ainda apoia Dilma, mas é um pouco menos. E assim por diante, quanto mais vai subindo [menos apoia a Dilma]. Agora, há uma parte das classes intermediárias que está mudando de posição e uma parte dos setores populares que está com a direita por várias razões.

O sr. poderia destacar algumas razões?

Há, por exemplo, o problema da segurança. Uma parte da população acha que precisa ter mais polícia, mais repressão, e que criança criminosa tem que ir para a cadeia. Há esse espírito securitário, que é do pobre contra o pobre. Isto é, do pobre honesto contra o pobre delinquente. Isso também faz o jogo da direita. E há também os evangélicos fundamentalistas, que têm uma base social pobre, e que mobiliza esses pobres dizendo que o inimigo é o homossexual ou é o candomblé. Isso também favorece a direita.

O sr. concorda com a ideia de que os três candidatos que lideravam no primeiro turno - Marina Silva, Aécio Neves e Dilma Rousseff representam a mesma política?

Acho que é certo dizer que nenhum dos três têm uma proposta que coloque em questão o capitalismo ou mesmo o neoliberalismo. Todos aceitam o padrão econômico dado. Agora dentro deste quadro consensual dos três, a Dilma representa uma variante que eu chamaria de social liberalismo. É uma variante do neoliberalismo que tem uma preocupação social, que procura desenvolver programas para ajudar a população mais pobre. A filosofia desse social liberalismo eu diria que é: 'Vamos fazer tudo que é possível pelos pobres com a condição de não mexer nos privilégios dos ricos'.

Isso é suficiente para um militante de esquerda como o sr.?

Para mim, é muito insuficiente. Mas faz uma diferença. E para os pobres faz diferença. Portanto, para mim, os candidatos não são iguais. Dilma fez concessões demais aos bancos, ao agronegócio, ao capital. O Aécio, não é que ele vai fazer concessão, ele é o representante direto dos bancos, do agronegócio, do capital, dos interesses americanos etc. É uma diferença bastante significativa.

Luciana acabou não apoiando ninguém no segundo turno. O sr. declara voto em Dilma.

O Psol tomou a seguinte posição: nenhum voto para o Aécio, deixando livre a opção voto nulo ou apoio à Dilma.

Em caso de eleição de Aécio, isso significaria uma guinada para a direita?

Significaria uma regressão. Os programas sociais não vão ser suprimidos, mas progressivamente esvaziados. A legislação trabalhista vai ser flexibilizada, isto é, haverá uma regressão para os trabalhadores. E a reforma agrária, que está fraquinha, vai desaparecer. Os movimentos sociais que eram tolerados no governo Lula e Dilma vão começar a ser reprimidos de forma mais dura. A política exterior, que tinha uma certa independência em relação aos Estados Unidos, vai se alinhar com a política americana. É uma série de coisas negativas para o trabalhador, para os agricultores familiares, e para os intelectuais, porque as universidades vão começar a ser também privatizadas.

O sr. ajudou na campanha do Psol no primeiro turno. Como avalia a campanha de Luciana?

Foi uma campanha digna e corajosa. Evidentemente, ela sabia que não seria eleita. O objetivo era contribuir para conscientizar as pessoas. Pelo menos fazer com que ouvissem uma outra música e não aquela que estão já acostumadas e que é repetida mil vezes. Era executar um outro tipo de proposta, de ideias, e plantar sementes, que algum dia esperamos que vão dar frutos.

Na campanha dela, qual tema o sr. diria que foi um dos mais relevantes?

Ela insistiu na questão na desigualdade. Hoje se fala muito em reduzir a pobreza. É uma boa coisa. Mas, além de reduzir a pobreza, o Brasil é um país de uma desigualdade brutal. É uma "Suicíndia", onde os ricos vivem como na Suíça e os pobres, como na Índia. Então, Luciana colocou o dedo nesta ferida. E outra coisa foi ela se colocar contra a violência da polícia, contra a redução da maioridade penal, pelos direitos dos homossexuais, e pelo aborto, que é uma catástrofe sanitária no Brasil.

Neste novo livro, o sr. discute um termo que é o "marxismo weberiano".

O termo marxismo weberiano não fui eu que inventei, mas Maurice Merleau-Ponty (filósofo francês), em 1955, no ensaio "As Aventuras da Dialética". Usou o termo para se referir a um marxista conhecido, György Lukács. Ele diz que Lukács é alguém que estudou Weber a fundo e incorporou algumas intuições de Weber na sua obra. Procuro mostrar que a partir de Lukács há uma corrente dentro do marxismo, mais ou menos heterodoxa, que vai se inspirar ou em Lukács ou em Weber. Isso inclui a Escola de Frankfurt e alguns pensadores franceses.

O sr. considera que há alguns autores brasileiros também "marxistas weberianos"?

No prefácio à edição brasileira eu coloco essa pergunta: existe um marxismo weberiano no Brasil? Procuro analisar como sociólogos se referem tanto a Marx quanto a Weber, como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e outros, mas eu não estou muito seguro de que eles sejam marxistas weberianos. Eu fui aluno do Florestan. Nos dávamos muito bem. Ele começou como marxista da linha dura. Era trotskista, militante do partido socialista revolucionário, criado pelo Hermínio Sacchetta. Florestan começou marxista, depois foi estudar e assumiu então hábitos de sociólogo, de cientista social. Aí Marx, Weber, Durkheim e outros eram referência metodológicas e teóricas, mas não havia um compromisso teórico-político nem com um nem com outro. Florestan nesta época se interessava por Weber e Marx. Mais tarde, depois do golpe, ele vai para o exílio, vai se politizando e ele volta ao marxismo. Logo depois, Weber desaparece completamente [da sua obra]. Também fui aluno do FHC. Na época, ele era marxista. A tese dele usa o método materialismo histórico (método de Marx). E ele usa Weber para analisar certos fenômenos do Brasil. Usa conceitos de Weber, como patrimonialismo, mas não estou seguro de que realmente Weber é um componente central de sua construção teórica.

A ideia ao usar esse termo era mostrar que a divergência entre Marx e Weber era mais política?

Sim, mas existem também divergências metodológicas e filosóficas. Weber é um neo-kantiano. Ele, digamos, tem um método inspirado no kantianismo. Marx é um hegeliano materialista. Eles têm um método diferente e as análises do capitalismo também são distintas. As ênfases não são no mesmo aspecto, mas há uma série de pontos de coincidências surpreendentes. Weber leu Marx com atenção, respeitava Marx, embora o criticasse, e em algumas obras de Weber há uma convergência evidente com Marx.

Poderia exemplificar?

"A Ética Protestante", que é um livro que se considera como uma polêmica contra Marx porque nele Weber afirma o poder das ideias contra a economia - o que é uma interpretação discutível -, mesmo neste livro ele fala do papel da ética protestante facilitando o trabalho do empresário capitalista. A ética protestante acaba se colocando a serviço do patrão no seu esforço de extrair a mais-valia do trabalhador, como dizem os marxistas. Ele mesmo usa essa expressão. Por um lado, Weber é um grande admirador do capitalismo, é o sistema mais racional, mais eficiente, moderno. Digamos, do ponto de vista de sua eficácia é mil vezes mais poderoso do que qualquer sistema econômico que existiu. Então, Weber parece celebrar o capitalismo, como o ápice da racionalidade, mas simultaneamente acaba descontruindo o capitalismo. Ele sobretudo tem uma crítica ao sistema que não é a de Marx e não é contraditória a Marx, mas complementar ao Marx, que é essa da jaula de aço.

Qual o significado de jaula de aço?

Ela quer dizer que o sistema capitalista é um sistema total, senão totalitário, que determina a vida das pessoas do berço até a morte, e portanto não deixa muito espaço para a liberdade dos indivíduos. É como se os indivíduos estivessem fechados em uma jaula de aço, sem saída. E o capitalismo é um destino, do qual não se pode escapar. É uma espécie de fatalismo. Mas pessimista porque ele [Weber] acha que isso está nos levando a um mundo onde a liberdade vai desaparecer. Então, no fundo, Weber é um liberal, mas atípico. E enquanto liberal ele tem essa visão pessimista e crítica do capitalismo.

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