13 Julho 2013
Com a decisão anunciada de canonizar João Paulo II e João XXIII, o Papa Francisco deu um sinal inequívoco sobre a sua interpretação do Vaticano II.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio HuffingtonPost.it, 06-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
João Paulo II será "santo subito", ou quase súbito – para parafrasear a famosa faixa levada pelo Movimento dos Focolares para a Praça de São Pedro, depois da morte do Papa Wojtyla. Esse fato é, a seu modo, parte do pontificado do próprio João Paulo II, que mudou a política das canonizações como nenhum outro papa na Igreja moderna.
Mas o anúncio feito no dia 5 de julho pelo Vaticano da próxima canonização (até o fim do ano) de João Paulo II e de João XXIII também pertence à particularíssima transição entre outros dois papas, Bento XVI e Francisco – uma transição tão particular que viu no mesmo dia 5 de julho a publicação de uma encíclica, Lumen Fidei, que pertence formalmente ao pontificado Bergoglio, mas que foi claramente escrita por Bento XVI e pouco mais do que apenas assinada pelo Papa Francisco.
De fato, é fácil compreender que a visita a Lampedusa da segunda-feira, 8 de julho, será o primeiro ato magisterial público do Papa Bergoglio fora de Roma e que, portanto, se sobreporá ao breve "news cycle" dedicado à Lumen Fidei.
Não há motivo para duvidar da vontade do Papa Francisco de proclamar santos tanto João Paulo II quanto João XXIII (para o qual Francisco abriu uma exceção processual relativa ao milagre). Mas é sabido que, na história da Igreja recente, a promoção aos altares de pares de papas sempre serviu para dar um contrapeso a beatificações e canonizações de pontífices controversos: na época do Concílio Vaticano II, foram as causas de Pio XII e João XXIII, o papa do pré-Vaticano II e dos "silêncios" sobre o Holocausto, e o papa que convocara o Concílio; no ano 2000, tratou-se da beatificação do reacionário Pio IX e de João XXIII; hoje, se trata de João Paulo II e de João XXIII.
Se é verdade que para todos os papas dos últimos 150 anos (com as exceções de Leão XIII, Bento XV e Pio XI) foram iniciados (e, em alguns casos, concluídos com sucesso) os processos canônicos, também é verdade que João XXIII sempre esteve presente, nos últimos 50 anos, de modo constante. Poder-se-ia afirmar que Angelo Giuseppe Roncalli-João XXIII é necessário para conferir legitimidade e credibilidade a uma práxis, a de declarar santos os papas, que começou em tempos modernos com a Igreja "assediada" pela modernidade entre o fim do Estado pontifício em 1870 e a luta contra o "modernismo" teológico com Pio X, no início do século XX, mas que hoje refere-se a papas pertencentes a uma tipologia diferente de eclesiásticos, de homens religiosos, de líderes.
Mas não se pode deixar de notar uma contradição entre a visão de Igreja do Papa Francisco explicitada nesses meses (uma Igreja humilde e pobre) e os significados subjacentes à decisão da Igreja de declarar "santo" os papas seguindo um procedimento semelhante ao necessário para todos os outros cristãos candidatos à honra dos altares. O costume de declarar santos os papas tornou-se típico só recentemente do ponto de vista histórico, enquanto era totalmente episódico na história da Igreja anterior.
O que chama a atenção na história das canonizações papais recentes é que, no caso de João XXIII, o debate sobre a sua santidade sempre foi parte integrante (desde 1963, ano da sua morte) do debate sobre o Vaticano II como "momento de graça da Igreja" ou como erro que beira a heresia. Com a decisão anunciada, o Papa Francisco deu um sinal inequívoco sobre a sua interpretação do Vaticano II.
Ainda em 1962, um estudioso dos processos de canonização, Piere Delooz, escreveu que a importância do "fazer santos" não reside principalmente nos "santos" que são proclamados, mas naqueles que "fazem" esses santos, ou no tipo de grupos e de Igreja que pressionam por essas canonizações.
O anúncio relativo à canonização de João Paulo II e de João XXIII também fala disso. Em maio de 2011, com o Papa Bento XVI, quando se falava de uma dupla canonização de João Paulo II e de Pio XII, era legítimo se perguntar se essa decisão significaria uma domesticação das novidades trazidas pelo Concílio Vaticano II; mas com a dupla João Paulo II-João XXIII, o sinal desse binômio muda, e não pouco, para se compreender para onde está indo a Igreja Católica do Papa Francisco.