Chile sai em massa às ruas para reivindicar educação

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26 Agosto 2011

As criativas faixas contra o lucro na educação ou que criticavam o governo se misturavam com as bandeiras das centrais de trabalhadores e os símbolos dos colégios e universidades.

A reportagem é de Christian Palma e está publicada no jornal argentino Página/12, 26-08-2011. A tradução é do Cepat.

Se na quarta-feira a greve geral de dois dias convocada pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), principal central sindical chilena, foi qualificada de fraca pelo governo de direita de Sebastián Piñera, a adesão desta quinta-feira tornou impossível negar a força do movimento, depois que centenas de milhares de pessoas marcharam até Alameda, a principal avenida de Santiago, e outros milhares a mais na província.

Com isso ficou claro uma vez mais que as pessoas estão cansadas de ver como o dinheiro não é suficiente para terminar o mês, que os jovens precisam se endividar para estudar, que se hipoteque a sustentabilidade do meio ambiente do país num momento inoportuno, que a grande maioria não seja interpretada e que o governo siga ignorando temas sensíveis.

Também é preciso ser justo. O apelo da CUT não teria tido o êxito que teve sem a energia dos estudantes, que, graças às suas demandas, trouxeram à luz todas as queixas da população, preocupações que saíram às ruas em forma de marchas e que se espalham pelas principais cidades e avenidas do país.

Como era de esperar, os números da central sindical entraram em conflito com os de La Moneda. Segundo o presidente da CUT, Arturo Martínez, disse que mais de 600.000 pessoas participaram das manifestações em todo o país, ao passo que o porta-voz do governo, Andrés Chadwick, defendeu que a convocação foi inferior à de jornadas anteriores.

Números a mais ou a menos, o certo é que a marcha se desenrolou com calma até depois do meio-dia, quando a interminável fila começou a se juntar no centro de Santiago. As criativas faixas contra o lucro na educação ou que criticavam o governo se misturavam com as bandeiras das centrais de trabalhadores e os símbolos dos colégios e universidades.

As pessoas acenavam das janelas dos prédios e penduravam lenços e bandeiras. O medo de que a população não apoiasse a convocação, devido ao descrédito dos dirigentes políticos, se dissipou com o passar das horas.

"É a coisa mais impressionante que já vi. Somos milhares, entre operários, professores e estudantes, os que dissemos na cara de Piñera que ele deve acabar com o modelo imposto por Pinochet", disse Andrés, um adolescente que junto com 20 companheiros vieram de San Bernardo, uma das comunas periféricas de Santiago.

O rapaz e seus companheiros desapareceram enquanto o ensurdecedor grito de "E vai cair... e vai cair... o sucessor de Pinochet!" tornava impossível continuar falando. Outra faixa com o dizer "O povo educado jamais será explorado" recolhia o sentimento desses milhares de anônimos que se encontraram na fria manhã chilena.

"Temos a esperança de que o governo, depois deste golpe que recebeu, consiga refletir e se disponha a dialogar para buscar uma saída à atual situação. Esta convocatória não pertence a ninguém em particular, mas aos trabalhadores, aos cidadãos e cidadãs que se mobilizaram", disse Martínez.

No entanto, o rosto mais visível das mobilizações, a presidenta da Federação de Estudantes da Universidade do Chile, Camila Vallejo, refutou o governo que acusou a CUT de se aproveitar do movimento sindical. "Sempre estivemos juntos. É um erro dizer o contrário. A população, o povo chileno, se cansou. Acreditamos que é necessário mudar o sistema político, mudar o sistema econômico para que justamente a redistribuição do poder seja mais justa, a distribuição da riqueza seja mais justa e que tenhamos condições dignas para nos desenvolvermos como seres humanos", defendeu.

O presidente do Partido Socialista, Osvaldo Andrade, por sua vez, fez um mea culpa em nome da Concertación. "Venho para participar deste ato com muita humildade, porque nos 20 anos de Concertación também em muitas ocasiões fizemos parte desses abusos, e creio que é o momento de enfrentar o problema de fundo. E se a única maneira para que este governo entenda é ter as pessoas na rua, não há outra alternativa", afirmou.

No meio da marcha, o sociólogo e estudante de pós-graduação da Universidade do Chile Rodrigo Morales explicou ao Página/12 que a greve e sua relação com o movimento estudantil "são muitas lutas sociais que se complementam, posto que por trás de cada estudante na rua há um trabalhador ou trabalhadora. O movimento estudantil foi capaz de estender suas demandas para outros setores da população em que vivem, em cada espaço, sua vinculação com o modelo neoliberal, portanto suas demandas estão sempre relacionadas com o mundo do trabalho".

O especialista acrescenta que "aqueles que não têm acesso à educação superior e de qualidade sempre têm trabalhos precários e mal remunerados. Portanto, movimento estudantil e movimento trabalhador são dois espaços contíguos que fortalecem as demandas".

Até aí, tudo bem. Contudo, depois de uma pausa em outras marchas, na quinta-feira manifestantes encapuzados fizeram barricadas em algumas esquinas da Avenida Alameda, o que derivou em duros enfrentamentos com carabineiros. E se bem que os encapuzados fossem recriminados pelos manifestantes que marchavam por reformas estruturais, as pedras não cessaram de chover.

"Eles também têm raiva, não os justifico; mas não têm oportunidades nem outra maneira de reclamar. Embora o que fazem seja muito ruim", assinalava uma mulher com um pano no rosto para suportar os gases de lacrimogêneo.

A forte repressão dos carabineiros contra os exaltados – rechaçados transversalmente, que inclusive queimaram bandeiras, saquearam lojas e tentaram colocar fogo na porta de uma igreja – conseguiu dissuadi-los, embora o cheiro do gás tenha permanecido no ambiente. Ao cair da tarde, a paisagem era desoladora.

No fechamento desta edição, o subsecretário do Interior, Rodrigo Ubilla, disse que as manifestações deixaram 26 carabineiros feridos, cinco dos quais receberam impactos de projéteis e se estão com lesões graves no hospital da instituição. Além disso, até à noite havia 210 pessoas presas por diversos motivos.

Enquanto isso, o porta-voz do governo apelava para ter "uma noite em paz", depois dos tiros, saques e desmandos dos dois dias anteriores, que, certamente, não ofuscam as reivindicações de fundo da grande maioria dos chilenos. Sobretudo na periferia, aí onde a desigualdade é mais forte.

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