Muhammad Yunus: o banqueiro "mais estranho do mundo"

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05 Março 2011

É necessário aquele magnífico acaso que é a vida para que, no mesmo dia, o "banqueiro dos pobres", Muhammad Yunus, seja expulso do seu próprio banco – aos 70 anos não quer se aposentar – e o Financial Times abra a sua primeira página com a notícia de que os 10 primeiros fundos especulativos da terra – os maus mestres das operações de alto risco – dilaceram em lucros os grandes bancos mundiais. Yunus lidera o Grameen, um banco muito estranho: empresta dinheiro a quem não tem, ao invés daqueles que têm.

A reportagem é de Francesco Paterno, publicada no jornal Il Manifesto, 03-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Em Bangladesh, onde nasceu o seu banco – repetimos – muito estranho, a lei prevê que Yunus agora se aposente. Ele completará 71 anos no próximo dia 28 de junho, e o governo, sócio com 25%, pediu que se retire. Na Itália, se diria que ele é um velhinho esperto, que, porém, não causaria uma má impressão no salão das nossas finanças mediamente mais idosa.

Mas, idade à parte, o governo de Bangladesh teria tirado para fora da gaveta acusações boas para muitas estações: Yunus não teria pago os impostos e teria se aproveitado de seu banco para atrair clientes, fazendo-lhes pagar juros muito altos. Deve-se acrescentar que Yunus é seguramente um personagem incômodo, e, de fato, a ex-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Mary Robinson, considera que a primeira-ministra bengalesa queria tirá-lo do meio de campo depois do anúncio (não levado a termo) de que o banqueiro iria criar um partido para disputar a liderança do país.

Yunus fez a sua fortuna mas principalmente a de milhares de pobres agricultores com o microcrédito. A ideia é daquelas que fariam até os criativos hi-tech do Google e do YouTube empalidecer: um banco que não existe, que empresta dinheiro a pessoas sem garantias, que não as da própria pobreza confirmada e do seu próprio trabalho.

Ele começou em 1976 no vilarejo de Jobra, perto de Chittatong, no sul de Bangladesh, onde ensinava economia. Convenceu um banco local a emprestar 27 dólares americanos a um grupo de mulheres, que assim tiveram a possibilidade de reconstruir sua vida. Estamos no país mais pobres do mundo, ainda sacudido pela carestia de 1974. A coisa funcionou, o microcrédito foi estendido, os números são lendários, e ninguém os desmente: mais de 80% dos vilarejos do país são admitidos, 97% que os obtêm são mulheres. Por quê? Sem esperar o dia 8 de março, "as mulheres administram melhor o dinheiro, explica o banqueiro.

Hoje, o Grameen Bank, o banco rural, tem filiais em todo o mundo, incluindo cidades ricas como Chicago, onde a pobreza também sabe ser feroz. O modelo do sistema do microcrédito foi copiado em todos os lugares, e milhares de pessoas reencontraram novamente um pouco de vida. Também lá onde existe o estado social, o microcrédito dá a possibilidade de ir além da sobrevivência e de tentar recomeçar. Entende-se por que Yunus recebeu, em 2006, o Prêmio Nobel da Paz e não de Economia.

No meio da recente crise financeira, o banco mais estranho do mundo não ficou nem mesmo inadimplente. Ainda temos diante dos olhos a falência do Lehman Brothers, o banco de negócios símbolo de um certo modo de ser, com os funcionários que, em uma manhã de setembro de 2008, caixas de papelão grudadas no peito, saem de pantufas da sede de mármore e vidro de Manhattan. Culpa de títulos podres e de muitos empréstimos inexequíveis.

Quem contrata o microcrédito em um guichê do Grameen, ao contrário, sabe que deverá restituir o pequeno empréstimo não sabe-se lá quando, mas um pouco por semana. Um modo para se empenhar mais no próprio trabalho, com objetivos de curto prazo e tangíveis. Yunus conta assim a um diretor de um banco tradicional: "Os mais pobres dos pobres trabalham 12 horas por dia. Para ganhar o que comer, devem vender os seus produtos. Não há razão para que não reembolsem, principalmente se querem ter um outros empréstimo que lhes permita resistir um dia mais. É a melhor garantia que se pode ter: a sua vida".

Um discurso subversivo. Em 2002, a bíblia das finanças mundiais, o Wall Street Journal, em um longo artigo, acusa o banco rural de ter em caixa pelo menos 19% dos empréstimos insolúveis. Em dezembro passado, o ministro norueguês do desenvolvimento internacional, Erik Solheim, defendeu que Yunus teria desviado parte do dinheiro do Grameen para outros setores da rede financeira do grupo. Yunus não deixou que isso seguisse em frente, rebatendo que é tudo falsidade. E, depois, ele não tem nem advogados no seu banco. De que serviria?

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