A teologia moral depois de "Amoris laetitia"

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18 Julho 2017

“Não escapou às consciências mais críticas e atentas, o fato de que a exortação não enfoca apenas um campo específico do agir moral, embora importante, mas engendra uma revisão decisiva do próprio arcabouço da teologia moral em seus fundamentos e em sua totalidade”, constata Stefano Zamboni, professor na Academia Alfonsiana e Pontifícia Universidade Lateranense, Roma, em artigo publicado por Settimana News, 10-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.


Eis o artigo.

Mais de cem anos atrás, o papa Bento XV, em sua primeira encíclica Ad beatissimi apostolorum (1914), escrevia: "Nas discussões é preciso fugir de todo excesso de palavras, porque podem decorrer graves ofensas para a caridade; cada um livremente defenda a sua própria opinião, mas faça-o com respeito, e nem pense que é possível acusar os outros de fé suspeita ou de falta de disciplina pela simples razão de que eles pensam de forma diferente".

Na época eclesial atual, quando o papa Francisco convida para enfrentar as discussões com parrésia evangélica, as palavras de seu predecessor resultam particularmente oportunas em relação ao acalorado debate que tem acompanhado a celebração dos dois sínodos, primeiro o da família e, depois, a exortação Amoris laetitia.


Mudança de perspectiva


Não escapou às consciências mais críticas e atentas, o fato de que a exortação não enfoca apenas um campo específico do agir moral, embora importante, mas engendra uma revisão decisiva do próprio arcabouço da teologia moral em seus fundamentos e em sua totalidade. ‘Amoris laetitia. Um ponto de inversão para a teologia moral?’ é a pergunta que é posta em discussão por um grupo de teólogos alemães em um livro recentemente traduzido também para o italiano (San Paolo, 2017).

Em sintonia com essa perspectiva, a Atism (Associação Teológica Italiana para o Estudo da Moral), organizou em Alghero (3-7 de julho) o seu décimo seminário de estudo com o tema "A teologia moral depois de Amoris laetitia".

Em primeiro lugar o objetivo foi de compreender o contexto do discurso do Papa. Diante de um entendimento da moral (sexual) que objetiva o sim ou o não, segundo a lógica do permitido/proibido, o papa, além de declarar que o Magistério não pode ter respostas para tudo, transfere a discussão para um plano mais fundamental em que a busca do bem vem antes da obrigação, a atração por uma plenitude de valor tem prioridade sobre a declinação normativa e disciplinar. Nesse sentido - como destacado pela apresentação de Giacomo Rossi - a impostação de Francisco abandona a perspectiva racionalista da modernidade para retomar a valência sapiencial do discurso bíblico.

A proposta magisterial de Francisco pede para levar muito a sério a questão do discernimento.

Sabatino Majorano, mostrando uma notável coincidência de enfoque com a moralidade afonsiana, observa que é necessário voltar a confiar na consciência, livrando-se daquela suspeita a seu respeito que de certa forma permaneceu na origem do surgimento da própria moral moderna. "Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las" (AL 37). Disso decorre a importância do discernimento como resposta ao Espírito. Para o crente, as situações não são algo que atrapalha o discernimento, mas o lugar do kairós a ser compreendido e acolhido. Então, o bem em direção ao qual a pessoa orienta-se, é o bem possível. Falar do bem possível não significa legitimar uma proposta em um patamar inferior, mas significa direcionar-se ao que há de mais prático, mediante a graça que nos foi antecipada.


O "princípio da misericórdia"


Na audiência com os membros da Atism por ocasião do 50º aniversário de fundação, o Papa Francisco convidou os teólogos italianos a "compartilhar o pão da misericórdia."

É um convite que Basílio Petra, presidente da associação, leu sob a ótica da AL 310-312. Nestes parágrafos há um convite para assumir de forma decidida a perspectiva da misericórdia como pilar que suporta a vida da Igreja, chamada a ser, portanto, não como uma alfândega, em que os ministros são os controladores da graça, mas como a casa paterna, onde há espaço para cada um com sua vida cheia de complicações. Nesse sentido, o ensinamento da teologia moral, mesmo sem negligenciar o cuidado pela integridade do ensino moral da Igreja, deve deixar emergir "a primazia da caridade como resposta à iniciativa graciosa do amor de Deus". Disso decorre a necessidade de superar "uma moral fria burocrática" que julga a partir do exterior, à luz de princípios abstratos, para que se possa elaborar uma moralidade que faça parte da vida das pessoas, que assuma uma escuta participativa, que acompanhe com confiança. A misericórdia, de fato, para citar as palavras de James Keenan, é a "vontade de entrar no caos do outro".

Uma moral que assuma o "princípio da misericórdia" deve estar ciente de uma mudança de paradigma, que pode ser expressa na passagem da centralidade da norma para a centralidade da condição de pecadora da pessoa. O episódio da mulher apanhada em adultério pode ser icônico, pois explicita dois elementos: a semelhança da mulher com todos os outros protagonistas da cena é justamente na condição de pecado ("quem dentre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra"); o pecado é superado pela misericórdia salvífica de Jesus. Não mais: "temos uma lei, e de acordo com esta deve ser julgada", mas o pecado torna-se com Jesus uma "porta para a graça".


Integrar a fragilidade


A partir dessa referência é que se originou a palestra de Martin Lintner "Integrar a fragilidade". Da fragilidade humana pode ser tirada uma nova possibilidade: aquela de escapar à tentação de autorredenção, a fim de confiar na primazia da graça divina. Eis porque a necessidade de um novo olhar sobre a fragilidade. É o olhar de Jesus (Metz falava em "olhar messiânico"), direcionado prioritariamente não ao pecado, mas ao sofrimento da pessoa pecadora. É esse olhar que a Igreja, hospital de campanha, deve assumir. A isso corresponde a responsabilidade do discernimento (pastoral, pessoal, disciplinar) na lógica daquela integração que já a Familiaris consortio propunha, mas que não conseguiu garantir até o fim.

Discernir, acompanhar, integrar: é esse o recado do Magistério do Papa Francisco para toda a Igreja e, nela, para a teologia moral. Apenas a partir do primado da misericórdia, ela poderá responder de maneira convincente e produtiva.

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