2020 - Impactos sociais da pandemia. Artigo de Waldir Quadros

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15 Março 2022

 

"A profundidade da crise social que se abateu nas camadas populares, já examinada em textos anteriores, nos parece dispensar maiores comentários nesse momento", escreve Waldir Quadros, graduado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde atualmente é professor associado do Instituto de Economia.

 

Eis o artigo.

 

1. O Quadro Nacional

 

Introdução

Com base na PNAD Anual de 2020, apresentamos uma rápida descrição da forte mobilidade descendente que ocorre no primeiro ano da pandemia, agravada por sua gestão pelo Governo Federal, como se verifica nas tabelas a seguir.

 

 

A Tabela 1 apresenta as participações de cada nível social no conjunto da população. Observa-se nitidamente a forte retração em 2020, particularmente nas duas camadas superiores da Classe Média.

Basta dizer que na Alta Classe Média, a participação de 8,5% em 2020 é a mais baixa desde 2012, quando se inicia a série da PNAD Anual.

 

 

Na Média Classe Média a porcentagem é apenas ligeiramente superior à da crise de 2013, em que também ocorreu sério movimento descendente na estrutura social.

A maior participação da Baixa Classe Média (pobres intermediários) e da Massa Trabalhadora (pobres) reflete justamente a queda ocorrida nas camadas superiores, com uma parcela caindo para posições inferiores.

 

 

A Tabela 2 contém os números absolutos dos diversos estratos sociais, onde também ficam evidentes os retrocessos em 2020. A Alta Classe Média cai em 3,8 milhões de pessoas (- 17%) e a Média Classe Média outros 4,8 milhões (- 13%).

Por força desse movimento descendente a Baixa Classe Média de pobres intermediários cresce em 8,1 milhões.

Outra abordagem esclarecedora é a da Estrutura Ocupacional, que apresenta a situação na ocupação do membro melhor remunerado da família. É o que observamos na Tabela 3, com os dados da Alta Classe Média.

 

 

Os dados da Tabela 3 indicam que a maior queda ocorreu entre o grupo “Sem Ocupação com Renda”, que agrega as pessoas com rendas de aposentadoria, aplicações financeiras, participações nos lucros, aluguéis etc. O grupo perdeu 1,1 milhão de pessoas, equivalente a 34% do seu número em 2019.

Em seguida temos os “Colarinhos Brancos” Assalariados, também com recuo de 1,1 milhão (- 9,5%), os Trabalhadores Autônomos (- 460 mil e - 46%), os Pequenos e Médios Empresários (- 410 mil e - 12%) e os “Colarinhos Brancos” Autônomos (-360 mil e – 25%).

A Tabela 4 contém a renda média das famílias, onde se evidenciam as perdas ocorridas em 2020.

Além das perdas de um ano para outro na mesma camada, podemos examinar o que se passa com as famílias que perderam posição na estrutura social. Assim sendo, uma família que estava na Classe Média em 2019 e que caiu para a Média Classe Média em 2020 teve uma perda em sua renda média de R$ 11,5 mil (17,7 mil para 6,2 mil).

 

 

Outra que estava na Média Classe Média e caiu para a Baixa Classe Média, perdeu R$ 3,2 mil (6,25mil para 3,1 mil).

Se são impressionantes estes impactos nas famílias de classe média que perderam posição social, não é preciso insistir, além do que é visível na realidade cotidiana, na verdadeira hecatombe que ocorreu entre as camadas populares.

 

 

2. O Quadro Regional

 

Já vistos os principais traços dos retrocessos ocorridos em 2020 no âmbito nacional, passamos agora a examinar o comportamento destes mesmos aspectos no “Interior” do Estado de São Paulo.

Nas tabulações a partir dos dados do IBGE, o chamado “interior” do estado engloba todas as cidades que estão fora da Região Metropolitana. Na composição do perfil deste agregado são determinantes as grandes cidades e metrópoles regionais como Campinas, Sorocaba, Baixada Santista, Ribeirão Preto, São José dos Campos.

Como apontamos em outros estudos, esta ampla região vem sofrendo os impactos sociais da crise e perda de dinamismo que se instala na economia nacional desde 2015.

 

 

Em 2020 ocorre o mesmo, como se verifica nos dados da Tabela 5.

Focando na classe média, como fizemos em termos nacionais, verifica-se uma retração de 810 mil pessoas na Alta Classe Média, equivalente a 28,1% do contingente de 2019. Na Média Classe Média o recuo foi de 1,1 milhão (- 18,4%).

O rebaixamento da classe média repercute na expansão das camadas populares, com o agravamento das precariedades e carências que conformam nossa crise social.

 

 

A Tabela 6 apresenta a situação ocupacional dos membros melhor remunerados das famílias da Alta Classe Média, trazendo novos elementos para a compreensão do seu recuo em 2020.

O grupo com maior retração em relação a 2019 é o denominado “Sem ocupação com renda” (- 38%), formado por aqueles que não trabalham e obtém seus rendimentos de aposentadorias, aplicações financeiras, lucros e dividendos, aluguéis.

Em seguida temos os “Colarinhos Brancos Assalariados”, com o maior recuo absoluto, de 340 mil pessoas (- 24%) e os Pequenos e Médios Empresários (- 130 mil pessoas e – 23%).

 

 

Por fim, a Tabela 7 apresenta a renda média familiar de todas as camadas sociais, com a expressiva queda na média geral de R$ 586, equivalente a – 11% do valor de 2019.

Uma observação interessante é a de que, em todas as camadas, as famílias que não retrocederam na estrutura social obtiveram ganhos em termos de renda média.

Porém, o quadro de crise na classe média pode ser melhor captado observando o que se passa com as famílias que perderam posição.

 

 

Na Alta Classe Média, quem caiu para a Média passou de uma renda de R$ 16.974 em 2019, para R$ 6.572 em 2020. Já quem caiu da Média Classe para a Baixa passou de R$ 6.390 em 2019 para R$ 3.460 em 2020.

Nos parece que estes números evidenciam claramente os impactos financeiros para aqueles que perderam posição social na classe média. É claro que aqueles possuem poupanças podem atenuar temporariamente as perdas de padrão de vida. Mas, seguramente, esta situação provoca um profundo mal-estar.

Por sua vez, a profundidade da crise social que se abateu nas camadas populares, já examinada em textos anteriores, nos parece dispensar maiores comentários nesse momento.

 

 

 

Nota do autor

 

Nossos agradecimentos iniciais aos colegas Dr. Alexandre Gori Maia, Professor do IE/UNICAMP e Dra. Maria Alice Pestana de Aguiar Remy, pesquisadora do CESIT – IE/UNICAMP, que sempre processam os micro dados do IBGE. Sem suas colaborações seria impossível realizar minhas pesquisas. À FACAMP pelo rico e estimulante ambiente intelectual.

 

 

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