Pessoas homossexuais: da infâmia ao respeito

Foto: Daniel James | Unsplash

10 Agosto 2021

 

"O gênero não pode ser o único critério de diferenciação entre masculino e feminino: se a dimensão cultural tem função própria, a dimensão biológica não pode ser ignorada", escreve Vinicio Albanesi, padre e professor do Istituto Teologico Marchigiano, presidente da Comunidade de Capodarco desde 1994, fundador da agência jornalística Redattore Sociale e, junto com o Pe. Luigi Ciotti, da Coordenação Nacional das Comunidades de Acolhida (CNCA) da Itália.

O artigo foi publicado em Settimana News, 06-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Alguns coirmãos me pediram um comentário a respeito da homossexualidade, também por causa do Decreto-Lei Zan do qual se fala muito nestes dias, e sobre as bênçãos dos casais homossexuais após as discussões dentro da Igreja alemã.

 

Refletindo sobre o assunto, o primeiro destaque a ser proposto é a mudança cultural, social e inclusive religiosa em relação ao fenômeno da homossexualidade. Vou me deter na doutrina da Igreja, um tema particularmente delicado.

 

Mudança cultural

Voltando no tempo, não devemos esquecer que o Código de 1917 ao declarar as penas contra o sexto mandamento, usava uma linguagem feroz: "Os leigos condenados contra o sexto com menores de dezesseis anos, ou por estupro, sodomia, incesto, lenocínio, são infames, e também podem se punir pelo Ordinário. Os adúlteros ou concubinários públicos, ou condenados por delito contra o sexto, serão excluídos dos atos legítimos até que se arrependerem” (cân. 2357).

 

E ainda: “Os clérigos constituídos nas ordens menores culpados de delitos contra o sexto serão também punidos com a exoneração do estado clerical bem como, se necessário, com as penas acima referidas. Os clérigos maiores seculares ou religiosos, concubinários inutilmente advertidos, se obrigarão a deixar o ilícito comportamento e a reparar o escândalo com suspensão a divinis, a privação dos proventos, do ofício, dignidade, benefício, conforme o cân. 2176-2181. Se pecarem contra o sexto com menores de 16 anos, ou com adultério, estupro, bestialidade, sodomia, lenocínio, incesto com consanguíneos ou afins em primeiro grau, serão suspensos, declarados infames, privados de qualquer cargo, benefício, dignidade ou encargo e, nos casos mais graves, depostos. Se cometeram outros delitos contra o sexto, serão punidos de acordo com a gravidade, não excluindo a privação do cargo ou do benefício, especialmente se estiverem no cuidado de almas”. (cân. 2358-2359). (Em nota, aos cânones são citados fontes do Decreto de Graciano, pronunciamentos de Urbano VIII, de Bento XIV, das Congregações do Santo Ofício, da Propaganda fide...).

 

O novo Livro VI do Código de 1983 simplesmente fala dos pecados contra o sexto mandamento enquanto dedica alguns cânones para as transgressões contra menores. Com o tempo, houve um aprofundamento da condição da homossexualidade. Foi apontado que a sexualidade pressupõe um processo biológico (o corpo), um processo psíquico (a mente), um processo comunitário (a sociedade).

 

A identidade sexual refere-se à feminilidade e à masculinidade e depende de fatores biológicos, como cromossomos sexuais, gônadas masculinas ou femininas, diferentes padrões hormonais e os órgãos genitais. Todos esses elementos são integrados pelas estruturas cerebrais superiores.

 

As diversidades sexuais são o resultado de eventos biológicos que vão dos genes ao comportamento (mente).

 

Um terceiro elemento chamado para definir a identidade é o chamado componente sociocultural. A sexualidade é sempre inserida em uma estrutura social e cultural, pois a espécie humana evolui por meio de dois processos diferentes e paralelos: o genético e o cultural. Em termos mais simples, refere-se à identidade de grupo.

 

A homossexualidade não é buscada.

Ao enfatizar esse duplo componente da própria identidade, alguns afirmam a distinção entre sexo e gênero; o sexo estaria ligado à esfera biológica do masculino e feminino, o gênero à dimensão entre o psíquico e o cultural. Assinalou-se que, mesmo destacando o segundo componente, aquele psicocultural, ele não se deve ser exagerado, pois o componente biológico não pode ser ignorado.

 

Além das discussões teóricas, a experiência e mesmo a ciência não conseguiram determinar as razões pelas quais uma pessoa se sente sexualmente atraída pelo mesmo sexo.

 

Daí as diversas formas de homossexualidade, com as diferenciações de subgrupos que se expressam como bissexualidade (atração para ambos os sexos), transgênero (mudança exterior), transexualidade (intervenções cirúrgicas e hormonais) que expressam substancialmente a não correspondência entre sexo e gênero. As diferenças entre a homossexualidade masculina e feminina também são destacadas.

 

A ciência e a experiência concreta das pessoas dizem que a condição da homossexualidade não é construída nem buscada: é uma descoberta que pode ocorrer em várias etapas do caminho.

 

O que não é enfatizado o suficiente é a incerteza, o medo, muitas vezes a dor de se sentir homossexual. Problemas importantes são torná-los explícitos, compartilhá-los, como vivê-los. Dramático se for descoberta no casamento com filhos (cf. Fede, omosessualità, Chiesa. Riflessioni pastorali dell’Associazione “Devenir Un en Christ”, Prefácio de G. Daucourt, de F. Strazzari, EDB, Bologna, 2019).

 

Diante de histórias dramáticas tão humanas, os juízos jurídico-morais não podem ser cortantes e genéricos.

 

A primeira observação é que a homossexualidade não foi buscada e, portanto, não é o resultado de escolhas ou ações relevantes do ponto de vista da responsabilidade. Daí o dever do respeito por uma condição que alguns vivem e que têm o direito (também porque não podem combatê-la) de vivê-la. Portanto, agressões, insultos, provocações não são admissíveis.

 

O "estigma" está sempre à espreita, a marca que identifica um grupo de pessoas a ser considerado indigno, perigoso, a ser desprezado. Ainda é uma cultura prevalente porque está ligada a sínteses culturais insustentáveis.

 

Viver a própria homossexualidade

O grande problema é como viver a própria sexualidade para um homossexual. A regra católica geral que se aplica a todos, mesmo aos heterossexuais, é a castidade. Mas os afetos, as paixões, as amizades são permitidas às pessoas homossexuais? Além disso, se a sexualidade pode ser expressa no casamento, um homossexual, para ser cristão, deve permanecer casto e celibatário por toda a vida?

 

É uma condição vivível? Para alguns, sim, certamente não para todos. Daí o risco de uma vida irregular pelo resto da vida. Isso não significa necessariamente um estado de pecado permanente.

 

De fato, as regras da moral católica clássica exigem para cada ação responsável, a matéria grave, a plena advertência e o deliberado consenso. Se a homossexualidade é uma condição vivida e não quista, o deliberado consenso certamente diminui. Esta última condição é proporcional à consciência e à delicadeza do caminho espiritual. Daí um discernimento para cada situação individual.

 

A união civil entre pessoas do mesmo sexo não pode ser regularizada, porque o sacramento do matrimônio é a união do homem e da mulher para a ajuda recíproca dos cônjuges, orientado para os filhos. Como resultado, as causas de nulidade para a homossexualidade de uma ou ambas as partes de um matrimônio católico é declarado nulo pela práxis, por falta de discricionariedade de juízo ou, mais frequentemente, por "incapacidade de assumir as obrigações matrimoniais" (cân. 1095 § 3).

 

Estamos em um "binário sexual"?

A verdadeira dificuldade é que não existe uma moral consolidada para as condições de homossexualidade. Acredito que o Evangelho, as obrigações matrimoniais, a vida espiritual não devem ser suspensas por uma situação particular.

 

Só quem vive intensamente a sua fé, na condição de homossexual, pode ser um guia sincero e autêntico para uma espiritualidade digna do Evangelho.

 

Se esta abordagem for assimilada pela cultura católica, chega-se a uma atitude saudável que compartilha a substância dos eventos, sem ter que forçar situações como alguns movimentos no mundo da homossexualidade pedem.

 

Entre estes, a chamada teoria do “gênero” e a pretensão de parentalidade substituta.

 

O gênero não pode ser o único critério de diferenciação entre masculino e feminino: se a dimensão cultural tem função própria, a dimensão biológica não pode ser ignorada.

 

O projeto de lei Zan introduz os delitos de incitamento ao crime e realização de atos discriminatórios e violentos com base no sexo, gênero, orientação sexual ou identidade de gênero. Financia políticas contra a violência ligada à orientação sexual e à identidade de gênero e institui o Dia contra a homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia.

 

Por sexo - explicam as definições das quais a lei é acompanhada – entende-se aquele biológico; por identidade de gênero a percepção que uma pessoa tem de si mesma como homem ou mulher, mesmo que não corresponda ao sexo biológico; pelo papel de gênero, qualquer manifestação externa de uma pessoa que esteja em conformidade ou em contraste com as expectativas sociais ligadas a ser homem ou mulher; por orientação sexual, a atração emocional ou sexual por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto ou de ambos os sexos.

 

Com essa terminologia e essas definições, o projeto de lei se reporta a teorias segundo as quais a distinção entre os dois sexos feminino e masculino se resolve em construções sociais que repercutem sobre os indivíduos como uma jaula repressiva, o "binário sexual", que exclui e estigmatiza quem não se reconhece nesse binarismo.

 

“A identidade de gênero, argumentam as feministas radicais, é um conceito juridicamente inexistente em nosso ordenamento. Incluí-lo no projeto de lei Zan, já aprovado na Câmara e no aguardo de tramitação no Senado, também poderia abrir caminho ao self-id (autodefinição da própria identidade) e para a expropriação dos espaços femininos” (M. Ricci Sargentini, Corriere della sera, 15 de abril de 2021). Desejar um filho por um casal estável de pessoas homossexuais é um desejo aceitável em si, mas não pode se tornar um direito que implique na comercialização do sêmen e do útero de aluguel, com a consequente posse por quem o adquirir. Comprar filhos é proibido em todo o mundo, com razão. Explicar a uma criança por que ela tem dois pais ou duas mães é violar o crescimento equilibrado do menor.

 

A bênção, entendida como oração de benevolência de Deus, é sempre possível e dirigida a todos. Não cabe a quem está encarregado de invocar a Deus prever o sucesso dessa invocação. Nem julgar a correspondência entre foro externo (externamente irregular) e foro interno (ou da consciência). São Paulo escreve: “Portanto, nada julgueis antes de tempo, até que o Senhor venha, o qual também trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o louvor” (1Cor 4, 5).

 

 

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