Revolução de Outubro da Rússia e o seu legado eclesial, 100 anos depois

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11 Outubro 2017

A Igreja foi forçada a fazer uma escolha difícil e clara, “alistar-se” completamente dentro do Estado a fim de ganhar um pouco de espaço, ou descer para as catacumbas.

A opinião é de Vladimir Zielinski, padre e teólogo ortodoxo russo, em artigo publicado por La Croix International, 10-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O centenário da Revolução de Outubro quase coincide com o dia de outro evento que agora é lembrado apenas por especialistas, a saber, Grande Concílio da Igreja Russa, que restaurou o sistema do patriarcado.

Essas duas consequências da Revolução de Fevereiro ou “Democrática”, ambas de importância incomparável, compartilharam um status semelhante, ou seja, uma queda mais ou menos deliberada no esquecimento.

Certamente, não podemos esquecer a revolução que derrubou o Império Russo e mudou a face do planeta.

Hoje, no entanto, tanto a Rússia oficial, que é muito patriótica e orgulhosa da sua força, quanto aqueles que ainda se opõem a ela ferozmente – com exceção daqueles que são nostálgicos pela URSS – consideram 1917 como uma catástrofe.

Porém, não pelas mesmas razões. Para alguns, a revolução levou à destruição de um Estado poderoso e quase mítico.

Na visão dos outros, a revolução deu à luz um monstro sanguinário. Sanguinário, acima de tudo, para todos os crentes e, principalmente, para a Igreja Ortodoxa, que foi considerada como cúmplice do antigo regime.

Nunca se deve esquecer a escala do martírio que ela sofreu: centenas de milhares de vidas humanas, dezenas de milhares de igrejas destruídas ou profanadas.

Além das vítimas “físicas”, havia também o preço moral que a Igreja foi forçada a pagar pela sua sobrevivência, além de o Concílio de 1917 ter sido jogado no esquecimento.

Com efeito, como alguém poderia sobreviver dentro de um Estado programado desde o início para a morte violenta de todas as religiões?

Teoricamente, essa morte prevista deveria ter acontecido naturalmente, pois, de acordo com a doutrina marxista, a religião deveria ter morrido sozinha com o desaparecimento das condições sociais que a mantinham viva.

Mas quem teria paciência suficiente para esperar por essa morte atrasada se o inimigo já estava condenado? A Igreja foi forçada a fazer uma escolha difícil e clara, ou seja, “alistar-se” completamente dentro do Estado, a fim de ganhar um pouco de espaço, ou descer para as catacumbas.

Envolvida em uma divisão interna com um forte movimento de autodenominados “renovadores”, apoiados pela polícia secreta, que queriam impor a sua linha como a única forma de ortodoxia, a Igreja tradicional decidiu colaborar e aceitar a escravidão dentro do regime, a fim de permanecer viva. A sua cabeça, o Metropolita Sergius, já havia sido preso três vezes anteriormente.

Assim, nasceu a famosa declaração de 1927, incluindo promessas de lealdade incondicional pela Igreja de Cristo ao Estado deicida.

Noventa anos depois, essa decisão permanece no centro dos apaixonados debates eclesiais.

O Metropolita Sergius tomou a decisão correta? Absolutamente sim, diz o Patriarca Kirill. A declaração salvou a Igreja da eliminação completa, diz ele.

Não, argumentam outros, ela não impediu o agravamento da perseguição da Igreja durante os anos 1930.

Embora Stalin tenha mudado a sua política religiosa em 1943, isso aconteceu inteiramente como resultado de fatores políticos. Hitler dera permissão para abrir as igrejas em territórios ocupados, enquanto os aliados haviam manifestado a sua preocupação com o destino dos crentes na URSS.

Não, isso não é uma mentira, mas foi o sangue dos mártires que salvou a Igreja.

Nós quase terminamos com a Revolução de Outubro, mas enfrentamos e continuaremos enfrentando o seu autodenominado “legado” eclesial, que continua sendo um sinal de contradição.

Noventa anos já se passaram. Assim, muitos mártires, embora não todos, foram canonizados, incluindo aqueles que foram adversários convictos da declaração.

O resultado desta última no seu tempo foi a dissolução política e moral da Igreja dentro do Estado, a fim de salvaguardar o seu espaço sacramental.

A situação, agora, é completamente diferente. O Estado e a Igreja trabalham de mãos dadas. Milhares de igrejas foram concluídas recentemente ou estão em construção.

Os bispos agora são os melhores amigos das autoridades locais, enquanto os padres dão bênçãos a bancos e mísseis balísticos. Os valores da Igreja e do Estado tornaram-se tão interligados que se movem na mesma direção.

Essa “identidade comum”, predeterminada pelo espírito da declaração de 1927, foi muito difícil de apoiar no início. Agora, é fácil de aceitar, mas não pode durar indefinidamente.

Um dia, a Igreja russa tomará nova direção de princípio. Ela se afastará da declaração de 1927, indo rumo ao Concílio esquecido de 1917-1918, com a sua escolha de independência, de eleição de bispos e de maiores direitos para os conselhos paroquiais, com a sua abertura ao diálogo e a dignidade redescoberta da Igreja de Cristo.

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