18 Dezembro 2023
Poucas horas antes do aniversário do monarca Francisco, chega a condenação do cardeal dos Focolares, Angelo Becciu, poderoso substituto na época de Tarcisio Bertone e último reduto da italianidade curial que saiu derrotada do conclave de 2013. Bergoglio levou dez anos para encurralar aquele mundo que tem dificultado de todas as maneiras as reformas. Faltava Becciu, natural de Pattada na Sardenha, a vida toda de batina, que entrou no seminário aos 14 anos para ser uma das mentes politicamente mais brilhantes e astutas nos sagrados palácios. E assim este aniversário assume um significado relevante. Isso já havia sido entendido na véspera, alguns dias atrás. Com o pontífice saudando o aniversário, indicando onde ser sepultado.
A reportagem é de Gianluigi Nuzzi, publicada por La Stampa, 17-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma coincidência dos tempos que podia parecer destoante para alguns, como um sinal de fraqueza e renúncia, mas se é escolhida por um pontífice e, em particular, por Francisco, muda.
Aquela frase “Quero ser sepultado em Santa Maria Maggiore por causa da minha grande devoção” à Virgem Salus Popoli Romani, torna-se anúncio de rara força e poder. E assim, mais uma vez, no aniversário, no apagar das velas, o jesuíta Bergoglio impõe a dupla métrica: um aniversário vivido em privado com a sobriedade habitual, mas, na véspera, um anúncio de poucas palavras para indicar onde, num futuro que esperamos seja mais distante no tempo, fazer descansar o corpo. A escolha contém uma mensagem explosiva, cheia de implicações, abre e confirma o significado desse pontificado.
Francisco está em casa na Basílica de Santa Maria Maggiore. Ele entra, ajoelha-se, reza à Nossa Senhora, em silêncio. Há uma dimensão inatingível do Papa quando recita as orações, o tempo se desmancha e as naves relançam as invocações. Numerosas as visitas, 115 aquelas registradas oficialmente, mas devem ser ainda mais. Bergoglio, como Wojtyla e o próprio Ratzinger, não desdenha as saídas do protocolo. João Paulo II se fazia conduzir pelo seu fiel motorista num sedã, de vidros escuros, para ver as pessoas em Trastevere, Bento XVI se encontrava com a fiel freira alemã no convento para uma conversa, Francisco encontra as raízes e renova a oração na Virgem Salus Popoli Romani. Ele a frequenta desde a época em que era arcebispo em Buenos Aires. Vinha da periferia do mundo, já assimétrica em relação àquela cúria romana que em dez anos revolucionou sem igual. E ele quer voltar aqui, para sempre. Portanto, não nas grutas do Vaticano, sob a nave central da Basílica de São Pedro, como 23 outros pontífices, por último Bento XVI, mas perto de Nossa Senhora fora dos muros leoninos.
É o ciclo que se fecha deste pontificado, nascido de uma renúncia e de uma Igreja em sofrimento. E o círculo cumprido do magistério. É o desejo subjacente de prosseguir sem passos para trás, enquanto a lucidez o acompanha no leme do barco. Assim, precisamente a escolha tornada pública antes do aniversário indica que já supera e redimensiona o tema da morte, tornando-a para nós, leigos, um pouco mais natural do que a percebemos. Climatiza o medo humano, a fragilidade de alguns crentes e aquela agnóstica. Quando isso acontecer, vocês sabem para onde me levar, para longe dos mundos que combati.
Expressa um distanciamento sideral também daqueles jogos de poder que começaram há meses e se intensificam daqueles que apostam que, em última análise, o Papa está pior do que nos dizem. Hoje nos sagrados palácios há quem ouve e interpreta as palavras do pontífice e quem, em vez disso, tenta captar um quadro clínico, compreender como está. Não por afeto, mas por cálculo sobre um imaginário conclave subsequente e para relançar justamente aquela italianidade que falta desde os tempos de João Paulo I, há quase meio século. Entre os sussurros não faltam aqueles que esperam num novo pontífice de ruptura com Bergoglio, com os seus impulsos reformadores teológicos, dogmáticos, curiais e da Igreja no mundo. Assim, mede-se o espectro dos chiados da voz, contam-se os dias de resfriado, calcula-se o ângulo da pálpebra ou da cabeça. Nada de mais evidente nessa Igreja que, como repete um velho ditado, “tem dois mil anos e até sobreviveu a certos padres."
Na realidade, a saúde está estacionária, certamente ajudada pela têmpera e sobretudo revigorada pelo caráter de um homem que cede a ironia, sarcasmo e indulgência diante de semelhantes trivialidades e cálculos estéreis. As próximas viagens, à Bélgica e provavelmente à Argentina, são a resposta imediata às fofocas e àquele insinuante mexericar que Francisco sempre detestou. Mesmo as escolhas duras sobre o Cardeal Raymond Burke e sobre alguns bispos estadunidenses expressam a medida da atual capacidade de gestão, com ou sem resfriado.
Alguns lembram que até o conservador Bento XVI, no final do seu pontificado, afastou monsenhores que se acreditava serem participantes de um lobby gay combatido pelo Papa alemão já nos tempos da Congregação para a Doutrina da Fé. A comparação é pouco generosa, fruto das queixas da Cúria sobre essa redução progressiva dos canteiros abusivos que cresceram sob a Colunata. Mas representam reações que pouco interessam ao Papa, consciente do caminho que ainda o espera.
Por isso, a condenação de Becciu era indispensável para continuar, sem enfraquecer-se e deixar a Igreja aos cuidados da Virgem, e não dos mercadores. Os que passaram já foram demais. A começar por D. Paul Casimir Marcinkus: um dia afastou rudemente Albino Luciani, ainda não papa, mas patriarca de Veneza, dizendo-lhe que corresse para cuidar das ovelhinhas porque “a Igreja não se administra com Ave-Marias e eu cuidarei do seu futuro”.
Não, para Bergoglio, ao contrário, o futuro da Igreja deve abraçar a pobreza, porque só assim será credível. E os mercadores têm que sair. Sem comemorar nem mesmo os aniversários.
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A prova de força de Bergoglio que expulsa os mercadores do templo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU