03 Janeiro 2022
O que as nossas celebrações mostram sobre a Igreja? O que queremos que elas digam sobre a Igreja? Se a liturgia faz a Igreja, é preciso reabrir o canteiro de obras que foi fechado logo após o Concílio Vaticano II.
O comentário é de Patrice Dunois-Canette, jornalista francês e secretário-geral das associações e federações da imprensa católica da França. O artigo foi publicado em Saint-Merry-Hors-les-Murs.com, 21-12-2021. A tradução, da versão italiana, é de Moisés Sbardelotto.
O caráter sistêmico dos crimes sexuais na Igreja está comprovado. Provavelmente, por toda a parte na França, há na comunidade reunida pelo menos uma vítima do crime de pedofilia cometido por padres, religiosos ou leigos católicos, mas também talvez uma mulher, religiosa ou não, abusada.
Há na memória dos fiéis a lembrança de um silêncio, de uma recusa a ver, de uma “lealdade” à instituição que é, admitamos, culpada. O relatório da Ciase [comissão independente sobre os abusos sexuais na Igreja da França] descreveu isso amplamente.
Além disso, as nossas liturgias dominicais (acolhida, intenções, ato penitencial, consagração...) devem abrir espaço às vítimas e permitir que os fiéis se voltem para Deus para lhe pedir que nos afaste de certos modos de ser, que assumamos o nosso lugar e atuemos na Igreja, que ainda pode favorecer ou permitir os crimes, os abusos e a influência, a submissão, a subordinação... É a carne de crianças destruídas, de mulheres abusadas, o verdadeiro lugar de Deus, o corpo de Cristo.
Interrogar-se sobre os desafios da presidência da celebração eucarística hoje: quais são os critérios objetivos de discernimento para presidir a celebração de maneira “justa” (autoridade, capacidade comunicativa, criatividade...)? Em que se baseia a presidência? E quais são as capacidades necessárias para exercê-la?
A Igreja pode ser menos a casa de Deus e mais a casa daqueles que o procuram? Menos um lugar de adoração e de apropriação de Deus e mais um lugar comunitário? Menos um lugar de ensinamentos, de competências sobre origens, fins, vidas justas e mais o lugar de uma comunidade que acolhe, que se interessa pelas pessoas, que quer aprender com elas, alegrar-se com o que elas vivem de belo, com as suas atividades solidárias? Toda essa vida que pode encontrar espaço sob o nome de “fraternidade”...?
Cuidar do tempo antes, durante e depois da assembleia dominical. Dedicar tempo para:
- acolher as pessoas solitárias, as pessoas “estrangeiras”, as crianças...
- aproximar-se, conhecer-se, trocar notícias;
- compartilhar os problemas da vida, as aspirações, os momentos felizes, os difíceis e os dolorosos, os compromissos, aquilo que ficou guardado, aquilo que marcou;
- construir juntos a assembleia, o seu desenvolvimento: perguntar aos participantes se eles têm um canto que os toque;
- convidar os jovens a preparar a oração dos fiéis, a recolher as intenções de outras pessoas, a oferecer um espaço de expressão às crianças, a distribuir papéis e lápis que permitam expressar “histórias de vida”, momentos que deixam rastros;
- dizer que estamos contentes por estarmos ali, por nos vermos, por nos acolhermos: ir beber alguma coisa antes de irmos embora... Retirar algumas fileiras de bancos ou de cadeiras e colocar cavaletes e mesas que permitam a quem quiser se sentar para falar sobre os seus compromissos e as suas paixões... a vida da comunidade, as suas atividades, as notícias uns dos outros, simplesmente.
Orientar uma liturgia que permita entrar no processo inaugurado por Jesus, para nós, na noite da Paixão, com o gesto ao mesmo tempo tão simples e tão inovador, da fração do pão.
Explorar e manifestar concretamente o que significa fazer memória da história da salvação realizada em Jesus Cristo, memória do passado em ação de graças e, ao mesmo tempo, memória do futuro que transforma e mobiliza. Inventar as palavras, os sinais que nos encorajem a ver o mundo como Deus o vê e a agir como ele pelo mundo.
Reconhecer e tornar visível na celebração a identidade que o batismo confere a todos.
- Construir uma celebração que não se pareça mais a algo de um homem detentor de um poder, de um caráter, de um saber-fazer que os outros, aqueles que assistem, não têm...
- Fazer com que cada um possa descobrir na liturgia aquilo que colocamos em comum, aquilo que temos em comum, aquilo que somos em comum, aquilo que devemos fazer em comum, valorizar a pertinência social e política da Eucaristia, aquilo que a ceia do Senhor diz à sociedade, à organização da nossa casa comum, quem coloca essa ceia no centro de suas vidas.
- Fazer com que os fiéis ou uma parte dos fiéis (as primeiras ou últimas filas, os jovens, os pais e os filhos) se movam no momento do ofertório, da consagração, de forma que desapareça a distinção entre presbíteros que celebram e leigos que assistem.
- Guiar uma liturgia que não faça da comunhão do padre um espetáculo, que não faça da comunhão uma procissão de indivíduos que comungam um por vez: o celebrante faz a comunhão junto com todos os batizados. E todos comungam juntos.
- Pedir aos batizados, mulheres e homens, que subam ao altar e façam os mesmos gestos do celebrante no momento da consagração, para indicar que não são mais mantidos longe, sempre como espectadores apenas, por não serem ordenados.
Pedir que o celebrante conceda o seu tempo de homilia – de modo regular e escrito no calendário, incluindo as festas importantes – a homens e mulheres voluntários, dispostos e capazes para comentar as Escrituras, para testemunhar...
- Convidar os fiéis reunidos na assembleia a dialogar em pequenos grupos e a confiar a um ou a outro o papel de porta-voz do grupo em vez da homilia.
- Solicitar a intervenção de uma pessoa “estranha” junto à comunidade, conhecida pelos seus compromissos (ecologia, estrangeiros...), que exerça uma profissão de cuidado, de ensino, de assistência, de segurança, de cuidado das nossas estradas e dos nossos edifícios, de coleta de lixo... para que dê seu testemunho.
- Questionar a “doutrina” das “duas tábuas do Vaticano II”, segundo a qual a homilia só pode ser feita pelo padre que preside ou que está presente.
Muitos divorciados recasados fazem a comunhão. Reconhecer a sua liberdade de batizados e deixar de afirmar que eles devem se privar do corpo do outro, da intimidade erótica, para se aproximar do corpo de Cristo.
Oferecer a possibilidade aos batizados, homens e mulheres, de darem a bênção final; convidar também todos os participantes a levantarem as mãos para abençoar uns aos outros, mas também para abençoar famílias, vizinhos, amigos, colegas de trabalho... pessoas com as quais as relações são difíceis.
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Liturgia: é preciso reabrir os trabalhos do Vaticano II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU