19 Outubro 2020
Eduardo Bruera, oncologista, criou e é chefe do departamento de cuidados paliativos, reabilitação e medicina integrativa do MD Anderson Cancer Center, da Universidade do Texas, em Houston, o maior centro de tratamentos paliativos dos Estados Unidos.
A entrevista é de Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia, 16-10-2020. A tradução é do Cepat.
Os cuidados paliativos, além de buscar bem-estar físico, são essenciais para que a pessoa possa enfrentar e aceitar sua própria morte, ajustar seus assuntos e se despedir em paz. “Mas – adverte – há uma falta de compreensão por parte dos sistemas de saúde, decanos das faculdades e diretores de hospitais a respeito da importância desse acompanhamento”.
Esse foi o seu desafio “e ainda não joga a toalha”. Acaba de publicar “Algunos consejos para médicos que se plantean iniciar una carrera en cuidados paliativos” (Ediciones i), para que não lhes seja tão difícil.
Sua especialidade tem pouco glamour...
Verdade, os cuidados paliativos não têm nada de sexy, já dizia minha mãe.
E por que se envolveu nisso?
Era um oncologista consciente de que o sofrimento humano era quase deixado de lado. Estava convencido que os cuidados paliativos seriam algo brilhante, que todos os sistemas de saúde e faculdades os incluiriam. Equivoquei-me.
Curioso, porque a morte é o momento mais importante da vida.
Um momento em que sempre haverá sofrimento físico, emocional e espiritual, mas não é necessário sofrer tanto, podemos fazer isso melhor.
Fale-me dessa dor.
Quando o doente me diz: “Doutor, sinto dores nas costas”, eu penso na metástase, mas também entendo que possui diante de si todos esses sonhos que não poderá mais cumprir, e essa dor é ainda pior e é preciso contemplá-lo. Mas essa demanda de humanidade deve vir da sociedade, porque não virá das instituições médicas, nem acadêmicas.
Por que não?
A inclinação, a influência biomédica, da farmacologia, dos laboratórios e da onipresença da doença controla tudo de tal modo que você não pode nem virar a cabeça para ver que a razão da existência da medicina é para tratar doentes e não para tratar doenças.
Qual é o desafio?
Como me refazer, como retomar minha pessoa pelo tempo que me resta de vida é o desafio, e nós trabalhamos para isso.
Como se colocar na pele do que morre?
Se eu não sou capaz de compreender que a prioridade de meu paciente é estar no casamento de sua filha, será difícil ajudá-lo. Devo saber o que dá sentido à sua vida, assim posso compreender o que está perdendo e ver como fazer uma substituição.
E se isso não for possível?
Se não for possível, fico com você. O melhor instrumento médico é a cadeira, sento-me ao seu lado e permito que você me diga tudo o que perdeu, que chore, que confie. Identificar e expressar o que acontece com você é um grande alívio.
Fale-me de sua experiência.
Há um montão de estudos não apenas científicos, mas também sobre o comportamento humano por trás do que eu lhe digo. E existe uma enorme evidência na literatura médica que ratifica que se você coloca um grupo de paliatologistas em um hospital, poupa milhões de euros por ano.
Criar uma unidade nova reduz gastos?
Se olha para o senhor João e sua família e ressalta o bem-estar, fará com que se sinta melhor com os tratamentos mais simples que precisam de menos ressonâncias nucleares e terapias caríssimas, que ao final da vida não são úteis.
O que compreendeu da morte?
Tratei uma senhora com um câncer de ovário que sofria muitíssimo, mas resistia à morte porque tinha um filho com problemas mentais e físicos. Nós a ajudamos a entender que precisava encontrar alguém que se responsabilizasse por esse filho. Contatamos a família extensa e com ela buscamos uma pessoa. Morreu aliviada.
Sem dúvida, foram de grande ajuda.
Lembro-me de outra doente com câncer de mama, que não conseguia segurar o seu filho por causa de sua dor. Eu lhe repetia: “Senhora, é normal que tenha dor”, e depois me sentia horrível.
Por quê?
Como é possível que nós, oncologistas, normalizemos a dor? Aprendi muito mais de meus erros do que de meus acertos.
É preciso compaixão na profissão?
É essencial aprender a ter empatia. Não se pode ter empatia com um fígado, nem com um pulmão, mas, sim, com um arquiteto de 40 anos, torcedor do Atlético, que perdeu um filho e que não pode pescar como sempre gostou.
Você está me comovendo.
Para poder exercitá-lo, o músculo da empatia deve se tornar uma parte fundamental da história clínica, das prioridades do hospital e da universidade. Enquanto os cuidados paliativos continuarem sendo algo optativo, secundário, é mais difícil que as pessoas sejam compassivas.
O que compreendeu da morte?
Desde que éramos baratas está em nosso genoma que morrer não é uma boa ideia e que, portanto, nos aproximar do final é uma causa de sofrimento. Mas morrer, e isso é algo que demorei a compreender, também não é uma ideia tão ruim.
Acreditar que não iremos morrer não nos ajuda a viver. Aprendi o valor do momento vendo como pacientes que antes eram presidentes de uma empresa e tinham assistentes, nesse momento, na cadeira de rodas, muito doentes, encontram o valor em ver um passarinho na árvore.
Nunca é tarde?
Sei que os cuidados paliativos não são um tema brilhante e pode ser interpretado como deprimente. Afirmo-lhe que ajudar as pessoas que estão sofrendo, física e psicologicamente, é uma fonte de satisfação pessoal e profissional.
Você não é o doutor morte.
Sou o doutor vida. Viver em condições difíceis em tudo o que for possível e o melhor possível. Acredito que, como bem fez Quixote, é preciso reconhecer que vale a pena lutar, ou como Borges dizia, os cavaleiros só deveriam lutar por causas perdidas. Estou muito orgulhoso.
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“Se não posso salvar sua vida, eu, como médico, fico com você”. Entrevista com Eduardo Bruera - Instituto Humanitas Unisinos - IHU