05 Abril 2019
"Ao falarmos em opção preferencial pelos pobres é importante termos em mente que esta é antes de tudo teológica, mas deve produzir efeitos práticos na vida da Igreja e em diferentes campos da vida do ser humano, tal com as propiciadas pelo Vaticano II, que para efetivar tal opção valorizou o diálogo inter-religioso e ecumênico, modificou a liturgia pra torna-la mais acessível ao povo, enfatizou a corresponsabilidade entre a hierarquia da Igreja e os leigos, criou o conceito de “Povo de Deus” e proclamou a necessidade de mudanças nas estruturas de um sistema gerador de injustiças sociais", escreve Fábio Pereira Feitosa, historiador e especialista em Comunicação.
Eis o artigo.
O ano era 1958 e o mundo assistia à escolha do Cardeal Ângelo José Roncalli para a Cátedra de São Pedro. A escolha do Patriarca de Veneza chamou a atenção do mundo, considerando a idade do agora Papa João XXIII.
Em virtude de seus 77 anos, o novo Pontífice acabou sendo visto por muitos como um Papa de transição, porém ninguém imaginava quais seriam os efeitos práticos para a vida da Igreja advindos desta escolha.
Como mencionado anteriormente, João XXIII era visto como um Papa de transição e como tal não teria tempo para entrar para a galeria dos grandes Papas. Porém, todos aqueles que compartilhavam deste pensamento e até mesmo quem não, foram surpreendidos quando em 25 de janeiro de 1959, ele anunciou na Basílica de São Paulo o desejo de convocar um Concílio Ecumênico, o Vaticano II, tendo sido este convocado pela Bula Papal Humanae Salutis.
Ao analisarmos o Concílio Ecumênico Vaticano II em suas quatro Constituições, em seus nove Decretos e em suas três Declarações, percebemos que este Concílio representa umas das mais importantes e profundas reformas da História da Igreja Católica, bem como inaugurou uma nova fase para esta instituição, sendo esta marcada pelo diálogo intra e extramuros do Vaticano. As diretrizes conciliares resultaram no estabelecimento de um compromisso social da Igreja e sobretudo na reafirmação da opção preferencial pelos mais pobres.
A opção preferencial pelos pobres, tão falada, recomendada e vivida pelo Papa Francisco não é uma novidade na história da Igreja. Tal opção também não se constitui em uma criação que pode ser remetida à Doutrina Social da Igreja, sistematizada a partir de Leão XIII com a publicação da Encíclica Rerum Novarum. Esta opção também não é fruto das diretrizes conciliares, ela tem como principal exemplo Jesus Cristo: “que por causa de vós se fez pobre, embora fosse rico, para vos enriquecer com a sua pobreza (2Cor,8-9)”. A Doutrina Social da Igreja e as Diretrizes Conciliares trazem, aprofundam e aplicam os ensinamentos e a opção de Jesus para os tempos atuais, mas sem perder a essência de sua mensagem.
Ao falarmos em opção preferencial pelos pobres, é importante termos em mente que esta é antes de tudo teológica, mas deve produzir efeitos práticos na vida da Igreja e em diferentes campos da vida do ser humano, tal como as propiciadas pelo Vaticano II, que para efetivar tal opção valorizou o diálogo inter-religioso e ecumênico, modificou a liturgia pra torná-la mais acessível ao povo, enfatizou a corresponsabilidade entre a hierarquia da Igreja e os leigos, criou o conceito de “Povo de Deus” e proclamou a necessidade de mudanças nas estruturas de um sistema gerador de injustiças sociais.
As novas concepções da Igreja, apregoadas a partir do Vaticano II, foram sentidas de modo particular pela Igreja Latino-Americana, que por meio de vários de seus membros buscou desenvolver formas para a aplicação concreta do espírito conciliar na luta pelos Direitos Humanos, na inclusão social de grupos marginalizados e na luta por Justiça Social e Paz. Por esta opção muitos acabaram pagando com a sua própria vida, tais como: Dom Oscar Romero, Dom Enrique Angelelli, Irmã Cleusa, Padre Ezequiel Ramim, Padre João Bosco Burnier, Padre Rutilio Grande, Padre Gabriel Longueville, Padre Josimo e tantos outros.
Diante dos novos desafios trazidos pela chamada pós-modernidade, associada ao processo de globalização, é preciso seguir a trilha daqueles que deram a sua vida pelos mais pobres, estudando, aprofundando e pondo em prática o exemplo de Jesus Cristo e as diretrizes conciliares, sem medo, pois: “O sangue dos mártires é semente da Igreja” (Tertuliano).
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