17 Agosto 2018
"Como pessoas humanas e, sobretudo, pessoas de fé (radicalmente humanas) - conscientes dessa situação de injustiça (situação de pecado) - continuemos a nossa luta por outra América Latina (e Caribe) e outro mundo possíveis", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG, 15-08-2018.
Acesse a primeira parte aqui.
No documento “Paz”, entre os diversos “rostos” da “situação de injustiça” como “situação de pecado”, a II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho de Medellín destaca - além das “tensões entre classes e colonialismo interno” (que vimos no artigo anterior) - as “tensões internacionais e neocolonialismo externo” e as “tensões entre os países da América Latina” (e Caribe).
A respeito das “tensões internacionais e neocolonialismo externo”, os participantes da Conferência afirmam: “Referimo-nos aqui, particularmente, às consequências que traz para nossos países sua dependência de um centro de poder econômico em torno do qual gravitam. Daí resulta que nossas nações, com frequência, não são donas de seus bens e de suas decisões econômicas”.
E ainda: “Como é óbvio, isto não deixa de ter suas incidências no plano político, dada a interdependência que existe entre os dois campos. Para nós interessa assinalar especialmente dois aspectos deste fenômeno”: o econômico e o político.
Em relação ao “aspecto econômico”, “analisamos somente aqueles fatores que mais influem no empobrecimento global e relativo de nossos países, constituindo uma fonte de tensões internas e externas”.
1. “Distorção crescente do comércio internacional - Por causa da perda de preço relativa aos termos de troca, as matérias-primas valem cada vez menos em relação ao custo dos produtos manufaturados. Isso significa que os países produtores de matérias-primas - sobretudo em se tratando de monocultores – permanecem sempre pobres, enquanto os países industrializados enriquecem cada vez mais. Esta injustiça, denunciada claramente pela Populorum Progressio (56-61), anula o eventual efeito positivo das ajudas externas; constitui, além disso, uma ameaça permanente para a paz, porque nossos países percebem que ‘uma mão tira o que a outra dá’.
2. Fuga de capitais econômicos e humanos - A busca de segurança e o critério do lucro individual leva muitos membros dos setores abastados de nossos países a inverter seus lucros no estrangeiro. A injustiça desse procedimento já foi denunciada categoricamente pela Populorum Progressio (24). A isso se acrescenta a fuga de técnicos e pessoal competente, fato tanto ou mais grave quanto a fuga de capitais, devido ao alto custo de sua formação e valor multiplicador de sua ação.
3. Evasão de impostos e envio de lucros e dividendos - Diversas companhias estrangeiras que atuam em nossos meios (também algumas nacionais) costumam burlar com sutis subterfúgios os sistemas tributários vigentes. Constatamos também que por vezes enviam ao estrangeiro os lucros e os dividendos sem contribuir com adequadas reversões para o progressivo desenvolvimento de nossos países.
4. Endividamento progressivo - Não é raro constatar que, no sistema de créditos internacionais, nem sempre são levadas em conta as verdadeiras necessidades e possibilidades de nossos países. Corremos assim o risco de afundarmo-nos em dívidas, cujo pagamento absorve a maior parte de nossos lucros (PP 54).
5. Monopólios internacionais e o imperialismo internacional do dinheiro - Com isso queremos sublinhar que os principais culpados da dependência econômica de nossos países são aquelas forças que, inspiradas no lucro sem freios, conduzem (reparem!) à ditadura econômica e ao ‘imperialismo internacional do dinheiro’ condenado por Pio XI na Quadragésimo Ano e por Paulo VI na Populorum Progressio”.
Em relação ao “aspecto político”, “denunciamos aqui o imperialismo de qualquer matiz ideológico, que se exerce na América Latina, em forma indireta e até com intervenções diretas”.
Como essa análise continua atual! Trata-se realmente de uma “situação de injustiça” (injustiça estrutural ou institucionalizada) que é uma “situação de pecado” (pecado estrutural ou institucionalizado), internacional e mundial - hoje talvez até mais grave - que clama a Deus e exige de nós - cristãos e cristãs - um compromisso permanente com a mudança de estruturas.
Por que atualmente a Igreja latino americana e caribenha - em seus documentos - não retoma, com a mesma clareza e firmeza (e com as devidas adaptações), essas denúncias proféticas de Medellín? Não é um pecado de omissão?
A respeito das “tensões entre os países da América Latina” (e Caribe), os bispos afirmam: “Denunciamos um fenômeno especial de origem histórico-política, que perturba as relações cordiais entre alguns países e levanta obstáculos a uma colaboração realmente construtiva: sem dúvida, o processo de integração apresenta-se como uma necessidade imperiosa para a América Latina” (e Caribe).
Continuam dizendo: “Sem pretender ditar normas sobre os aspectos técnicos, realmente complexos desta necessidade, julgamos oportuno destacar seu caráter pluridimensional. A integração, com efeito, não é um processo exclusivamente econômico; apresenta-se antes com amplas dimensões, que abrangem o ser humano todo, considerado em sua totalidade: dimensão social, política, cultural, religiosa, racial etc.”.
Entre os fatores que favorecem essas tensões, salientam:
1. “Um nacionalismo exacerbado em alguns países - Já a Populorum Progressio (62) denunciou o que de nocivo tem esta atitude, precisamente onde a fraqueza das economias das nações exige a cooperação comum de esforços, de conhecimentos, de meios financeiros etc.
2. Armamentismo - Em determinados países, verifica-se uma corrida armamentista que supera o limite do razoável. Trata-se, muitas vezes, de uma necessidade fictícia que responde a interesses diversos e não a uma verdadeira necessidade da comunidade nacional. A propósito, uma frase da Populorum Progressio é particularmente válida: ‘Quando tantos povos têm fome, quando tantos lares sofrem miséria, quando tantos seres humanos vivem submersos na ignorância, toda corrida armamentista torna-se um escândalo intolerável’”.
Infelizmente, essa continua sendo a nossa realidade. Como pessoas humanas e, sobretudo, pessoas de fé (radicalmente humanas) - conscientes dessa situação de injustiça (situação de pecado) - continuemos a nossa luta por outra América Latina (e Caribe) e outro mundo possíveis.
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Medellín em gotas 12ª - Situação de antipaz (2ª parte) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU