09 Agosto 2018
"Deve ser lembrado que a Biologia, como ciência dos organismos vivos, ensina que o mais interessa às formas vivas é continuar vivendo, ou seja, a vida tem um interesse primário (único) que é viver. Por outro lado, do ponto de vista filosófico, se há algum interesse numa ação, obviamente não existe nenhum altruísmo efetivo nela", escreve Luiz Eduardo Corrêa Lima, professor titular do UNIFATEA/Lorena/SP, em artigo publicado por EcoDebate, 08-08-2018.
Nos tempos atuais a Sustentabilidade passou a ser palavra de ordem em quase todas as atividades humanas, mas o verdadeiro conceito de sustentabilidade passa muito longe do que efetivamente tem sido visto como modelos sustentáveis. Lima (2015), comentou sobre o fato do conceito de sustentabilidade ser usado indevidamente, chamando a atenção para uma possível ação programada para tentar enganar a população e desvirtuar a essência do conceito.
Entretanto, além das falcatruas e dos embusteiros, ainda existe realmente muita dificuldade de entender o conceito de sustentabilidade por grande parte da população e assim, muitas pessoas acabam confundindo as coisas em nome da sustentabilidade. É claro que aqui também existem os aproveitadores, que se utilizam dessa condição, mas, por outro lado, também existem aqueles que até querem ajudar e pensam que estão fazendo certo e, se até fazem errado, certamente é por falta de conhecimento em consequência principalmente da má informação.
Nesse sentido está se e propondo a fazer uma pequena síntese do atual estado de coisas sobre aplicação correta do conceito de sustentabilidade, para que se possa ter uma verdadeira imagem do que acontece e do que deveria estar acontecendo em benefício do planeta e da sociedade. Alguns conceitos se tornam necessários para que eu possa dar andamento ao que quero dizer e por isso mesmo os cinco termos (expressões) presentes no título serão objetivamente definidos. Não há pretensão de que paire dúvidas sobre o que está efetivamente se querendo dizer e por isso mesmo, é preciso que sejam esclarecidas e clarificadas todas as questões conceituais.
Nesse sentido, é preciso que sejam apresentados e discutidos as principais palavras chaves envolvidas na questão da sustentabilidade, para que se possa ter um parâmetro comparável e se possa compreender o sentido exato dos termos e as possibilidades concretas de aplicação da noção de sustentabilidade nas práticas antrópicas. Também é discutido o fato de que a sustentabilidade é uma necessidade premente para a manutenção e a continuidade da vida humana na Terra.
A Sustentabilidade é uma palavra oriunda da ideia de Desenvolvimento Sustentável (SACHS, 1986), isto é, aquele desenvolvimento que se faz hoje, mas que visa garantir o amanhã. Quer dizer, a sustentabilidade implica na garantia de que os recursos naturais que estão sendo usados pela população hoje, deverão ser suficientes para serem usados pelas populações futuras, sem que haja prejuízo ambiental ou econômico. Assim, a sustentabilidade se embasa sobre três vertentes fundamentais: a sociedade, o meio ambiente e a economia.
Só existe sustentabilidade efetiva, quando são considerados essas três vertentes de maneira equitativa e complementar. Mas, ainda assim, existem muitas atividades ditas sustentáveis, que na verdade não contemplam a noção real e efetiva de sustentabilidade. A imagem que melhor representa a ideia concreta da sustentabilidade é representada por três esferas que indicam o meio ambiente, a sociedade e a economia, e que se intercruzam equitativamente, determinando uma área de interseção. Essa área de interseção é que consiste na verdadeira sustentabilidade (figura 1). Qualquer coisa diferente desse padrão não pode ser enquadrada totalmente dentro do conceito de sustentabilidade.
Figura 1 – O Tripé da Sustentabilidade.
Nos últimos anos inúmeros autores já citaram e representaram essa imagem ou algo parecido, além de terem trabalhado e discutido bastante sobre esse verdadeiro conceito de sustentabilidade. Há até alguns autores que são contrários à ideia restrita do desenvolvimento sustentável, haja vista que é impossível continuar crescendo economicamente de maneira infinita, dentro de um planeta que é finito (Latouche, 1994). Para esses autores a sustentabilidade propriamente é uma utopia econômica. Entretanto essa utopia econômica, deve ser buscada, no que se refere ao meio ambiente e à sociedade, para garantir a vida humana no planeta.
Pensar em sustentabilidade é pensar na continuidade da vida humana, nas futuras gerações e também na manutenção de inúmeras espécies planetárias que convivem com a espécie humana. Agir dentro da sustentabilidade, sendo esta uma utopia ou não, é a única condição que poderá garantir a continuidade da vida humana no planeta Terra, pois só garantiremos a sociedade, se mantivermos o ambiente onde é possível mantê-la. A economia parece ser o que menos importa no tripé que mantém a sustentabilidade.
É bom lembrar que ninguém vai resolver nada agindo da mesma maneira sempre. É preciso mudar o foco e os procedimentos para se resolver problemas que insistem em continuar existindo. Talvez esteja aí a grande questão humana: queremos sobreviver como espécie por um tempo geológico bem razoável ou queremos apenas ganhar mais e ficar ricos por um tempo extremamente curto?
O conceito de recurso natural é uma questão mais concreta e assim mais simples de ser entendida. O recurso natural é tudo aquilo que existe na natureza (no planeta) e que, de alguma forma está disponível e pode ser utilizado pelas diferentes espécies de organismos vivos para garantir as suas respectivas necessidades e assim garantir a sobrevivência das espécies. Os recursos naturais portanto são a água, o ar, o solo, as plantas, os animais e os minerais (figura 2). O uso desses recursos naturais pode ser mais ou menos impactante ao ambiente local e ao planeta como um todo, em função da pressão exercida pelas espécies vivas e pela disponibilidade total do recurso em questão.
Figura 2 – Representação de alguns Recursos Naturais Planetários.
Obviamente a espécie humana é a que mais se utiliza dos recursos naturais, por conta de sua imensa população, da grande diversidade de recursos usados e da quase infinita possibilidade desses usos. A maioria das espécies vivas, ao contrário dos humanos, usa limitados recursos e de maneira também limitada, pois só usa o estritamente necessário ao seu consumo. Na natureza não há desperdício de absolutamente nada, só os seres humanos são capazes de desperdiçar recursos naturais.
Existem dois tipos básicos de recursos naturais: os renováveis, aqueles que são naturalmente refeitos em relativo tempo curto e os não renováveis, aqueles que não podem ser naturalmente refeitos em tempo curto. Para critérios estritamente antrópicos considera-se como recursos renováveis aqueles que podemos renovar, como uma árvore, por exemplo. Por outro lado, considera-se recursos não renováveis aqueles que não podemos renovar, como um minério qualquer.
O homem, ao longo de sua história evolutiva no planeta, de alguma maneira, procurou tornar útil quase tudo que encontrou e assim, transformou a Terra em sua pretensa fonte “inesgotável” de recursos. A espécie humana se assumiu “dona do planeta” e tem usado os recursos da forma como quer, sem considerar os limites naturais estabelecidos da existência dos mesmos. O resultado dessa usurpação é a degradação planetária quase total em consequência do conjunto das atividades humanas, relacionadas a exploração dos recursos naturais.
É preciso ficar claro à humanidade que existe apenas um planeta Terra e que todos os recursos que utilizados são retirados única e exclusivamente desse planeta. Isto é, a Terra é finita e tudo que tem nela também é finito, inclusive a espécie humana e que o ato de apenas tirar e usar os recursos indefinidamente, só irá levar à escassez dos mesmos mais rapidamente. Assim, é preciso pensar o como e o porquê se deve fazer uso dos recursos naturais, antes de efetivamente utilizá-los.
Consumismo é uma expressão bastante antiga, pois se originou no início do capitalismo, ainda na idade média, entretanto modernamente essa expressão ressurgiu com o intuito de alarmar os seres humanos sobre o excesso de consumo desnecessário de recursos naturais, que é cada vez maior. Aqui será tratada essa noção moderna, oriunda de hábitos de compra exagerados de determinados grupos sociais, que têm produzido uma grande quantidade de consumo de supérfluos e assim utilizado (desperdiçado) significativa quantidade de recursos naturais, sem a devida parcimônia. O consumo excessivo produzido pelas sociedades modernas talvez seja o pior dos males ambientais da atualidade, porque leva ao uso indiscriminado de produtos supérfluos. A figura 3, tenta apresentar a verdadeira dimensão entre o consumo e o consumismo.
Consumir recursos naturais é uma necessidade de qualquer organismo vivo, entretanto, apenas a espécie humana usa mais que precisa e, o que é pior, também deteriora grande parte daquilo que não usa, por conta de outros interesses. Por exemplo, para extrair um minério qualquer muitas vezes é necessário que seja destruída toda área do entorno, a qual possui várias coisas que normalmente não precisariam ser destruídas e poderiam ser aproveitadas para outros fins. Entretanto, quem faz exploração mineral dificilmente atenta para esse fato, assim não se preocupa com o entorno e destrói tudo para conseguir o minério que objetiva.
Esse desperdício é a base da degradação ambiental planetária e também é a porta de entrada da do consumismo. A situação é mais ou menos assim: “só me interessa o que me interessa e o resto que se dane”. Com essa visão se consome tudo o que se quer irresponsável e inconsequentemente, sem avaliar o gasto planetário que essa atitude pode representar. Isso começa na exploração do recurso natural e vai até o comércio do produto dele derivado, onde a situação é efetivamente muito mais grave. Se retira o recurso natural sem o devido critério e o comércio dos produtos tem menos critério ainda, pois no comércio, o que se quer é vender para lucrar cada vez mais e não importa se isso pode trazer algum prejuízo ao ambiente ou mesmo à sociedade. Infelizmente, o lucro a qualquer custo é o motor que move o consumo e que cria o consumismo e não a necessidade real do uso de determinado recurso como deveria ser.
Figura 3 – Comparação entre Consumo e Consumismo.
O consumismo exacerbado e cruel que vivenciamos é fruto direto da propaganda e do marketing promocional, muitas vezes exagerados e indevidos, que acompanham a maior parte dos produtos. Se isso traz alguma vantagem e apresenta um lado bom para a economia, no que se refere ao comércio dos produtos, por outro lado, acaba sendo bastante ruim, pois reforça a degradação ambiental e intensifica o uso desnecessário de recursos naturais pelos seres humanos. Assim, ainda que muitos, iludidos pela propaganda e desinformados da realidade planetária, não percebam, o consumismo acaba sendo um grande mal para a humanidade e uma praga terrível para o planeta, pois acaba por exaurir recursos planetários progressiva e inconsequentemente, por isso mesmo é que o consumismo exagerado que domina, principalmente os ambientes urbanos, precisa ser melhor esclarecido e energicamente combatido por toda a sociedade.
A obsolescência programada surgiu em meados do século passado como sendo um mecanismo que tentava garantir as vendas e o comércio. Na verdade como o nome diz, a obsolescência programada faz referência a criação de produtos programados para ficar obsoletos dentro de um determinado período de tempo. Desta maneira, a obsolescência programada, garantiria concomitantemente o emprego nas fábricas, na geração dos produtos e nas lojas, no comércio dos mesmos. Em tese, essa era, a priori, uma ideia nobre para a humanidade, pois garantiria o trabalho para todos.
Por outro lado, a necessidade de produzir e de comercializar produtos, leva a cada vez mais necessidade de recursos e assim quem sofre é o ambiente natural, a Terra, pois tem que fornecer níveis sempre maiores desses recursos, até que em dado momento esses recurso se esgotem. Foi assim que aconteceu com vários tipos de recursos naturais não renováveis e mesmo com recursos naturais renováveis, que, embora pudessem, nunca foram efetivamente renovados. Depois que esses produtos acabam, ou se arruma outro que possa suprir a necessidade ou os empregos também acabam porque sem recursos naturais não há mais como e nem o que produzir.
Uma fábrica, qualquer que seja ela, desde que Henry Ford criou a linha de montagem, é exatamente igual à outra. Tem um recurso que entra, uma linha de montagem que transforma progressivamente o recurso e vai elaborando o produto final que é desenvolvido pela fábrica. O que muda é o recurso que entra e produto que sai, mas o processo é sempre o mesmo. Bem, enquanto existir recurso, certamente existirá produto, mas se em dado momento faltar o recurso, aí faltará o produto e também o emprego, porque não haverá mais trabalho a ser feito, haja visto que não existirá mais o que produzir.
Olhando por esse lado, a obsolescência programada acaba sendo um grande mal, pois objetiva produzir constantemente e cada vez mais, haja vista que a população aumenta e a necessidade de empregos também. Assim, a tendência é que mais rapidamente os recursos naturais que levam a produção dos produtos se extingam na natureza e a carência desses recursos vai produzir o fechamento das fábricas, o fim da produção daquele produto e consequentemente o fim do comércio.
A obsolescência programada é uma falácia que está por aí a iludir alguns empresários tolos e apenas preocupados com o lucro, pois só serve para aumentar o consumo e assim estimular o consumismo (Figura 4). Mesmo a economia, depois de crescer rapidamente num primeiro momento, vai acabar perdendo muito com a obsolescência programada. É melhor produzir produtos duradouros e de qualidade pois garante a manutenção dos recursos naturais e o emprego por muito mais tempo, além do fato de que a natureza agradece e as gerações futuras também. A sustentabilidade e a obsolescência programada não combinam de maneira nenhuma.
Figura 4 – O verdadeiro objetivo da Obsolescência Programada é o lucro.
A palavra reciclagem aqui estampada está representando muito mais uma ideia do que um conceito propriamente, porque a reciclagem passou a ser modelo generalizado quando a maioria das pessoas pensa ou fala em sustentabilidade. É como se a reciclagem fosse a própria sustentabilidade. Mas, vou tentar esclarecer melhor essa história, a princípio bastante confusa.
Na verdade, a palavra reciclagem surgiu na década de 1970, quando as indústrias foram encurraladas por estavam sendo generalizadamente consideradas e com razão, como os principais degradadores do meio ambiente. Naquela época, a indústria produzia quase 50% menos do que hoje, gastando cerca de 50% mais e de energia, de água e de seus recursos naturais básicos. Além disso, a indústria daquela época não se preocupava com a geração dos resíduos que produzia e muito menos com destinação desses resíduos.
A ideia da reciclagem surgiu da seguinte maneira. Primeiro foram os três Rs (reduzir, reutilizar, reciclar), apresentados no texto da agenda 21, na Conferência das nações Unidas, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992. De lá para cá, tanto a ideia de reciclagem, quanto os três Rs, modificaram bastante. A ideia de reciclagem ganhou muito espaço na indústria e se espalhou, mas também ganhou bastante corpo na sociedade e se diversificou para as mais diversas atividades humanas educacionais, comerciais e culturais. Os três Rs, passaram a ser 4, depois, 5 e hoje já são pelo menos 6 Rs (respeitar, repensar, recusar, reduzir, reutilizar, reciclar), mas há quem proponha até 7 Rs (Figura 5). Enfim, como já foi dito, a reciclagem e as ideias oriundas dela passaram a ser ícones dentro da sociedade, em particular das pessoas mais sensíveis à causa ambiental.
Realmente a reciclagem é algo muito importante e precisa ter seu conceito efetivamente discutido e cada vez mais ampliado no imaginário popular. É necessário de fato que as comunidades tenham a verdadeira dimensão de reduzir, reutilizar e reciclar, como nos três Rs iniciais. Entretanto, existem os outros três termos aqui utilizados, devem ter preferência no que diz respeito à sustentabilidade. Antes de reduzir, reutilizar e reciclar, certamente é preciso aprendera a respeitar a natureza, a repensar sobre sua importância e a recusar a utilização de certos recursos naturais.
Figura 5 – Uma das concepções dos 7 Rs. (Foto: Reprodução EcoDebate)
Quem tem verdadeira consciência ecológica sabe que a reciclagem, que ficou tão famosa e que levou a noção de aproveitamento melhor dos recursos naturais, na realidade, deve ser a última das tarefas a desenvolvida, quando se pensa nos recursos naturais, porque só será reciclado mesmo aquele recurso natural que já tiver sido fonte de análise e mesmo de aplicação de todos os cinco termos anteriores. Isto é, a reciclagem é boa, mas tem muita coisa mais importante que ela e a sustentabilidade necessita ser pensada dessa maneira, pois do contrário se cairá no mesmo marasmo de acabar com os recursos naturais, degradar o meio ambiente e destruir o planeta.
Só é possível reciclar aquilo que já foi usado e se já foi usado, certamente é um recurso natural que veio do planeta e que talvez não precisasse ter sido utilizado, se os três primeiros termos tivessem sido abrangentemente considerados. É preciso trocar a expressão usar livremente pela expressão necessitar vitalmente, pois só será possível fazer uso devido daquilo que efetiva e comprovadamente for necessário. A humanidade já consumiu demais indevidamente e agora já passou da hora de parar, pois atualmente se consome muito mais do que o planeta pode naturalmente repor.
O ano está progressiva e perigosamente mais curto, porque os recursos para um ano têm quantitativamente terminado sempre antes de 31 de dezembro. Esse ano (2016) por exemplo, o ano acabou no dia 8 de agosto, o que significa dizer que já estamos usando recursos naturais do ano que vem e essa tem sido uma prática costumeira nos últimos 20 anos. Até onde será possível chegar? Quanto tempo mais a Terra terá que fornecer esse fundo extra, esse “cheque especial” para humanidade? Quando a humanidade vai finalmente entender que isso não pode acontecer?
Como foi visto até aqui a dimensão entre os conceitos estabelecidos é demasiadamente próxima para ser desconsiderada da sociedade. Toda a questão relacionada a sustentabilidade tem que perpassar pelo meio ambiente, pela sociedade e pela economia, além de ser projetada numa perspectiva futura. Isto é, o tripé da sustentabilidade só pode ser evidenciado e projetado realmente pensando naqueles seres humanos que ainda vão nascer e que têm o direito de herdar o planeta com condições necessárias para que possam se manter vivos.
O relatório Brudtland, 1987 (“Our common future”), chamou a atenção da humanidade para as consequências do estava sendo feito ao planeta e da necessidade da busca de um modelo de Desenvolvimento Sustentável. Já se passaram quase 30 anos da publicação e quase nada de muito significativo havia sido realizado, do ponto de vista global, embora a natureza estivesse dando os seus avisos. Recentemente, a partir da COP 2015 parece que as coisas começam realmente a acontecer. A humanidade está acordando e pretende prosseguir sua história evolutiva no planeta Terra, porém o passivo ambiental é extremamente grande e precisa ser minimizado.
Por outro lado, os conceitos aqui apresentados e discutidos também demonstram que não é possível observar qualquer efeito de sustentabilidade real se não houver “contenção” (racionalidade) no uso dos recursos naturais. Usar os recursos naturais racionalmente é fazer uso da tão falada racionalidade humana. O ser humano tem que entender, que por ser (segundo ele próprio) a única espécie racional deveria ter uma responsabilidade maior com o planeta e que, por isso mesmo, não poderia simplesmente dar fim a todos os recursos naturais. E deveria principalmente saber que o interesse da humanidade tem que ser maior do que o interesse específico de qualquer indivíduo ou grupo social, porque os futuros seres humanos terão que viver nesse mesmo planeta, utilizando os mesmos recursos que ele ainda puder fornecer.
Figura 6 – Será essa a condição que a humanidade quer deixar para os filhos e netos?
Nesse sentido a sustentabilidade é um conceito bastante democrático e cooperativista, porque prestigia o todo da humanidade e não apenas uma parte definida, inclusive projetando e promovendo os que ainda nem existem. Ainda que tenha sido um erro arbitrário e indevido, o planeta já foi apropriado indebitamente pelos seres humanos, os quais se fizeram proprietários da Terra e resolveram modificá-la a bel-prazer, porém os humanos, tanto do passado, quanto os do presente ou do futuro não são melhores e nem piores e portanto devem ter os mesmos direitos sobre a “posse” do planeta.
Percebe-se aqui que mesmo na ilegalidade, na falta de justiça e na irresponsabilidade do ato de usurpação do planeta, ainda parece existir moralidade dos humanos entre si, embora certamente não haja entre os humanos e as demais criaturas, as quais foram consideradas seres menos importantes e cujo valor, lamentavelmente, é definido pela própria humanidade. Estranho isso, mas, infelizmente, é isso mesmo. O ser humano não apenas se sente “dono do planeta”, como também se colocou acima do bem e do mal e entende que pode decidir sobre a existência das demais coisas vivas e, ao longo da história, realmente tem assumido essa postura.
Mesmo que hoje sejam garantidas algumas áreas de preservação permanente e que nelas sejam guardados e preservados alguns ecossistemas naturais e toda a biodiversidade neles contida, a história demonstra claramente que muito da biodiversidade natural já se extinguiu por conta das mais diversas ações antrópicas planetárias e não parece que a humanidade tenha se importado significativamente com esse fato. A espécie humana, até por força da religiosidade, se sente efetivamente “superior” e acredita que deve ter “prioridades” em relação às demais espécies vivas. Embora não esteja sendo discutido aqui, esse mal sociológico, também precisa ser combatido.
É interessante notar que o ser humano só consegue pensar o planeta sobre uma ótica exclusivamente humana, que privilegia e supervaloriza o humano. Talvez aqui esteja o grande problema filosófico da humanidade, que aparentemente parece querer sair de uma postura antropocêntrica histórica, mas na prática não consegue ser diferente do que sempre foi. Isto é, uma espécie dominadora, que não mede esforços para alcançar seus objetivos e que nesse afã, está sempre destruindo o planeta num caminho contínuo e unidirecional, o qual fatalmente irá leva-la à extinção, ao lado de muitas outras que nada fizeram para isso.
Nesse momento e nesse contexto, mais uma vez surge a sustentabilidade, eivada de retalhos dos vícios humanos, mas preocupada com a humanidade, com o planeta Terra e com a biodiversidade existente. O humano só sobreviverá se o planeta tiver condições de mantê-lo e assim é fundamental que se guarde o planeta. Não há nenhum altruísmo na defesa da sustentabilidade, existe sim interesse e intenção de se manter vivo, até mesmo para perpetuar o poder do ser humano sobre a Terra. A sustentabilidade passa assim a ser uma necessidade antrópica de vida e transcendência, sem a qual nada faz sentido. É fundamental ter sustentabilidade hoje e continuar tendo vida e poder sempre.
Aliás, deve ser lembrado que a Biologia, como ciência dos organismos vivos, ensina que o mais interessa às formas vivas é continuar vivendo, ou seja, a vida tem um interesse primário (único) que é viver. Por outro lado, do ponto de vista filosófico, se há algum interesse numa ação, obviamente não existe nenhum altruísmo efetivo nela. A atitude biológica dos organismos vivos em trabalharem para continuar vivendo não tem nada de altruísta. Quer dizer, nenhuma espécie viva, continua vivendo simplesmente por viver, porque isso não justifica nem a própria existência dessa espécie. Assim, fica evidente que todos os organismos vivos querem, antes de tudo viver, porque de alguma maneira, isso é fundamental para si próprio. Desta maneira, se essa afirmativa for verdadeira, como parece ser, realmente não existe altruísmo puro, nem mesmo numa condição estritamente natural.
Os seres humanos, do ponto de vista biológico, não são melhores e nem piores que as outras espécies vivas, são organismos vivos como os demais, talvez apenas um pouco mais organizados em alguns aspectos anatômicos e fisiológicos. Quer dizer, os seres humanos, apesar dos inúmeros erros cometidos, não são bons nem maus. Na verdade, o que o ser humano também quer é viver e se, por acaso, descobrir que a sustentabilidade é o caminho que leva a vida, não há dúvida que a humanidade caminhará nessa direção. Desta maneira, a sustentabilidade deverá ser a condição imperante e obrigatória que regerá a espécie humana doravante, simplesmente porque não existe outra maneira de se manter no planeta.
Realmente é difícil de perceber que esse pensamento possa ter qualquer significado prático, a julgar pelo que tem sido demonstrado pelas atitudes humanas no planeta até aqui, mas certamente essa situação mudará, pois um novo Homo sapiens sapiens está surgindo nos últimos tempos. Esse novo ser humano, ainda tem dificuldade de encarar e de entender o que está acontecendo à sua volta, mas a sustentabilidade vagarosa e progressivamente se implanta como uma necessidade orgânica que auxiliará na manutenção e continuidade da espécie humana aqui na Terra.
Já existem muitos cientistas que apresentam esse pensamento e que acreditam na efetiva mudança dos tempos. Tem gente trabalhando cada vez mais em novas tecnologias de baixo carbono; discutindo limites naturais de controle da população; propondo mais criação de unidades de conservação, promovendo a restauração florestal e efetivando a recuperação de áreas degradadas e até mesmo investigando mecanismos de redução de crescimento econômico. Já há mesmo quem assegure que é impossível crescer infinitamente num planeta finito, independentemente de ser ou não ambientalista.
Serge Latouche (2007), em seu livro, afirmou taxativamente que “não se quer voltar a idade da pedra, mas é possível se viver bem como se viveu em passado não muito longínquo”. Com uma boa condição de vida e sobretudo com expectativa das boas linhagens genéticas, que continuarão produzindo um novo homem, embasado na sustentabilidade, preocupado com a vida e com o planeta, certamente o futuro da humanidade parece ser promissor e ainda será possível demonstrar que a ideia de Latouche não é absurda.
Obviamente nem tudo serão flores, porque certamente haverá situações de escassez, até porque o passivo ambiental apresentado no atual cenário produziu algumas marcas irreparáveis e outras sequelas que não serão sanadas tão facilmente. Mas, a busca constante da sustentabilidade garantirá melhoras progressivas ao planeta e a humanidade e quem sabe até mesmo poderá permitir soluções para algumas situações existentes que, a priori, pareciam ser irreparáveis.
É claro que esse artigo se baseia num cenário imaginário, mas não é impossível sua realização, desde que se queira efetivamente manter a espécie humana vivendo por mais alguns anos no planeta Terra. Para tanto há necessidade de se pensar e principalmente de que sejam realizadas ações dentro dos padrões propostos e estabelecidos pelos fundamentos da sustentabilidade.
A sustentabilidade se apresenta hoje como uma necessidade à existência antrópica e mesmo sendo teoricamente utópica, essa perspectiva terá que se tornar real, porque serão ações sustentáveis que levarão a humanidade a viver em equilíbrio, garantindo a segurança ecossistêmica planetária dos ambientes naturais e artificiais. É preciso que a humanidade prossiga seu caminhar tendo o desenvolvimento sustentável como princípio e a sustentabilidade planetária como objetivo único.
Doravante, é imprescindível que os recursos naturais renováveis sejam sempre renovados na proporção devida e os não renováveis sejam utilizados sempre com a devida parcimônia e seus respectivos usos deverão ser efetivados apenas quando não houver nenhuma outra possibilidade para resolver a questão que se apresenta naquele momento. Isto é, recurso natural não renovável só poderá ser usado quando for estritamente necessário. Repensar o uso dos recursos naturais será sempre uma premissa obrigatória.
O consumismo deverá ser controlado, através de campanhas publicitárias massivas e até mesmo do estabelecimento de legislação internacional específica que proíba essa prática errada e danosa ao planeta e a humanidade. As práticas de recuperar, reutilizar e reciclar garantirão que os empregos sejam mantidos, independentemente da haver ou não nova produção de produtos. Os produtos deverão ter a vida mais longa que for possível, a obsolescência programada deve ter fim e deve ser punida criminalmente.
Para a proteção da biodiversidade e manutenção dos ecossistemas e dos bancos genéticos, as áreas protegidas e as unidades de conservação deverão ser realmente protegidas e progressivamente ampliadas. Além disso, a recuperação florestal nas áreas degradadas de significativa importância, deverão ser priorizadas e terão que acontecer de maneira rápida para permitir a maior regeneração ainda possível. A preservação dos ecossistemas com seus bancos genéticos naturais e a manutenção de áreas verdes naturais ou não, são fundamentais para garantir a sustentabilidade planetária.
Por fim, toda a energia consumida deverá levar em conta a baixa emissão de carbono, projetando, dentro do possível, a redução do acréscimo de carbono na atmosfera e amenizando o aquecimento global. Desta maneira, o investimento em fontes de energias alternativas não degradantes, mormente solar e eólica, deve passar a ser absolutamente prioritário.
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A Sustentabilidade e sua relação direta com a utilização indevida e desnecessária dos Recursos Naturais, com o Consumismo, com a Obsolescência Programada e com a Reciclagem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU