31 Julho 2018
A Inteligência Artificial tende a ser construída por homens, quando não cada vez mais pelas próprias máquinas ou algoritmos (machine learning). Os homens dominam o Vale do Silício. Não sei se na China. Mas, aos dispositivos da Inteligência Artificial se tende a colocar voz de mulher. Não de qualquer uma, mas de entre 30 a 40 anos, e com um toque de sensualidade. É o que refletem as pesquisas elaboradas pelas empresas neste setor. E é o que se traduz na voz de Siri (Apple), de Alexa (Amazon), Cortana (Microsoft), o ou a assistente do Google, etc. Ainda que se possa escolher outras vozes, as femininas vêm por padrão.
A reportagem é de Andrés Ortega, publicada por El Diario, 29-07-2018. A tradução é do Cepat.
Alguns sociólogos acreditam que esta predileção já começa no ventre materno. As citadas pesquisas mostram esta preferência de forma esmagadora, tanto para homens como mulheres usuárias, ao menos por padrão. Nem sempre foi assim. Siri, no Reino Unido, teve inicialmente voz masculina por padrão. Em tempos, Loquendo, corporação multinacional de tecnologia de software, fundada em 2001 na Itália, desenvolveu em castelhano as vozes (mostras concretas de atores com as quais se articulam palavras e frases) de Jorge e Carmen. Jorge, mais desenvolvido, teve mais êxito. Tanto que hoje essa voz ainda está presente em ônibus da Empresa Municipal de Transportes de Madri. Em 2001, em Uma Odisseia no Espaço, o filme de Stanley Kubrick, que completa meio século, a voz do computador HAL da nave era masculina. E tinha algo de malvada.
Ainda são atores os que gravam estas vozes para a inteligência artificial, na medida em que esta se aproxima da linguagem natural. Cada vez mais estão sendo desenvolvidas vozes sintéticas, mas não a são realmente, ao contrário do que acontece com a música. As vozes sintéticas não são geradas do zero, mas de mostras específicas humanas gravadas. Talvez o ponto alto destas vozes seja Hatsune Miku, a cantora virtual japonesa que recentemente protagonizou uma ópera vocaloid, The End, em matadouros de Madri. Interessante, para além da música, também pelo livreto. Primeiro pela diferença de culturas, por exemplo, nas reflexões da protagonista, que se sabe sintética, a respeito da morte, e o que há ou, melhor dito, não há, depois. E depois por algumas das coisas que dizia a protagonista sobre as novas tecnologias. Por exemplo, quando destacava que ela não falava pelo celular com pessoas, mas com o próprio telefone.
Os assistentes pessoais, de momento, são apenas vozes (e Inteligência Artificial) que saem de algum aparelho, inclusive do celular, tablet, PC ou outros dispositivos. Mas, estão começando a desenvolver imagens ou humanoides com estes fins, e esmagadoramente com forma de mulher. Sophia é a de Hanson Robotics, uma humanoide que pela primeira vez obteve, no ano passado, a cidadania da Arábia Saudita, um país no qual os direitos cidadãos são mais que limitados. Outro exemplo recente é Ava Autodesk de uma empresa (Soul Machines) de Nova Zelândia, que leva a ideia do ou da assistente a novas fronteiras, com a qual estão trabalhando alguns fabricantes de automóveis de alta qualidade, e algum banco.
Esta questão do gênero na voz e imagem da Inteligência Artificial está adquirindo centralidade, pois mais inclusivo que seja o reconhecimento facial (o teclado entrará para a história, exceto para alguns, e o reconhecimento facial ainda não se desenvolveu o suficiente para isto), a voz será – já está sendo cada vez mais – a interface central em nossas relações com as máquinas da atual e futura revolução tecnológica.
Um problema, mais que a voz, é o conteúdo da Inteligência Artificial, por algumas limitações dos próprios sistemas (como com Rekognition, o programa de reconhecimento facial da Amazon, prejudicial a pessoas com pele escura), ou o gênero de quem desenha os logaritmos e os alimenta com dados massivos (big data). Transmitem-se assim vieses e preconceitos dos programadores, dos algoritmos que desenham e dos que proporcionam seus dados, não apenas para a mulher, mas para as minorias. Por exemplo, na medicina, a Inteligência Artificial nos Estados Unidos tem uma tendência para os brancos, que são dos que provêm mais dados.
Também pesa na educação. Na Espanha, para citar um exemplo, apenas 13% dos estudantes universitários em carreiras tecnológicas são mulheres, segundo um estudo do Município de Barcelona. E só uma em cada três pessoas que trabalharam no âmbito das TIC é uma mulher. Ainda que haja culturas nas quais, talvez, pela novidade e a necessidade de preencher um atraso, esta situação esteja mudando, como, ainda que possa parecer paradoxal, no mundo muçulmano. É o que colocou em destaque a paquistanesa Saadia Zahidi, que vê uma nova revolução em curso a esse respeito. Mas, tudo aponta que as vozes imperantes neste âmbito seguirão sendo femininas, não feministas.
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Inteligência artificial com voz feminina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU