06 Junho 2018
Nunca antes o Brasil teve tantos homicídios. Foram 62.517 mortes em 2016, último ano com dados disponíveis. O número equivale a um estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, lotado de vítimas da violência ao longo de apenas um ano.
Os dados são do Ministério da Saúde e foram divulgados nesta terça-feira no Atlas da Violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Proporcionalmente, são 30,3 homicídios para cada 100 mil pessoas, também a maior taxa já registrada no Brasil. Para comparação, é 30 vezes a taxa da Europa.
A reportagem é de Amanda Rossi, publicada por BBC Brasil, 05-06-2018.
Veja abaixo 9 dados para entender a violência no Brasil.
As 62.517 vítimas de homicídio no Brasil, em 2016, representam um recorde. É 5% mais do que no ano anterior e 14% mais do que o registrado dez anos antes. Ao longo da década de 2006 a 2016, o aumento do número de mortes foi praticamente contínuo, saindo do patamar de 49,7 mil mortes até chegar aos números mais recentes.
A taxa de homicídios de 30,3 por 100 mil habitantes, também recorde, coloca o Brasil entre os países mais violentos do mundo. A taxa mundial é menor que 10 entre 100 mil habitantes. A taxa média do continente americano, o mais violento do mundo, é metade da taxa brasileira.
Os números do Brasil podem ser ainda maiores. Alguns estudos já demonstraram que grande parte das mortes registradas como "causa indeterminada" no Brasil, especialmente as provocadas por arma de fogo, seriam na verdade homicídios.
Se o cálculo de vítimas incluísse as mortes indeterminadas por arma de fogo, por exemplo, o número de vítimas chegaria a 63.569.
De acordo com o Atlas da Violência, 9,7% de todos os óbitos do Brasil em 2016 foram homicídios. Isso significa que, de cada 10 mortes, uma foi assassinato.
Entre os jovens, essa proporção é ainda mais expressiva. Assassinatos foram as causas de metade das mortes na faixa etária de 15 a 19 anos em 2016 no Brasil.
Esqueça Rio de Janeiro e São Paulo. Há mais de uma década, o Sudeste não está entre as regiões mais violentas do país. A região Norte fica no topo do ranking.
Até 2006, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte tinham taxas de homicídio parecidas, em torno de 25 por 100 mil habitantes. A partir daí, os números começaram a se distanciar. Enquanto a violência no Sudeste começou a cair, se aproximando dos níveis do Sul do país, passou a aumentar continuamente nas outras três regiões.
Uma das razões por trás dessa migração da violência do Sudeste para o Norte-Nordeste é a mudança das dinâmicas do crime organizado. O Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, passaram a disputar territórios em outras regiões do país. Ao longo desse processo, diversas facções criminosas surgiram ou se fortaleceram no Norte-Nordeste, como a Família do Norte (FDN).
De 2011 a 2015, o Nordeste foi a região mais violenta do país. Mas, em 2016, o Norte assumiu a liderança, com um aumento de mais de 10% de um ano para outro.
Veja na tabela abaixo as taxas de homicídio para cada região do país:
(Fonte: BBC Brasil)
A taxa de homicídios de São Paulo tem apresentado queda desde 2006. Naquele ano, o número era de 20,4 por 100 mil habitantes. Esse foi o ano dos maiores ataques do PCC, que paralisaram a capital e parte do Estado. Como reação, dezenas de pessoas foram mortas pela polícia nos meses posteriores.
No ano seguinte, subitamente, a taxa caiu em 24%, para cerca de 15 por 100 mil. Em 2016, chegou ao menor patamar já registrado, de 10,9 por 100 mil.
"São Paulo continua numa trajetória consistente de diminuição das taxas de homicídios, iniciada em 2000, cujas razões ainda hoje não são inteiramente compreendidas pela academia", afirma o Atlas da Violência 2018.
Entre os fatores para a queda da violência em São Paulo, o estudo cita políticas de controle de armas de fogo, melhorias no sistema de informações criminais e na organização policial, envelhecimento da população, além de um aspecto controvertido: a hipótese da "pax (paz) monopolista do PCC, quando o tribunal da facção criminosa passou a controlar o uso da violência letal, o que teria diminuído homicídios em algumas comunidades".
O governo de São Paulo sempre repeliu a hipótese de que o fortalecimento e o monopólio do PCC no Estado poderiam estar por trás da redução da violência.
(Fonte: BBC Brasil)
Na outra ponta, está o Acre, na Amazônia, o Estado brasileiro onde os homicídios mais aumentaram de 2015 para 2016. O crescimento foi de 65%, contra 5% de acréscimo no Brasil como um todo.
O principal motivo por trás do aumento da violência no Acre é uma guerra de facções criminosas pelo controle do tráfico de drogas na região. O Estado faz fronteira com a Bolívia e o Peru, importantes produtores de cocaína. Por volta de 2013, uma nova facção surgiu no Acre, o Bonde dos 13, aliado do PCC e rival do CV.
A violência no Acre tem requintes de crueldade. Uma forma de morte frequente são as decapitações de rivais, muitas vezes filmadas e distribuídas por WhatsApp.
(Fonte: BBC Brasil)
A maior parte das pessoas assassinadas no Brasil é jovem. Das 62 mil vítimas de homicídio, 33,6 mil tinham entre 15 e 29 anos - na grande maioria, homens.
Enquanto a taxa de homicídio na população em geral é de 30,3 por 100 mil, entre os jovens é de 65,5 por 100 mil. Em outras palavras, entre os jovens, o risco de morrer assassinado é mais do que o dobro da média da população.
Já entre os homens jovens, a situação é pior ainda: 123 homicídios a cada grupo de 100 mil. É quatro vezes a média do Brasil.
Além disso, entre os jovens, o risco de homicídio está crescendo mais que o do conjunto da população. Houve um aumento de 7,4% entre 2015 e 2016, contra 5% no país em geral. Novamente, o Acre teve a maior piora - aumento de 85% no assassinato de jovens de um ano para o outro.
Entre os negros, o risco de morrer assassinado é muito maior que entre os brancos. E essa diferença, em vez de diminuir, está aumentando.
Vamos lembrar que a taxa de homicídios no Brasil foi de 30,3 por 100 mil pessoas em 2016. Entre os negros, foi maior, de 40,2 por 100 mil. Já entre os não negros, foi menor, de 16 por 100 mil. Isso significa que os números para a população negra equivalem a duas vezes e meia o da população branca.
Em uma década, entre 2006 e 2016, a taxa dos negros cresceu em 23%. Já a dos não negros caiu em cerca de 7%.
"Os negros são também as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil. Para que possamos reduzir a violência no país, é necessário que esses dados sejam levados em consideração e alvo de profunda reflexão", afirma o Atlas da Violência 2018.
As armas são a principal forma de assassinato. De cada 10 vítimas, sete foram mortas por arma de fogo, em 2016.
"A maior difusão de armas de fogo jogou mais lenha na fogueira da violência. O crescimento dos homicídios no país desde os anos 1980 foi basicamente devido às mortes com o uso das armas de fogo, ao passo que as mortes por outros meios permaneceram constantes desde o início dos anos 1990", afirma o Atlas da Violência.
Em 2003, entrou em vigor no Brasil o Estatuto do Desarmamento, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Se não fosse essa lei, os homicídios teriam crescido 12% a mais, segundo o estudo.
"O enfoque no controle responsável e na retirada de armas de fogo de circulação nas cidades deve, portanto, ser objetivo prioritário das políticas de segurança pública", completa a publicação.
Os dados sobre estupro no Brasil não são precisos. É um crime com uma elevada subnotificação, ou seja, muitos casos não são registrados oficialmente e não entram nas estatísticas.
Existem duas fontes principais de dados de estupro no Brasil: os registrados nas polícias, quando é apresentada queixa, e os notificados pelo sistema de saúde, quando a vítima vai buscar atendimento médico. Enquanto a polícia registrou 49,5 mil estupros em 2016, a saúde contabilizou 22,9 mil.
Apesar de notificar menos que a polícia, a saúde tem dados muito mais completos. É possível saber, por exemplo, a idade da vítima, o grau de relação com o abusador e se foi um estupro coletivo ou não.
Um dos dados mais chocantes é que mais de metade das vítimas de estupro são crianças até 13 anos (51%). Foram abusadas, na sua maior parte, por amigos ou conhecidos (30%) e pai ou padrasto (24%). Apenas 9% são abusadores desconhecidos.
Adolescentes de 14 a 17 anos são 17% das vítimas. Nessa faixa etária, os desconhecidos passam a ser os principais abusadores (32%), seguidos de amigos e conhecidos (26%).
Entre as mulheres maiores de idade, que são 32% das vítimas de estupro, metade dos agressores são desconhecidos.
Os dados também revelam que duas de cada 13 vítimas sofreu estupro coletivo (por mais de um abusador). Além disso, muitas mulheres são vítimas de estupro mais de uma vez na vida. De cada 10 vítimas atendidas pela rede de saúde em 2016, quatro já tinham sido estupradas em outra ocasião.
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Recorde de homicídios e estupros de crianças: 9 dados que você precisa saber sobre a violência no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU