29 Setembro 2016
"É verdade, ao ódio, não se pode reagir com ódio, porque, caso contrário, não se acaba nunca. Infelizmente, estamos em um mundo tão malditamente repleto de ódio que é difícil sair disso. Mas, se cada um de nós desse um pequeno passo na direção dos outros, talvez conseguíssemos melhorar um pouco as coisas." Pronunciando essas palavras, Roberta Cappelli, uma das sobreviventes do atentado de Nice do dia 14 de julho passado, que, na cidadezinha francesa, perdeu os seus sogros, Angelo D'Agostino e Gianna Muset, parece pensar como o papa. Ela, com dezenas de outros familiares das vítimas (86 mortos, dos quais cerca de 30 de fé e cultura muçulmanas), estava no Vaticano, na Sala Paulo VI, no sábado, 24 de setembro, para se encontrar com Bergoglio.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no sítio Internazionale, 27-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O papa fez um discurso e, depois, abraçou, trocou algumas palavras e sorrisos, em uma palavra, deu conforto àqueles que foram atingidos por um luto cujos efeitos, longe de ficarem fechados no privado, tiveram um impacto público extraordinário e dramático.
As palavras de Roberta Cappelli e de outros como ela representam a repentina e necessária assunção de responsabilidade por parte do indivíduo, chamado a dar respostas capazes de ir além da dor do momento, que também, de alguma forma, justificaria o desconforto e a raiva.
Quando Francisco recebe e abraça os parentes das vítimas de Nice, ele certamente faz um gesto cristão, de pastor, alinhado com o magistério que ele mesmo vai propondo, mas também indica, ao mesmo tempo, um modelo de liderança moral, decide romper a solidão dos sobreviventes e caminhar com eles para indicar um caminho de paz, que, precisamente nessa sua irredutibilidade, também diante da morte atroz dos próprios entes queridos, torna-se oposição total ao fundamentalismo dos massacres, seja de matriz islâmica (por mais que esta seja, de fato, frágil no caso de Nice) ou de qualquer outra natureza. Uma lição de história e de ética, de política e de humanismo, diante da qual as atuais classes dirigentes europeias e ocidentais estão surdas ou não estão à altura.
Em vez disso, prevalece a variável louca da pesquisa de opinião e da política do dia a dia, que leva ao desvio e à desorientação de todas as rotas. Assim, as diversas chancelarias naufragam sobre o burkini, para depois serem esmagadas pela política do medo, seja ela agitado por Marine Le Pen, pela inquietante direita alemã, pelo líder húngaro Viktor Orbán – que faz com que o pragmatismo passe como sinônimo de trincheiras, arames farpados e racismo – ou pelo bilionário Donald Trump, uma espécie de Lord Voldemort do mundo real, de tão grotesca e falsa que parece ser a sua figura, exceto se tratar de um candidato com boas chances para a presidência dos Estados Unidos.
No dia 26 de julho, além disso, foi assassinado em Rouen um sacerdote, padre Jacques Hamel. Defensor do diálogo com o Islã, não por acaso chorado também por expoentes muçulmanos franceses, é especialmente um sacerdote católico assassinado na igreja. Um mártir, na tradição e na linguagem cristã, que corre o risco de ser usado pelo integralismo católico e político para reivindicar – em sentido exatamente contrário ao seu pensamento e à sua vida – um hipotético martírio não em nome do Evangelho, mas do choque de civilizações. Estamos diante de uma forma extrema de instrumentalização? Certamente, e é precisamente sobre esse cume delicado que está sendo jogado um jogo decisivo para o futuro desta parte do mundo.
O padre Hamel morreu por causa da busca desesperada por parte dos fundamentalistas de um símbolo religioso que coloque o Ocidente definitivamente em crise: o padre assassinado no coração da Europa pelo grupo Estado Islâmico (IS). Isso servia, em primeiro lugar, para atingir um modelo básico de laicidade: ou seja, a capacidade de diversas fés e culturas de conviver de acordo com as normas compartilhadas de uma cidadania comum (não por acaso, o IS sempre atingiu com dureza também os muçulmanos que não se convertiam a uma espécie de integralismo corânico, herético nos conteúdos espirituais). Mas o outro objetivo político era o de fazer cair os bastiões da Igreja de Roma e talvez, até mesmo antes, os do papado, o primeiro e mais decisivo opositor daquele choque de civilizações, cujo fantasma já é agitado há quase um quarto de século pelos defensores das identidades e dos poderes integralistas.
E não há dúvida de que, de João Paulo II até hoje, a instituição global que, nesse fronte, segurou a bússola e indicou o caminho para líderes e setores da opinião pública foi a Santa Sé, passando por três pontífices – com sensibilidades e personalidades diferentes – e épocas políticas diferentes.
A busca de um denominador comum entre cristianismo e Islã, o repetido apelo-anátema a "não matar em nome de Deus", a rejeição de todo fundamentalismo foram os pontos de referência dessa ação. Parece, no entanto, que essa abordagem não é mais suficiente, que o diálogo entre líderes religiosos dispostos, entre "homens de boa vontade", não é mais suficiente.
Diversos fatores se entrelaçam e determinam um cenário crítico. Entre eles, é possível citar ao menos quatro, cada vez mais frequentemente trazidos à tona também pela diplomacia vaticana: a dureza da crise econômica global dos últimos anos e as suas consequências sobre os países europeus, sobre o welfare, sobre o nível de vida, sobre o desemprego e sobre a pobreza; o aumento dos fluxos migratórios devido aos conflitos, ou seja, os milhões de refugiados que deixam para trás países em chamas, da África, do Oriente Médio e da Ásia (um fenômeno que está mudando a própria natureza das migrações); o aumento dos chamados refugiados ambientais, isto é, daqueles que são obrigados a fugir por causa das mudanças climáticas capazes de destruir colheitas, casas, territórios; a ausência, em amplas regiões do planeta, de direitos civis elementares e de possibilidades de subsistência mínimas, com a consequente expansão de grupos armados, terrorismo, regimes autoritários.
É nesse contexto que Francisco situou o problema do encontro entre povos e civilizações diferentes, mudando o foco sobre a questão das desigualdades. O diálogo, em suma, fundamentado na misericórdia e na capacidade de encontrar linguagens comuns, não pode ignorar a exigência de justiça, a denúncia das desigualdades, da exploração, do tráfico dos migrantes, dos Estados que se enriquecem com as armas, das nações que antepõem os interesses partidários até mesmo diante dos conflitos de consequências humanitárias desastrosas.
E essa abordagem se une à ideia de uma conversão das consciências, de uma revolução na relação com a criação, com o ambiente, com o mundo entendido como entrelaçamento de natureza e história.
Recentemente, durante uma das missas celebradas de manhã em Santa Marta, o papa disse palavras contundentes para alguns: "Nós nos assustamos com alguns atos de terrorismo", disse. Mas "isso não tem nada a ver com o que acontece naqueles países, naquelas terras onde, dia e noite, as bombas caem e caem" e "matam crianças, idosos, homens, mulheres...".
O papa justifica os jihadistas, foi a acusação, rude, mas imediata. No entanto, se tratava de um dado de verdade: somente se nos dermos conta do que acontece "naqueles países", poderemos perceber a gravidade do problema, tomar consciência e, talvez, dar os primeiros passos para mudar as coisas.
Do outro lado do Mediterrâneo, o árabe, há muito tempo começou um debate sobre a necessidade de reformar o Islã e sobre o tema dos direitos humanos e civis. Sobre esse aspecto da questão, expressou-se Mohammad Sammak, conselheiro político do grão-mufti do Líbano, durante o recente encontro pela paz entre líderes das maiores religiões que ocorreu em Assis: "A cidadania de um Estado não se baseia na tolerância, mas nos direitos. Diante do primeiro sinal de mudança ou de tensão nas relações, a tolerância poderia levar a uma violação dos direitos humanos. A tolerância é praticada com um certo nível de superioridade – aquele de alguém que tolera em relação a alguém que é tolerado. Por sua vez, os direitos se fundamentam na igualdade e na justiça, e protegem as relações humanas e nacionais graças ao respeito recíproco. Exatamente do que os nossos Estados nacionais precisam e sobre o qual deveriam se fundamentar".
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Para o papa, o diálogo é uma bússola para o futuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU