Política e religião: a disputa eleitoral de 2012. Entrevista especial com Maria das Dores Campos Machado

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21 Setembro 2012

“Estamos vendo que um grupo de pentecostais está descobrindo que pode se estruturar politicamente em agremiações”, diz a socióloga.

Confira a entrevista.

“Não é só a religião que quer entrar na esfera pública ou os religiosos que querem prosseguir na política, mas as instituições políticas convocam os grupos religiosos para a política”, diz a socióloga Maria das Dores Campos Machado à IHU On-Line, por telefone, ao avaliar o cenário político e as relações estabelecidas entre religião e partidos políticos no Brasil. A capacidade de mobilização dos religiosos, assinala, “tem feito com que eles ganhem uma projeção política e uma capacidade de barganha junto aos políticos”.

Apesar dessa relação não ser recente na história brasileira, talvez o que esteja incomodando nas disputas eleitorais deste ano é o fato de que “os partidos estão sendo hoje, de certa forma, disputados pelos evangélicos”, menciona. Maria das Dores cita o caso do candidato à prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno, que é católico e concorre à prefeitura pelo Partido Republicano Brasileiro – PRB, liderado por membros da Igreja Universal do Reino de Deus. “Tem uma novidade no ar. É quase como se ele estivesse experimentando uma nova estratégia: aliar-se com os evangélicos. Além disso, ele não é um católico qualquer; é um católico que estava trabalhando na Record. (...) A novidade que tem aí é um pouco neste sentido: os grupos evangélicos estão procurando agremiações partidárias onde eles possam agir mais livremente conforme os seus interesses”, constata.

Na entrevista, concedida por telefone, a socióloga aponta para uma possível transferência de votos do PT para o PRB em São Paulo. “Pela citada pesquisa de opinião pública, parece que isso está acontecendo. (...) Tanto é que a Marta Suplicy entrou na disputa para tentar reverter a situação do PT”. Segundo ela, desde as eleições de 1998, a Universal deslocou posições políticas do PSDB para o PT no sentido de ter uma aproximação com o partido. A estratégia, destaca, valeu uma “vitória” para a Universal “não só porque o Lula foi eleito, mas também porque a Universal teve conquistas significativas. Não é à toa que a Rede Record de Televisão é a segunda maior rede de televisão brasileira”.

Na avaliação da pesquisadora, a interferência religiosa na política tem favorecido grupos conservadores, setores que têm uma agenda “centrada na família, no combate ao aborto e no combate à homofobia e todas às demandas do movimento LGBT”. E dispara: “Há um jogo de alianças de alguns grupos pentecostais em desenvolvimento, que foram muito significativos nos últimos anos. (...) Isso é interessante porque, ao mesmo tempo em que a Universal perde fiéis, ela ganha enquanto grupo, enquanto empresa, ou seja, o grupo ganha enquanto força política”.

Maria das Dores Campos Machado (foto) é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre e doutora em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instrução – SBI/IUPERJ. Realizou pós-doutorado no Instituto de Desarrollo Económico y Social de Buenos Aires, e leciona na UFRJ.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Os dados do censo apresentam alguma novidade em relação ao mapa religioso brasileiro?

Maria das Dores Campos Machado –
Têm duas grandes tendências que são interessantes: a expansão dos evangélicos e o declínio dos católicos, porque é primeira vez que cai o número absoluto de fiéis da Igreja de Roma. O outro dado importante é o crescimento dos evangélicos que falam que não têm denominação. Isso é uma novidade, porque já conhecíamos o católico não praticante, mas agora aparece a figura de um ator religioso evangélico que diz não estar vinculado a nenhuma denominação, apesar de ser evangélico. Então, isso nos dá a impressão de que os vínculos com as denominações evangélicas, que eram muito mais acentuados do que entre os católicos, também estão se afrouxando. Na medida em que os evangélicos vão crescendo, eles também ficam mais parecidos com a sociedade e com os católicos, ou seja, se dizem evangélicos, mas não praticam, não conhecem a doutrina. Da mesma forma que existe um hiato entre o que fala o Vaticano, o que fala a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e o que fazem os católicos, pode igualmente crescer um hiato entre os evangélicos. Nesse caso, os pentecostais estariam “se abrasileirando”, se tornando mais parecidos com a população brasileira, e perdendo um pouco o caráter exemplar. Quando o grupo religioso é menor, o controle sobre os fiéis é muito maior. Quando o grupo cresce, a capacidade de controle sobre ele se torna menor, e a tendência também é haver um afrouxamento dos vínculos.

IHU On-Line – Quais são as características e as razões dessa transformação do campo religioso brasileiro em curso?

Maria das Dores Campos Machado –
Os grupos evangélicos são muito mais fragmentados e se, por um lado, eles têm mais dificuldades em termos de capacidade de poder na sociedade, por outro, a fragmentação permite uma agilidade e faz também com que eles consigam uma maior penetração dentro de diferentes grupos sociais. Diante desse quadro, percebemos que existe aí uma crise da Igreja Católica, que não é apenas uma crise nacional como também uma crise no âmbito internacional, por causa de uma dificuldade muito grande de adaptação ao contexto moderno. Isso vai desde a questão da consagração de mulheres, que não é admitida, à dificuldade de aceitar, por exemplo, o uso de contraceptivos artificiais – e mesmo o divórcio. Num contexto onde há um crescimento do feminismo, dos movimentos homossexuais, a Igreja Católica parece estar “meio de costas” para esses movimentos sociais e rejeita o diálogo com eles. Enquanto isso, pequenos grupos religiosos se aproveitam não só dessa dificuldade da Igreja, mas também se organizam de outras maneiras. A Igreja Católica tem uma estrutura muito complicada no sentido de se organizar em paróquia, porque qualquer mudança requer um controle muito grande do Vaticano, enquanto que no mundo evangélico as igrejas surgem na garagem de uma casa ou num galpão. Elas aproveitam “um vazio” que é, ao mesmo tempo, um vazio do Estado que não está presente, e um vazio deixado pela Igreja Católica propriamente dita.

Católicos x evangélicos

Recentemente percorri a Baixada Fluminense, e num bairro encontrei 48 igrejas, sendo que 47 eram templos evangélicos e um era católico. Esses dados demonstram um desequilíbrio muito acentuado em função das características de cada um desses grupos. Como a Igreja Católica enfrenta inúmeros desafios, os evangélicos conseguiram um espaço muito grande para crescer. Eles têm uma enorme plasticidade e são capazes de assimilar tendências de diferentes campos, além de conseguir ressignificar e dar um novo tratamento a novas bandeiras. Além disso, eles conseguem introduzir novas visões de mundo, como a teologia da prosperidade, que está relacionada com os valores norte-americanos.

Então, os evangélicos conseguiram introduzir junto às camadas populares uma concepção de mundo que é muito mais individualista e muito mais afinada com o neoliberalismo. É uma concepção de mundo que aposta na capacidade do indivíduo resolver os seus problemas, desde que aja com perseverança, com fé e atue de forma a conseguir as coisas: se ele fizer acordos com Deus, se apostar nisso, poderá conquistar o seu sucesso.

Individualismo

Veja bem, são grupos que estão trazendo elementos para as classes populares que até então estavam mais presentes na classe média brasileira, ou seja, a ideologia do individualismo. Entretanto, são individualismos diferentes. Nas classes médias, o individualismo entra através de diferentes elementos da cultura da psicanálise. Nas classes populares, esse individualismo chega através do pensamento religioso. Para as mulheres, isso é muito importante, porque a maioria dos pentecostais pobres é do sexo feminino. Então, a ideologia reforça a capacidade do indivíduo, ou seja, a mulher pode conseguir dinheiro, pode trabalhar, tem que desenvolver as suas habilidades, tem que ser autônoma. Com esse discurso, cria-se uma disposição nas mulheres pentecostais; é como se estivessem dando uma justificativa no plano ideológico, mas é uma justificativa diferente, por exemplo, da justificativa do feminismo. O feminismo também tem toda uma ideologia favorável ao trabalho feminino, mas as mulheres precisam trabalhar para elas terem autonomia, para elas se sentirem bem, para elas conhecerem, para elas saberem das coisas. Por sua vez, o discurso religioso estimula as mulheres a saírem para a esfera pública por outro motivo, porque a mulher precisa sustentar os filhos, sustentar a casa. Não se trata tanto da vontade feminina ou da autorrealização como sujeito, mas da possibilidade de as mulheres poderem prosperar.

IHU On-Line – É possível estabelecer alguma relação entre os dados do censo em relação à religião com o cenário político atual? O declínio das religiões tradicionais e a ascensão dos evangélicos podem se manifestar na representação política?

Maria das Dores Campos Machado –
A força dos grupos políticos evangélicos é inegável. Eles têm hoje uma capacidade de influência muito maior do que tinham na década de 1980, e isso tem a ver com a capacidade de mobilização.

Quais são os movimentos sociais que hoje colocam as pessoas na rua? O Movimento dos Sem Terra – MST, o movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros – LGBT, e o movimento pentecostal. São esses os três que conseguem fazer grandes manifestações. Os movimentos pentecostais mobilizam as pessoas nos seus templos e nas grandes paradas, como a Parada para Jesus, e os grandes shows gospel. Essa capacidade de mobilização tem feito com que eles ganhem uma projeção política e uma capacidade de barganha junto aos políticos. De olho nesse crescimento, há décadas os partidos abriram as portas para esses atores. Então, a ideia é chamar o pastor para se candidatar, não só para ele conseguir se eleger, mas também porque ele trará votos para a legenda. Existe aí o uso pragmático das instituições políticas com relação às religiões. Não é só a religião que quer entrar na esfera pública ou os religiosos que querem prosseguir na política, mas as instituições políticas convocam os grupos religiosos para a política.

Estado x religião

Então, quando o Estado convoca as igrejas ou faz uma política pública e chama uma igreja para participar da implementação, ele está legitimando a ação dessas instituições. A Pastoral da Criança, uma política pública para as crianças, é desenvolvida há vários anos pela Igreja Católica. Quando o PT e a Dilma elaboram uma política para combater o crack, o que acontece? A fundação de comunidades terapêuticas por parte de Igrejas. Então, em vez de o Estado tomar para si a tarefa de cuidar do dependente de droga, o que faz? Dá dinheiro para as igrejas resolverem esse problema. Quando o Estado faz isso, ele convoca as instituições para fazerem política. Por isso tem crescido não só a participação dos evangélicos nas causas legislativas, mas também as parcerias com o governo têm crescido de forma acentuada. Essa é uma demanda legítima deles na medida em que a Igreja Católica e os espíritas participam das políticas públicas.

Um dos grandes problemas dessa atuação religiosa na esfera social é que as pessoas, ao receberem os benefícios, não os percebem como sendo uma ação do Estado, e atribuem as políticas públicas à religião. Isso acaba por favorecer mais ainda o grupo religioso. Percebemos que, além desse crescimento do número de parlamentares com identidade evangélica no Congresso, nas diferentes instâncias legislativas apoia-se a atuação das igrejas, um pouco como coronéis, negociando com os executivos ou com os candidatos o apoio político nas campanhas eleitorais. É o que está acontecendo agora em São Paulo.

IHU On-Line – Como vê a relação entre partidos políticos e religiões? O que as religiões agregam ou desagregam aos partidos? O que significa, no Brasil, o trânsito interpartidos e o trânsito inter-religioso?

Maria das Dores Campos Machado –
Esse deslocamento das fronteiras entre os partidos políticos e as igrejas não é novidade. Basta considerar a existência do Partido Democrata Cristão. Quando analisamos a fundação do PT e o crescimento dele no Brasil como um todo, fica claríssima a importância da Igreja Católica, principalmente com os cristãos ligados à Teologia da Libertação.

O que talvez esteja incomodando é que os partidos estão sendo hoje, de certa forma, disputados pelos evangélicos. Então, por um lado têm partidos que contam com bispos e pastores em seus diretórios, como o Partido Social Cristão – PSC, que tem dezessete representantes no Congresso Nacional, sendo doze deles da Assembleia de Deus. O vice-presidente do partido é Everaldo Dias, um pastor da Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, que foi responsável pelo programa Cheque Cidadão, no governo Garotinho. A máquina do PSC está nas mãos da Assembleia de Deus. Por outro lado, um grupo dessa denominação conseguiu recentemente o registro do Partido Ecológico Nacional – PEN, e outro grupo quer criar o Partido Republicano Cristão – PRC.

Estamos vendo que um grupo de pentecostais está descobrindo que pode se estruturar politicamente em agremiações. Eu já entrevistei muitos deputados federais e estaduais, principalmente do Partido Democrático Trabalhista – PDT, e eles têm muito preconceito com os candidatos religiosos. Os que estão no PT se queixam muito disso também. A própria Marina Silva demorou muito a assumir a sua condição religiosa por causa da discriminação no interior dos partidos. Então, embora os partidos abram a possibilidade da candidatura para os integrantes de instituições religiosas, eles as discriminam.

Por um lado, a Universal teve uma eleição creio ser a de 2002 , em que o Partido Liberal – PL se formava dentro da Igreja da Abolição, no Rio de Janeiro. No início dos anos 2000, em sete estados diferentes o PL era dirigido por pastores da Universal. Depois, com o esvaziamento do PL, criou-se o Partido Republicano Brasileiro – PRB, que hoje também está sendo dirigido por pastores e bispos da Universal. Eles não foram para a política partidária, mas eles estão procurando agremiações partidárias para ter mais destaque, seguir a orientação de seus líderes e ter mais poder. Eles estão criando esses espaços de atuação na política nacional.

Nenhum deles criou um partido evangélico propriamente dito. É sempre um partido cristão, ou procurando ficar dentro desse aspecto. Em uma disputa majoritária, se enfatizar a identidade religiosa, pode criar obstáculos para o bom desempenho nas eleições. Na eleição majoritária existe um amplo leque de apoio, e é isso que possibilita o sucesso de Russomanno em São Paulo, porque o PRB está na mão da Universal, porém o Russomanno é católico. A Universal apostou três eleições no Rio de Janeiro com Marcelo Crivella para cargo majoritário. Ele foi candidato a prefeito e perdeu; foi candidato a governador em 2006 e perdeu; foi candidato a prefeito de novo em 2008 e perdeu. Isso porque ele sempre estava associado à imagem de bispo da Igreja Universal. Ele é pentecostal, é sobrinho do Edir Macedo.

Russomanno é um candidato católico e que está em um partido com lideranças pentecostais. Então, tem uma novidade no ar. É quase como se ele estivesse experimentando uma nova estratégia: aliar-se com os evangélicos. Além disso, ele não é um católico qualquer; é um que estava trabalhando dentro da Record. É um católico que perdeu as eleições em 2010 pelo PT para deputado federal. É um católico que também percebe que é preciso fazer alianças. A novidade que tem aí é um pouco nesse sentido: os grupos evangélicos estão procurando agremiações partidárias onde eles possam agir mais livremente conforme seus interesses.

IHU On-Line – Como explicar o fenômeno Russomanno em São Paulo?

Maria das Dores Campos Machado
– Há uma série de fatores que explicam a popularidade dele. Alguns elementos da biografia de Russomanno são importantes: é alguém que estava na mídia falando sobre algo muito importante, que é a defesa do consumidor. Na medida em que o brasileiro está sendo estimulado a se transformar em um consumidor, tem alguém que o defenda. É um discurso que casa muito bem com essa expectativa de ser consumidor, prosperar, de conseguir um lugar social na sociedade brasileira. Ele tem exposição na mídia e conta com o apoio tanto na Igreja Católica como nas evangélicas. Claro que tem de se considerar que o segmento evangélico é bastante heterogêneo e que nem todo mundo o apoia. Tem um braço da Assembleia de Deus apoiando o Serra, outro apoiando o Gabriel Chalita. Os evangélicos estão divididos. Porém, existe um esforço feito pela liderança do PRB no sentido de atrair os evangélicos para o apoio a Russomanno.

IHU On-Line – Os votos dos eleitores do PT, que tinham uma expectativa de ascensão social, podem ser transferidos para partidos ou políticos que têm o discurso de Russomanno?

Maria das Dores Campos Machado –
Pela citada pesquisa de opinião pública em São Paulo, parece que isso está acontecendo. Parece estar havendo uma transferência de votos. Tanto é que a Marta Suplicy entrou na disputa para tentar reverter a situação do PT em São Paulo.

Desde a eleição de 1998, a Universal começou a deslocar as posições políticas do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB para o PT no sentido de ter uma política de aproximação com este último. Algo que valeu para a Universal uma vitória, não só porque o Lula foi eleito, mas também porque a Universal teve conquistas significativas. Não é à toa que a Rede Record de Televisão é a segunda maior rede de televisão brasileira. Além disso, Edir Macedo e a Igreja Universal têm sido poupados de investigações em relação às denúncias de aviões presos com dinheiro, malas com dinheiro nas mãos de deputados em troca de apoio político.

Alianças – PT e Universal

Há um jogo de alianças de alguns grupos pentecostais em desenvolvimento, grupos que foram muito significativos nos últimos anos. Veja que desde a eleição do Lula o “voto do PT” não era só das comunidades que eles ajudaram. Para o PT chegar ao governo, foram feitas várias transformações não só no seu projeto como também no conjunto de alianças que foram sendo costuradas ao longo desses anos. Isso é interessante porque, ao mesmo tempo em que a Universal perde fiéis, ela ganha enquanto grupo, enquanto empresa, ou seja, o grupo ganha enquanto força política.

As demais igrejas acabam copiando as estratégias da Universal em relação aos partidos políticos. Da mesma maneira foi copiada aquela tendência de dividir os votos e lançar candidaturas por bairros ou por igrejas. As maiores igrejas criam assessoria política, criam comissões para poderem escolher os seus candidatos, criam escolas de formação de liderança política, ministram oficinas (workshops).

IHU On-Line – Num Estado laico, como admitir essa vinculação entre política e religião, apesar de o Brasil ter uma religiosidade característica?

Maria das Dores Campos Machado –
O Brasil tem o valor da laicidade, mas na verdade o Estado não age como um Estado laico, e os grupos religiosos entendem a laicidade de forma muito peculiar. Eles acham que têm o direito de participar do Estado laico.

IHU On-Line – E qual é o limite?

Maria das Dores Campos Machado –
A sociedade é que tem que definir. Os movimentos sociais precisam pressionar. As instituições precisam estabelecer parâmetro. Não é uma questão fácil, mas é uma questão que teremos de enfrentar nos próximos anos.

Quando um candidato religioso se opõe à questão da discriminação da homofobia, ele está dizendo: “Nós queremos falar que o comportamento homossexual é pecado”. Nesse caso, o Estado vai dizer que as igrejas não podem falar isso? O Estado não pode fazer isso. Você percebe? É uma questão complexa. Então, vamos ter que estabelecer limites de onde a liderança religiosa pode falar, e o que é que ela pode falar. O que se entende por discriminação, por exemplo? Essa é uma questão que implica debates. E é compreensível que o movimento LGBT fique ansioso, angustiado, se sentindo injustiçado e precisando resolver a questão, mas também é compreensível que os pastores se sintam ameaçados, porque esses são temas novos, e a mentalidade não muda de uma década para outra.

A questão da homossexualidade saiu do código das doenças muito recentemente. A própria ciência tratava isso com o discurso da anomalia. Essa é uma discussão que leva tempo para ser digerida, para transformar as mentalidades e as próprias ideias dentro dos grupos religiosos.

IHU On-Line - Quais são as religiões que exercem maior influência na política brasileira atualmente?

Maria das Dores Campos Machado –
A Igreja Católica sempre teve um poder muito grande, mas a forma de exercer esse poder é diferente, ou seja, a maneira de estar na política é diferente entre católicos e evangélicos.

Os evangélicos têm apostado na transferência de um capital que já existe para o campo político: o capital da liderança espiritual, ou seja, o pastor, que tem uma influência muito grande, possui uma idoneidade, e as pessoas acreditam nele. Essa estratégia tem sido bem sucedida. Eles lançam candidaturas de pastores e missionários que já têm popularidade junto dos fiéis. Então, você já tem aí um quadro diferente. No Parlamento, é possível identificar facilmente quem são os evangélicos, enquanto que os católicos não, porque eles são leigos. Têm poucos padres e sacerdotes no Congresso Nacional. Nesse sentido, o monitoramento das igrejas evangélicas é maior. Eles realmente controlam os votos. Os votos da Universal sempre foram votos fechados, e os outros partidos não opinavam; são eles que falam em quem vão votar.

Conservadorismo

Por sua vez, a Igreja Católica não precisa ter sacerdotes no Legislativo, porque ela tem outras formas de pressão. Ela pressiona através do Vaticano, do Núncio Apostólico; em Brasília, ela o faz através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Pressiona através do presidente da República, através de concordata. São formas diferentes de interferir na política direta ou indiretamente. A respeito disso, uma novidade é que, se no início dos anos 2000 se tinha uma aliança religiosa com o PT em torno da ética na política – bandeira mais progressista e ligada à esquerda –, o que aconteceu, principalmente a partir do segundo governo Lula, depois dos escândalos do mensalão, é um deslocamento da legenda política desses grupos para o campo conservador. Então, há hoje um ativismo religioso conservador, com uma agenda centrada na família, no combate ao aborto e à homofobia e todas às demandas do movimento LGBT. Isso não acontece só no campo evangélico, mas também no católico, com o crescimento do movimento de renovação carismática católica.

Estou fazendo uma pesquisa no campo católico sobre a formação de liderança tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Tem chamado a atenção o fato de os carismáticos, por exemplo, em São Paulo, estarem usando o lema “Fé e Política”, que foi um instrumento fundamental na formação de lideranças nas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs e do PT. Eles têm usado para formar parlamentares (líderes) carismáticos. Então, tais lideranças têm essa bandeira de defesa da vida, combate ao uso de embriões para pesquisa, combate à eutanásia. Estão com as bandeiras e com a agenda do Vaticano e de Santa Sé. Estamos vendo o deslocamento de um ativismo que está bem alinhado com o conservadorismo.

Mudança política

É nesse sentido que incomoda muito o crescimento da campanha do Russomanno. Ela incomoda e é curioso, porque São Paulo também é um estado onde o Opus Dei é muito forte. Entretanto, eles estão meio perdidos e não sabem bem o que está acontecendo. Por outro lado, a elite paulista é conservadora, da mesma forma que a classe média. Todavia, nos últimos anos teve uma certa hegemonia do pensamento de esquerda em São Paulo. No entanto, está nascendo uma liderança que foge completamente a esse grupo que estava sendo responsável pelo controle político. Então, por exemplo, tem o Geraldo Alckmin que é do Opus Dei, mas tem também lideranças do PSDB, como o Fernando Henrique Cardoso, que não tem religião. Trata-se de um jogo de forças que serve de contraponto. Agora entra um ator (Russomanno) aí que tira tudo do lugar, todas as peças que já eram conhecidas, e introduz elementos que, até bem pouco tempo, não eram vistos com bons olhos. Basta lembrar que, na primeira metade dos anos 1990, o Edir Macedo estava na prisão acusado de charlatanismo.

IHU On-Line – Como vê o uso dos templos para apresentar candidatos? Nesse sentido, como as igrejas se tornaram celeiros de votos?

Maria das Dores Campos Machado –
As igrejas não utilizam apenas o templo. Distribuem DVDs pelos correios também. Uma amiga recebeu um DVD defendendo a candidatura do Eduardo Paes. Quer dizer, são acionados vários mecanismos. Então, quem não vai ao templo recebe DVD em casa, recebe torpedo, e-mail, mensagens no Facebook.

A peculiaridade do templo é o fato de que ali dentro estão concentradas pessoas com muita carência de espaços para debates, para conversa e para discussões sobre qualquer tema. A igreja é uma alternativa e quem está ao lado do candidato é uma pessoa que tem reconhecimento da comunidade. Então, é alguém que está dizendo: “Vote nesse aqui, porque nele eu confio”. A Assembleia de Deus de Santo Amaro apoiou o Russomanno nos templos, e os pastores falaram para os fiéis que o Gilberto Kassab tinha cobrado uma multa de 5 mil reais, porque eles colocaram o nome do candidato na porta da igreja, e isso estava em desacordo com as normas da prefeitura.

Quando mais baixo o nível de escolaridade das pessoas, menos elementos elas têm para formar opinião. Então, o que acontece? A pessoa vota de acordo com as indicações que recebe na igreja. Agora, dentro das regras democráticas ou dentro da nossa legislação, isso não é permitido. Mas quem controla? Existe o Tribunal Regional Eleitoral para fiscalizar, e isso tem de ser cobrado, tem de ser multado.

IHU On-Line - O que é possível vislumbrar para as próximas eleições municipais, considerando a relação entre política e religião?

Maria das Dores Campos Machado –
A identidade religiosa está sendo uma dimensão acionada pelos políticos e pelos grupos religiosos. Ela está sendo usada como instrumento, e não podemos dizer que ela irá determinar o voto.

Quando o Russomanno católico se junta com o partido dominado pelos líderes da Universal, ele faz uma mistura onde a identidade cristã prevalece. Também têm crescido as alianças entre carismáticos e pentecostais no Congresso Nacional. Estamos conduzindo uma pesquisa na área e entrevistamos recentemente uma assessora evangélica. Ela nos contou que acompanha um padre católico em todos os gabinetes para fazer campanha contra o aborto e pressão aos parlamentares. Perguntamos por que ela acompanha o padre, e ela responde: “Porque assim nós agradamos tanto aos evangélicos como aos católicos”. Então, nesse sentido, pode estar acontecendo um ordenamento novo, em que os conservadores aliados irão colocar um projeto cristão acima de um projeto que seja da Assembleia de Deus, que seja da Universal, que seja da presbiteriana etc.

Percebemos que os grupos conservadores estão se aliando não só no Congresso Nacional, mas também na sociedade civil. No plano do Congresso Nacional, os evangélicos fizeram uma parceria com a CNBB e mudaram o nome do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, em abril de 2011, para Fórum Nacional Cristão de Ação Social e Política. No plano da sociedade civil, foi criado um movimento no Brasil chamado “Em Cristo”, que reúne pastores pentecostais e lideranças carismáticas. Esse movimento já fez vários encontros nacionais e tem uma liderança forte em São Paulo, que é carismática, e a CNBB acompanha e monitora isso muito de perto. Então está acontecendo algo que pode ser pensado como uma saída no campo conservador, que serve de contraponto para as tentativas ecumênicas da década de 1960, início de 1970. A aproximação de hoje, diferentemente da década de 1960, é muito mais em torno de plano espiritual e valores morais cristãos. Então, têm coisas acontecendo na sociedade brasileira que teremos de enfrentar não só nessas eleições, mas nas próximas também, no meio dessa força conservadora.

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