1º de maio. Hora de repensar o Brasil que queremos. Entrevista especial com Milton Viaro

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30 Abril 2008

1º de maio. Hora de repensar o movimento dos trabalhadores, nossos problemas no mundo do trabalho. Esse movimento, que viveu uma ascensão no final da década de 1970, está, hoje, revendo seus conceitos e suas formas de lutar. “Hoje, nós temos uma rotatividade muito grande do trabalho, ou seja, um terço da categoria é trocado por ano. A média de permanência dos trabalhadores nas fábricas, hoje, é de três anos. Quem organiza um movimento num ambiente de trabalho desses? Como os trabalhadores constroem laços de solidariedade, de fraternidade e vínculos de luta? Isso se tornou muito difícil”, explicou Milton Viaro, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone.

Milton fala sobre sua experiência no movimento sindical, das renúncias que precisou fazer em prol dessa luta pelos trabalhadores brasileiros e do que ainda precisa ser feito para que a classe finalmente ganhe o Brasil. Para Milton, “a vanguarda da classe precisa fazer um novo projeto, uma nova visão do Brasil que queremos. Essa visão deve envolver toda a sociedade e do mundo do trabalho”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quando você começou a se envolver com a questão sindical?

Milton Viaro – Foi praticamente quando iniciei meu trabalho em fábrica, no ano de 1977, aos 16 anos de idade. Comecei a trabalhar em março e já em agosto do mesmo ano acabei sendo associado ao sindicato. A partir daí, me envolvi em assembléias de campanha salarial e outros tipos de reuniões e depois tive uma participação direta nas eleições do sindicato de 1980.

IHU On-Line – Qual foi o momento mais importante que você viveu no movimento sindical?

Milton Viaro – Nossa! Em 1982, não éramos da direção do sindicato e mesmo assim conseguimos mobilizar e fizemos uma assembléia com mais de cinco mil trabalhadores. Foi a minha primeira grande experiência dentro do sindicato, e, por isso, a mais marcante, ver tantos trabalhadores juntos decidindo pela greve geral do sindicato de São Leopoldo. Nesse evento, foi o momento em que eu falei, pela primeira vez, numa assembléia. Foi quando precisei superar o medo de falar em público. Eu nunca tinha imaginado passar por uma situação dessas até aquele momento, e foi muito interessante.

IHU On-Line – O senhor pode falar um pouco sobre sua vivência junto à CUT?

Milton Viaro – Eu morava em Esteio e, em 1980, participei da pré-comissão que fundou o diretório municipal do PT de Esteio. A minha ficha era a de número quatro. Eu era da comissão responsável pelas finanças. Nesse período do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a questão mais significativa foi a criação do PT através das comissões. Cada comissão, para virar um diretório, precisava se legalizar, e para isso necessitava ter um número “x” de filiados. Então, saímos atrás de gente interessada em formar esse partido. Depois, a luta sindical ascendeu e construímos no Brasil o Congresso Nacional da Classe Trabalhadora. Os problemas econômicos do país levaram a essa grande mobilização nacional e se construiu uma coisa muito interessante, que foi o encontro nacional da classe trabalhadora, em São Paulo, no qual surgiu uma proposta de organização de uma Central Sindical. Nesse momento, era proibida, pela legislação, a reunião de trabalhadores de forma horizontal. Eles só poderiam se reunir através de confederações e federações. Então, unir metalúrgico e bancário, por exemplo, era proibido. Por isso, essas reuniões de multicategorias foram um desafio à ditadura militar e a legislação da época. Acredito que aí o movimento sindical formou lideranças nascidas dessas lutas do final dos anos 1970, que construíram a Central Sindical. Em 1983, fundamos a Central Única dos Trabalhadores.

IHU On-Line – E como você conciliou a vida no movimento sindical com a vida pessoal?

Milton Viaro – Essa foi uma luta pessoal muito difícil, pois a família teve prejuízos bastante grandes. A presença na militância usa todo o período que seria da família. Eu, por exemplo, nesse período, tinha terminado o antigo segundo grau e começava o período de tentar a universidade. Me inscrevi, passei e iniciei o primeiro semestre, mas precisei suspender para me dedicar apenas ao movimento sindical. Tive de renunciar ao estudo e, evidentemente, também, à família. Esta foi muito prejudicada. Meus filhos tiveram um pai ausente. É uma lacuna bastante grande que deixei. A luta exigia muito de nós e nos envolvemos com ela de forma muito apaixonada. Nada que a gente se arrependa, porque os filhos cresceram em volta das nossas lutas, embora eu tenha me separado nesse período. A ausência foi recuperada depois.

IHU On-Line – Como o senhor vê a atuação dos movimentos sindicais durante o governo Lula? Onde avançou e onde regrediu?

Milton Viaro – Penso que estejamos com um grande problema no movimento sindical. Nós temos um refluxo, depois dos anos 1990, com a derrota política que os trabalhadores tiveram na disputa eleitoral. Tratou-se de uma disputa polarizada pelo projeto democrático e popular, alavancado pelo projeto dos trabalhadores, e o projeto liberal, que era o da abertura do Brasil ao mercado. Nessa derrota, mergulhamos num período muito dramático de perda de direitos nos anos 1990, que nos deram prejuízos enormes na previdência, na forma de contratação, na jornada de trabalho e no salário. Tivemos, no período anterior, a conquista da constituinte, a maior vitória dos brasileiros. No entanto, agora me parece que sofremos desse refluxo, com o desemprego sendo o maior problema. Além de tudo, existe a desarticulação dos trabalhadores e da capacidade de organização dos trabalhadores. Com isso, o sindicato perdeu muito a base, o chão da fábrica. Hoje, nós temos uma rotatividade muito grande do trabalho, ou seja, um terço da categoria é trocado por ano. A média de permanência dos trabalhadores nas fábricas, hoje, é de três anos. Quem organiza um movimento num ambiente de trabalho desses? Como os trabalhadores constroem laços de solidariedade, de fraternidade e vínculos de luta? Isso se tornou muito difícil. Me parece que esse é o grande problema que temos: voltar a ter uma ascensão da luta de massas, uma capacidade de organização do local de trabalhão para que a luta retorne. Mas o maior problema não está aí. O maior problema é que carecemos de uma nova estratégia e um novo projeto. O projeto que construímos no final dos anos 1970, lutando contra a ditadura, contra a anistia, foi a criação do PT, da CUT. A nossa referência era eleger o presidente da República e ganhar o Brasil. Por isso, nosso projeto era democrático e popular. Então, nessa perspectiva, me parece que elegemos o presidente e o Brasil não mudou. A nossa idéia de disputa pelo poder estava centrada nas eleições e acho que começamos a nos dar conta que a eleição não é a disputa pelo poder, e sim a disputa pelo espaço no poder. Precisamos reorganizar esse cenário, e a classe trabalhadora deve redesenhar um novo projeto de disputa e hegemonia na sociedade brasileira, um projeto da classe trabalhadora e do povo brasileiro. A classe trabalhadora não tem isso hoje e não está tendo a clareza ainda dessa necessidade.

IHU On-Line - O quanto o trabalhador ainda precisa avançar em relação a essa nova demanda provocada pelas mudanças no mundo do trabalho?

Milton Viaro – Primeiro, eu acho que a vanguarda da classe precisa fazer um novo projeto, uma nova visão do Brasil que queremos. Essa visão deve envolver toda a sociedade e do mundo do trabalho. A grande oposição que podemos fazer ao neoliberalismo é a valorização do mundo do trabalho. Precisamos conceber um novo projeto e uma nova visão de trabalho. Temos de trabalhar para quê? Produzir o quê? Tudo isso deve ser repensado. Hoje, a sociedade está voltada, de forma alucinada, para a produção de lucros. Hoje, o que interessa é o nervosismo e as expectativas do mercado, que são a produção de mercadorias que dão lucros. Lucros são as vitórias de poucos. Valorizar a atividade do trabalho de forma que ele seja pensado como uma atividade criativa, que realiza as pessoas, é o grande desafio. Os trabalhadores sabem dessa necessidade. Então, o que falta é um movimento dentro do Brasil.

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