30 Dezembro 2025
"Graças à parresia (liberdade de expressão) jurídica, saudamos um livro que faz bem à Igreja e ao debate sobre o acesso das mulheres ao ministério ordenado. Luigi Guzzo, em seu percurso de argumentação e documentação, encontra as palavras institucionalmente mais oportunas para colocar cada um diante de suas próprias responsabilidades jurídicas, teológicas e pastorais."
O artigo é de Andrea Grillo, teólogo italiano, publicado por Come se non, 17-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Um livro recém-lançado, cujo autor é o jovem canonista Luigi Mariano Guzzo, permite refletir sobre o tema debatido da “ordenação das mulheres” com uma perspectiva pouco frequentada e frequentemente ignorada por completo. Na convicção, a seu modo fundada, de que a questão exige antes de tudo uma resposta de caráter teológico, à qual o direito “se segue” como efeito. Na realidade, este modo de pensar não é muito antigo, mas deriva da reviravolta que a codificação (1917 – 1983) introduziu na experiência da Igreja Católica.
De fato, esta “virada positiva” da lex canonica transformou o ofício do canonista, que hoje pode se limitar a ser simplesmente o funcionário que auxilia na aplicação da lei e não faz perguntas sobre o futuro. Com um direito canônico totalmente “positivo”, todo escrito em forma universal e abstrata, pode-se pensar que o canonista não tenha qualquer necessidade de ser “profeta”: aliás, quanto menos o for, melhor viverá. Mas resta, contudo, uma diferença entre lex condita (a lei como ela é) e lex condenda (a lei como deve ser escrita). Por isso é raro, mas não impossível, encontrar profecia nas palavras dos canonistas. Obviamente, isso acontece apenas sob certas condições, objetivas e subjetivas. Em seu livro, Luigi Mariano Guzzo organiza a matéria de estudo de tal modo que pode se permitir uma boa dose de profecia. Por isso, seu livro merece uma leitura atenta.
1. A estrutura do volume
A pesquisa de Guzzo move-se rigorosamente no âmbito do espaço do pensamento jurídico. Neste âmbito, articula seu trabalho em três passagens/capítulos: no primeiro capítulo (9-41), investiga a origem das normas sobre a exclusão das mulheres do ministério ordenado, a partir dos textos mais antigos até os últimos detalhes normativos e disciplinares: o arco histórico vai do Novo Testamento ao pontificado do Papa Francisco. No segundo capítulo (43-80), o autor estuda com fineza a relação entre igualdade e desigualdade batismal, com um interessante entrelaçamento entre identidade eclesial dos sujeitos, direitos inerentes aos sujeitos, prerrogativas comunitárias e interpretações do “poder” em relação ao “serviço”. Até chegar ao terceiro capítulo (81-115) que, após as reconstruções históricas e jurídicas dos dois primeiros passos, propõe uma via “reconstrutiva” para o reconhecimento da “capacidade jurídica das mulheres de receber a ordem sagrada”. Parece-me que, já pela avaliação da estrutura, pode-se apreciar a lucidez com que se agarra a ponta de um novelo que se apresenta muito intrincado, mas que alguns princípios límpidos podem desenredar com grande eficácia. Eis, então, os argumentos mais preciosos que podem ser aqui recordados.
2. A sequência das argumentações
O leitor, se tiver a paciência de atravessar a reconstrução histórica, percebe logo o frescor das palavras com que L. Guzzo propõe seus argumentos. Sem rodeios, reconhece imediatamente a pretensão forçada de alguns juristas que querem fazer da “reserva masculina” uma norma de “direito divino”. É claro que, se o jurista pudesse encontrar, fora de si, uma força vinculante tão autoritária, poderia ser tentado a dar esta solução à questão. A doutrina, neste caso, deveria impor a coerência à norma.
A análise histórica mostra, por outro lado, a profunda dependência das normas históricas em relação à pressão de culturas incapazes de reconhecer autoridade em qualquer mulher. O uso do conceito de “direito divino” para encerrar a discussão aparece como a cobertura de um preconceito mediante uma atribuição não provada à vontade de Deus. Muito interessante, por outro lado, é a acurada discussão sobre a possibilidade de configurar uma legitimação batismal, não limitada por incapacidade “por natureza”, mas eventualmente limitada “ope legis” (por força da lei). A superação dos argumentos “naturais” referidos à mulher torna frágil uma argumentação que queira recuperar a mesma incapacidade, mas motivando-a não com base na rerum natura (natureza das coisas), mas sim com base em uma não bem definida ope legis.
Qual seria a justificativa “legislativa” da incapacidade? Guzzo mostra com grande clareza que o pensamento jurídico, quando propõe a insuperabilidade da “reserva masculina”, tende a fechar-se sobre si mesmo e a tornar-se “autorreferencial”. Resta o fato de que o direito, em sua lógica essencial — onde nunca se pode “chutar a bola para a arquibancada” falando de “nupcialidade”, de “masculinidade do ministro” ou de “perturbação da ordem da salvação” — deixa claro que, se deixado como está, o direito considera a mulher “incapaz” de receber a ordenação. A “incapacidade” pode derivar ou do fato de que o sexo masculino é necessário à substância do sacramento da ordem, ou porque o sexo feminino é um impedimento à recepção daquele sacramento. Resta, de todo modo, justificar como esta “incapacidade” pode ser defendida diante do princípio da igualdade batismal. Este é o ponto juridicamente incontornável.
3. As conclusões
A força das agudas análises jurídicas, como as que lemos no livro de Luigi Mariano Guzzo, parte de uma desvantagem que se converte em um título de mérito. A desvantagem consiste no fato de que, em uma certa visão difundida, as considerações jurídicas chegam sempre “depois”: primeiro cria-se uma mentalidade, elaboram-se caminhos vitais, reconhecem-se autoridades e, depois, o direito certifica essa mudança, adequando as normas à realidade mutada. Mas as coisas nem sempre funcionam assim.
Existem casos em que o direito, com sua autoridade, intervém para sanar contradições do ordenamento à luz de novas formas de vida e de pensamento, de novas dignidades reconhecidas e da superação de velhos preconceitos. Se considerar as mulheres “incapazes” era um lugar-comum culturalmente aceito até o século passado; se a atribuição às mulheres de um papel “privado” em relação ao “público” masculino era, até a Segunda Guerra Mundial, um ponto ainda culturalmente forte e influente, hoje tudo isso não se sustenta mais. Não existem “incapacidades” da mulher para exercer a autoridade em público.
Mas a resistência da teologia é mais forte que a do direito. Um teólogo, diferentemente de um jurista, pode chegar a inventar “princípios marianos e petrinos”, “ordem da salvação a ser tutelada”, “relações nupciais a serem garantidas”, “místicas do serviço a serem alimentadas”, e não sei mais o quê, apenas para plantar estavelmente a mulher no privado e não alterar a exclusiva masculina no espaço público eclesial. Em contrapartida, o canonista, se permanecer um jurista, não se deixa encantar pela névoa deste sono dogmático. Mantém-se lúcido e entende o que está em jogo. Assim, acaba por tornar-se, precisamente ele, justamente enquanto canonista, muito mais profético e criativo no concreto da história, sem poder se permitir — como o teólogo às vezes faz — a liberdade de inventar, sobre as costas das mulheres, irrealidades ameaçadoras, atentados à revelação ou subversões da ordem constituída, que têm apenas a função de erguer uma defesa e garantir o bloqueio do sistema no arranjo adquirido.
Graças à parresia (liberdade de expressão) jurídica, saudamos um livro que faz bem à Igreja e ao debate sobre o acesso das mulheres ao ministério ordenado. Luigi Guzzo, em seu percurso de argumentação e documentação, encontra as palavras institucionalmente mais oportunas para colocar cada um diante de suas próprias responsabilidades jurídicas, teológicas e pastorais. A todas essas disciplinas ele parece perguntar, com serena consequencialidade: até quando teremos o desplante de considerar as mulheres “incapazes” de receber a ordenação ministerial?
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