17 Dezembro 2025
Entre pedidos de reformulação da lei e alta da violência, especialistas defendem políticas públicas que executem o mecanismo legal na prática.
A reportagem é de Bettina Gehm, publicada por Sul21, 13-12-2025.
Às vésperas de completar 20 anos em 2026, a Lei Maria da Penha ainda não é totalmente posta em prática. Um reflexo disso é o alto número de feminicídios no Brasil em 2025, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública: 1.177 casos foram registrados de janeiro a outubro, o que equivale a 4 vítimas por dia e a um aumento de 2,35% em relação ao mesmo período no ano passado.
No último domingo (7), milhares de mulheres tomaram as ruas de várias cidades do país em um movimento nacional de mobilizações que denunciou a escalada do feminicídio. Por um lado, o cenário leva a parte da população a pleitear atualizações no mecanismo legal vigente; por outro, especialistas defendem que é preciso garantir a implementação da Lei Maria da Penha em sua plenitude.
Uma petição online, iniciada pela ativista Bárbara Penna, ultrapassa a marca de um milhão de assinaturas pedindo pela reformulação total da Lei. Bárbara, que foi vítima de uma tentativa de feminicídio em 2013, defende uma série de alterações: que o endereço da vítima seja retirado do boletim de ocorrência; a exigência de um profissional de psicologia em cada delegacia da mulher, para atendimento imediato da vítima e para averiguação de falsas denúncias; a obrigatoriedade de ressarcimento financeiro à mulher vítima por parte do réu agressor, dentre outras.
Bárbara afirma que o abaixo-assinado “nasceu da dor” não apenas dela, mas de famílias de todo o país que perderam mulheres e crianças para a violência doméstica, e das sobreviventes que seguem desamparadas mesmo após buscar ajuda.
O Sul21 procurou a organização Themis, que participou da formulação da Lei Maria da Penha em 2006, para entender se a legislação necessita de alterações para estancar esse índice crescente. Para a entidade, no entanto, o passo mais urgente é fazer valer a normativa que já existe.
“É complexo dizer que alterações [na lei] não são bem-vindas – não é sobre isso”, enfatiza Rafaela Caporal, coordenadora da área de Enfrentamento às Violências da Themis. “Mas é necessário entender qual é a efetiva mudança que essas alterações vão trazer na prática da vida das mulheres. Porque, se temos uma legislação bastante conhecida, e em 20 anos não conseguimos implementar a sua totalidade, as alterações também vão ser difíceis de ser implementadas. É preciso garantir que o que está na legislação seja cumprido”.
Quando se trata de segurança da mulher, o Rio Grande do Sul tem somente 22 delegacias especializadas e 8 postos de atendimento, sendo que apenas duas unidades têm atendimento 24h.
Já a Patrulha Maria da Penha, responsável por monitorar as medidas protetivas com maior risco, está ausente em mais de 70% dos municípios gaúchos. Mesmo assim, a Brigada Militar incluiu 10.961 mulheres vítimas de violência no programa em 2025.
O estado registrou 68 feminicídios este ano até o mês de outubro, um aumento de 19% em relação a 2024. Cinco casos foram registrados na Capital.
O STF decidiu, por unanimidade, que mulheres afastadas do trabalho por violência doméstica têm direito a receber um benefício do INSS por até seis meses. O afastamento pode ser determinado pela Justiça, mantendo o vínculo empregatício e o pagamento do salário. Para trabalhadoras… pic.twitter.com/DJDJZxdjOf
— GloboNews (@GloboNews) December 17, 2025
“A lei é muito importante e muito contundente, pois abarca as esferas da violência doméstica não apenas no sentido de responsabilização do agressor, mas também de medidas sociais e educativas para a prevenção da violência”, explica Caporal. “A questão é que muitas coisas previstas na lei não são implementadas. É preciso pensar em como garantir políticas públicas no sentido de implementá-las. Se não houver um Estado que investe em políticas de enfrentamento à violência de uma maneira ampla, um dispositivo legal sozinho não faz nada”.
Uma dessas políticas públicas é a Casa da Mulher Brasileira, um local de acolhimento para mulheres em situação de violência sexual e doméstica. O governo federal anunciou, em julho, a construção de duas unidades no Rio Grande do Sul: uma em Porto Alegre, que será implementada no bairro Rubem Berta, onde atualmente funciona o Centro Vida; e outra em Caxias do Sul.
O processo de definição dos locais para implementação do equipamento foi moroso. O início das obras estava previsto para este ano, com entrega programada para 2026. No entanto, somente em novembro é que a decisão sobre o terreno em Porto Alegre foi tomada entre a Secretaria da Mulher (SDM) e representantes do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM-RS).
“A violência é multifatorial, e a ação contra essa violência também é de diversas frentes. E é uma transformação social bastante complicada, porque os papéis de gênero e a cultura de violência estão enraizados na sociedade – não é tão fácil assim reverter essa lógica”, alerta Caporal. “Precisamos pensar em uma rede fortalecida, em investimento, em um sistema integrado que converse entre delegacia, sistema de justiça, sistema de saúde, sistema de assistência social. Hoje, enquanto sociedade, acabamos atuando depois que a violência acontece. Mas a prevenção à violência é algo que ainda tem lacunas”, afirma.
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