12 Dezembro 2025
"Quando a formação presbiteral se deixa guiar prioritariamente por tais elementos: panos, fumaça e prodígios, corre-se o risco de produzir não pastores, mas personagens. E, como diversos estudos têm ressaltado, personagens não sustentam processos, não acompanham comunidades ao longo do tempo, não amadurecem com elas nem permanecem firmes nas inevitáveis noites escuras da vida ministerial", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos), Província do Sul, mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Eis o artigo.
Nas últimas décadas, observa-se um crescimento significativo no número de publicações, estudos analíticos e pesquisas empíricas dedicadas à formação presbiteral, muitos deles apoiados por instrumentos da ciência estatística para delinear o perfil dos candidatos ao ministério ordenado. Esse avanço tem permitido uma compreensão mais ampla e precisa dos desafios atuais enfrentados pelos processos formativos. Nesse contexto, torna-se evidente que, em diversos ambientes eclesiais, a formação presbiteral convive atualmente com uma curiosa crise de prioridades.
Enquanto documentos e orientações eclesiais enfatizam reiteradamente a necessidade de formar presbíteros capazes de exercer um ministério pastoral próximo do povo, sensível às exigências do Evangelho e atento à complexidade das fragilidades humanas, alguns seminários parecem orientar-se por ênfases formativas que, embora vistosas, mostram-se secundárias, ou mesmo distorcidas, em relação ao núcleo essencial do ministério ordenado. Essa dissonância se manifesta, de modo emblemático, em três fenômenos frequentemente identificados na literatura recente: a chamada “teologia dos panos”, a “liturgia da fumaça” e a “pastoral dos prodígios”.
A denominada teologia dos panos articula-se como uma hipertrofia da dimensão estética-litúrgica, reduzindo o sentido de nobre simplicidade recomendado pela tradição e pelo magistério a um campo de excessos ornamentais. Tecidos luxuosos, rendas, brocados e uma minúcia quase técnica na descrição de paramentos passam a ocupar um espaço desproporcional no imaginário formativo.
Estudos qualitativos apontam que certos candidatos ao presbiterado demonstram maior familiaridade com detalhes do vestuário litúrgico do que com conteúdos fundamentais da teologia bíblica, dogmática, da doutrina social da Igreja ou da realidade concreta das comunidades às quais servirão. A liturgia, em tal perspectiva, corre o risco de ser instrumentalizada como palco, deslocando o foco da espiritualidade para a estética.
A liturgia da fumaça, por sua vez, refere-se à supervalorização de elementos performativos, especialmente rituais, que acabam por obscurecer a centralidade do mistério celebrado. O uso excessivo de incenso e de gestualidades teatralizadas, frequentemente interpretado como sinal de “elevação” ou sacralidade, pode ocultar lacunas formativas mais profundas: maturidade humana, clareza vocacional, capacidade de diálogo e inserção pastoral efetiva. A literatura especializada tem alertado que tal perspectiva tende a formar ministros mais atentos à coreografia dos ritos do que ao acompanhamento das pessoas.
Já a chamada pastoral dos prodígios representa a inclinação a substituir a ação pastoral ordinária, marcada por processos, continuidade e discernimento, por intervenções espetaculares, centradas em fenômenos extraordinários, promessas de resultados imediatos ou práticas devocionais desvinculadas de um itinerário pastoral consistente. O risco, aqui, é que o futuro presbítero seja concebido menos como pastor e mais como gestor de experiências religiosas de impacto, em prejuízo de uma pastoral madura, enraizada e comprometida com a realidade concreta das comunidades.
Quando a formação presbiteral se deixa guiar prioritariamente por tais elementos: panos, fumaça e prodígios, corre-se o risco de produzir não pastores, mas personagens. E, como diversos estudos têm ressaltado, personagens não sustentam processos, não acompanham comunidades ao longo do tempo, não amadurecem com elas nem permanecem firmes nas inevitáveis noites escuras da vida ministerial. Personagens dependem de reconhecimento e aplauso; o ministério ordenado, ao contrário, exige fidelidade, serviço e conversão cotidiana.
Diante desse quadro, impõe-se o desafio de recuperar uma concepção integral de formação presbiteral, tal como amplamente defendida na produção acadêmica atual e publicações recentes: uma formação que integre harmonicamente as dimensões humana, espiritual, intelectual e pastoral; que restabeleça o equilíbrio entre dignidade litúrgica e sobriedade evangélica; que promova maturidade afetiva, discernimento, capacidade de diálogo e inserção comunitária; e que privilegie o exercício cotidiano da caridade pastoral acima de qualquer forma de exibicionismo ritual ou busca por efeitos extraordinários.
Em última análise, como reiteram diversos estudos, as comunidades cristãs não anseiam por presbíteros revestidos de artifícios estéticos ou performáticos, mas por ministros capazes de proximidade, escuta, acompanhamento e testemunho. A relevância do presbítero reside justamente na capacidade de tornar visível, por meio de sua vida e de seu serviço, a simplicidade transformadora do Evangelho.
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