Assim, a liturgia foi devolvida ao povo (mas também o povo à liturgia). Artigo de Marco Roncalli

Foto: Vatican Media

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11 Dezembro 2025

"O duplo propósito da Constituição Conciliar era, portanto, devolver a liturgia ao povo e o povo à liturgia: um objetivo voltado para favorecer nos fiéis o encontro com o Senhor e o mistério da Revelação. Como alcançar isso? Garantindo que os fiéis pudessem acompanhar os ritos, as orações e os símbolos como atores e não como mudos espectadores", escreve Marco Roncalli, em artigo publicado por Avvenire, 05-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

“O tema primeiro a ser examinado e o primeiro, em certo sentido, na excelência intrínseca e na importância para a vida da Igreja — o da sagrada Liturgia, foi felizmente concluído e é hoje por Nós solenemente promulgado. Exulta o Nosso espírito com esse resultado. Vemos que se respeitou nele a escala dos valores e dos deveres: Deus, em primeiro lugar.”

Com essas palavras, em 4 de dezembro de 1963, Paulo VI promulgou a Sacrosanctum Concilium: a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, o primeiro dos documentos gerados pelo Concílio Vaticano II e uma síntese de todo o corpus conciliar.

A Magna Carta da renovação litúrgica havia sido elaborada valorizando o empenho de um movimento que, por mais de meio século (especialmente na Bélgica, França, Alemanha e Itália), havia atuado para ligar vida cristã e liturgia (basta pensar, por exemplo, em figuras como o padre Lambert Beauduin, Bernard Botte, Odo Casel, Romano Guardini, as reformas de Pio X e a Mediator Dei de Pio XII).

O duplo propósito da Constituição Conciliar era, portanto, devolver a liturgia ao povo e o povo à liturgia: um objetivo voltado para favorecer nos fiéis o encontro com o Senhor e o mistério da Revelação. Como alcançar isso? Garantindo que os fiéis pudessem acompanhar os ritos, as orações e os símbolos como atores e não como mudos espectadores.

Uma questão que exigiria tempo, encontrando expressão nos livros litúrgicos, promulgados pelo próprio Papa Montini, e na crescente conscientização da relação intrínseca entre fé e liturgia. A liturgia, portanto, considerada não como a soma total das cerimônias sagradas, mas sim como a epifania do Senhor ao seu povo e com o seu povo.

Uma Constituição, em suma, que, assumindo a tarefa de promover e preservar a liturgia, reafirmou a sua centralidade, confiada a um sentir-se com o próprio Cristo e a sua presença orante com os irmãos.  Esse aspecto tornou-se mais perceptível pelo ministério ordenado de sacerdotes e bispos e pela assembleia, expressão da Igreja, onde a categoria simbólica foi recuperada como linguagem da comunicação salvífica.

Assim, incorporando também instâncias eclesiológicas, alcançou-se uma redescoberta da própria ministerialidade dentro de um novo conceito de liturgia, onde o elemento da "cerimônia" cedeu lugar à realidade teológica como "mistério de Cristo celebrado".

Retornando ao desenvolvimento do texto, não se deve esquecer que ele foi construído sobre um rascunho inicial, elaborado pela Comissão Preparatória Pontifícia da Sagrada Liturgia, instituída por João XXIII em 15 de junho de 1960, que tinha como secretário o Padre Annibale Bugnini

Denominado De Sacra Liturgia na primeira sessão do Vaticano II, o rascunho foi examinado pelos padres em 15 congregações gerais, de 22 de outubro a 13 de novembro de 1962.

Nesse debate ocorreram 662 intervenções: 328 lidas na plenária, e as demais encaminhadas à específica comissão para a revisão do rascunho e a elaboração do novo texto, que envolveu treze subcomissões criadas especificamente para esse fim. Um trabalho realizado em 56 sessões, das quais resultou no texto – que equilibra “saudável tradição e legítimo progresso” – a ser submetido à segunda sessão do Concílio, onde foi aprovado quase por unanimidade, com 2.147 votos a favor e 4 contra.

Números eloquentes que demonstram a necessidade de uma reforma, ainda que trabalhosa, e a resposta dos Padres e do Papa que, não sem resistências, iniciava o processo de atualização, oferecendo um amplo quadro de referência e anunciando algumas prescrições, que já entraram em vigor em 25 de janeiro de 1964, com a Sacram Liturgiam de Paulo VI.

Quanto aos conteúdos, a Sacrosanctum Concilium analisa diversos fundamentos doutrinais e diretrizes pastorais, ao mesmo tempo que delineia orientações gerais. Em primeiro lugar, aquelas sobre a ação ritual, relida à luz do Mistério Pascal e da Igreja como assembleia. Depois, aquelas sobre o acompanhamento dos fiéis na participação às celebrações eucarísticas. 

O prólogo do texto define a liturgia como a realidade onde "se realiza a obra da Redenção". Os sete parágrafos seguintes são dedicados aos significados e às importâncias da liturgia, ao incremento da vida litúrgica nas dioceses, às normas decorrentes da natureza hierárquica e comunitária da liturgia, às normas inerentes à sua natureza didática e pastoral, e às normas estabelecidas para a sua adaptação às tradições dos diversos povos.

Seguem-se os parágrafos sobre o mistério da Eucaristia, os Sacramentos e os sacramentais, o Ofício Divino, o ano litúrgico, a música e a arte sacra. Ao longo do texto, encontramos também recomendações sobre a homilia como parte da celebração litúrgica, concessões às línguas faladas na administração dos sacramentos, instruções sobre a restauração do catecumenato dos adultos, a reorganização dos ritos e as adaptações na práxis pastoral, exortações para os momentos do ano litúrgico e sobre a atenção à beleza na liturgia.

Por fim, cabe lembrar que, graças à contribuição do Consilium ad exequendam Constitutionem de sacra liturgia, instituído em fevereiro de 1963 e presidido pelo Cardeal Giacomo Lercaro, Paulo VI pôde oferecer a toda a Igreja Católica de rito latino uma primeira reforma da Missa já em 1965: com o uso da língua vernácula para as leituras, os cantos da assembleia para a oração universal, os diálogos entre sacerdote e povo, a celebração voltada para o povo, o altar entre o ministro e a assembleia, e o que hoje nos parece patrimônio ordinário.

Na certeza — apesar de alguns casos de perturbações alheias aos ditames da Constituição ou saudosismos difíceis de compartilhar — de sermos testemunhas de um processo irreversível, iniciado precisamente há sessenta e dois anos.

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