Dois anos de Milei na Argentina: como a motosserra ultraliberal destruiu a indústria e "uberizou" o trabalho

Javier Miei | Foto: Vox España/Wikimedia Commons

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10 Dezembro 2025

Desde 2023, 30 empresas fecham as portas todos os dias na Argentina, e nenhum setor da indústria foi poupado; além disso, o Poder Executivo busca promover a flexibilização do trabalho e uma lei orçamentária que reduz os direitos trabalhistas e gera um processo conhecido como uberização do trabalho.

 A reportagem é de Mercedes López San Miguel, publicada por El Salto, 09-12-2025.

O colapso da indústria e a ascensão da economia informal na Argentina são efeitos tangíveis dos dois anos de políticas econômicas de Javier Milei. Seu governo se vangloria de ter reduzido a inflação, mas também implementou cortes drásticos nos gastos públicos em áreas-chave como saúde, previdência e educação; além disso, precisou de um resgate financeiro dos Estados Unidos. Com uma maioria parlamentar ampliada após sua vitória em outubro, Milei agora buscará aprovar uma reforma trabalhista que restringe os direitos dos trabalhadores e uma lei orçamentária para 2026.

As principais vítimas do modelo neoliberal são a indústria, a construção civil e o comércio — três setores conhecidos por gerar empregos. Especialistas alertam que o impacto geral é negativo após dois anos do atual governo, que se completa em 10 de dezembro. Desde 2023, 30 empresas fecharam as portas todos os dias na Argentina, e 276.624 empregos registrados foram perdidos em unidades produtivas, segundo relatório do Centro de Economia Política Argentina, baseado em dados da Superintendência de Riscos Ocupacionais. No primeiro ano e meio de mandato de Milei, 17.063 empresas a mais fecharam do que abriram.

“Declínio na indústria e no consumo”

Carlos Cleri, economista e membro do Movimento Produtivo 25 de Maio, organização que reúne pequenas e médias empresas e cooperativas, declarou ao elDiario.es a gravidade da situação: “Há um declínio generalizado na indústria em todos os setores: alimentício, têxtil, energético; e isso é agravado por uma queda acentuada no consumo, já que os salários estão cada vez menores. O problema é grave e a perspectiva é ainda pior, pois o governo não demonstra interesse na atividade produtiva. A única coisa que sobrevive é o sistema financeiro e especulativo, que beneficia uma parcela muito pequena da população.”

O setor têxtil é um dos mais afetados pela queda nas vendas e pela abertura às importações decretada pelo governo de extrema-direita. A valorização do peso em relação ao dólar, defendida por Milei, aumentou o custo da produção argentina e dificultou a exportação de mercadorias.

“Perdemos 15.000 empregos”

Luciano Galfione, presidente da Fundação Pro Tejer, explica ao elDiario.es os principais fatores da situação atual. “Hoje, na Argentina, qualquer pessoa que produza algo está em situação ruim ou muito ruim. Todos os indicadores de produção, com pouquíssimas exceções, estão em declínio. No caso do setor têxtil, ao qual pertenço, a queda é de quase 40%. Isso significa que seis em cada dez máquinas em nossa fábrica estão ociosas. O panorama geral é extremamente ruim; já perdemos mais de 15 mil empregos e mais de 300 empresas fecharam as portas.”

Quando questionado sobre a competitividade da Argentina, ele responde: “Agora que tudo é importado, os preços estão mais baixos? E a resposta é não, porque o problema dos preços na Argentina tem a ver com marketing, e nada foi feito para garantir que o que podemos produzir de forma eficiente chegue ao consumidor a preços competitivos. Recentemente, o grande destaque foi a abertura da Decathlon, uma empresa francesa que não fabrica absolutamente nada na Argentina. Ela vende na Argentina pelo dobro do preço no Chile, e em nosso país o preço é entre 40% e 60% maior do que no Brasil.”

A multinacional Whirlpool anunciou recentemente o fechamento de sua fábrica em Pilar, província de Buenos Aires, e a demissão de 220 funcionários. A empresa americana afirmou que os altos custos na Argentina inviabilizaram a exportação de 70% de sua produção. Além disso, as margens de lucro nas vendas locais foram reduzidas devido à concorrência de produtos importados.

A Georgalos, empresa conhecida pelo seu clássico Mantecol (um doce natalino tradicional), anunciou a suspensão dos contratos de 600 funcionários de sua fábrica em Victoria, província de Buenos Aires. Esses são exemplos de um contexto de dois anos em que o investimento empresarial caiu 6,3 pontos percentuais e o consumo, 11 pontos percentuais, segundo relatório de pesquisadores e economistas da Universidade Nacional de Rosário.

Menos direitos trabalhistas

Na terça-feira, o partido governista La Libertad Avanza (LLA) detinha 95 cadeiras na Câmara dos Deputados, superando o bloco peronista (93 cadeiras) por duas, num total de 257. Isso faz do LLA o maior partido na Câmara Baixa. No Senado, o partido ocupa 20 das 72 cadeiras, sem contar seus aliados.

Com a nova composição parlamentar, o presidente de extrema-direita pretende implementar uma reforma trabalhista que modificará o sistema de indenização por rescisão de contrato. Essa reforma exclui itens como bônus de Natal e férias remuneradas do cálculo, reduzindo assim o valor final a ser pago ao empregador. Além disso, torna o período de férias mais flexível, permitindo que dois em cada três verões sejam adiados para outubro ou março, ou até mesmo divididos em períodos mais curtos de sete dias.

Um dos envolvidos no projeto de alteração da legislação trabalhista é o advogado Julián de Diego, especializado em assessorar empresas como a Rappi, plataforma de entrega de comida. No entanto, o governo afirma que não há conflito de interesses.

Segundo Cleri, a reforma trabalhista “servirá para diminuir os custos das demissões”. O especialista se mostra pessimista. “O impacto no emprego já é enorme: os salários reais diminuíram. Há uma redução no trabalho efetivo e menos pessoas com emprego formal. O setor que mais se esforça para se defender, como o servidor público cujo salário foi congelado, é justamente o que se ‘uberiza’, ou seja, se autoexplora porque faz trabalho formal e horas extras com Uber ou Rappi. E um setor muito grande acabou sendo excluído.”

Trump: “Eu apoiei Milei e ele venceu”

Desde que assumiu o cargo, Milei governou sem uma lei orçamentária, baseando-se em decretos de emergência. O próximo ano será diferente, a pedido dos Estados Unidos. Tanto o FMI quanto o governo Trump exigem acordos com governadores e outros partidos políticos. A instituição financeira internacional concedeu um empréstimo de US$ 20 bilhões em abril, e o governo republicano prometeu um valor semelhante por meio de um swap cambial, condicionando a ajuda à vitória do partido governista em 26 de outubro. O próprio Trump aludiu a essa estratégia em uma entrevista à Politico: “Eu apoiei Milei… Ele estava perdendo a eleição, eu o apoiei e ele venceu com folga.”

Partindo dessa premissa, o governo de extrema-direita buscará incluir o Orçamento de 2026 e a reforma trabalhista na sessão extraordinária do Parlamento que começa em 10 de dezembro, com o objetivo de aprová-los antes da véspera de Natal.

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