20 Outubro 2025
"As crianças não começam guerras e não têm o poder de acabar com elas." Catherine Russell, Diretora geral do UNICEF, a agência da ONU para a infância, encontrou-se recentemente com o Papa Leão XIV e, nesta entrevista, revela o que mais teme. Comecemos pelos conflitos. Qual o impacto que estão tendo?
A entrevista é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 17-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A guerra atinge com mais força a infância. As crianças são mortas ou feridas, assistem a violências contra suas famílias e amigos, são deslocadas e perdem o acesso a serviços essenciais, como educação e saúde. Mais de uma em cada seis crianças no mundo vive hoje em áreas afetadas por conflitos. Em demasiados lugares, entre os quais Gaza, Haiti, Sudão e Ucrânia, correm o risco de pagar com seu futuro.
Eis a entrevista.
Qual é a maior necessidade?
Estamos empenhados em alcançar milhões de crianças envolvidas em conflitos para fornecer-lhes ajuda vital. Mas o que elas mais precisam é de paz. Portanto, a assinatura de um cessar-fogo em Gaza traz uma esperança tão necessária e aguardada pelas crianças que tanto sofreram.
Com o Papa Leão XIV, o que conversaram?
Foi uma grande honra. O Papa tem uma voz poderosa na difusão da mensagem de paz e da necessidade de proteger as crianças. Ele pede para que elas e suas famílias sejam tiradas da pobreza, para que se ofereça educação e para que se cuide do planeta para as crianças de hoje e do futuro. Esses são temas-chave no trabalho do UNICEF. Hoje, praticamente 1 em cada 5 crianças vive em condições de extrema pobreza e milhões de crianças não frequentam a escola. Nosso encontro me deu a oportunidade de agradecer ao Papa Leão XIV pela liderança da Igreja na educação e no enfrentamento da crise da dívida, cada vez mais grave, que está desviando os recursos internos de tantos países. O Papa é um importante defensor dos direitos de cada criança, em todos os lugares. E o mundo faria bem em ouvi-lo.
Enquanto isso, muitos governos estão cortando os fundos para a cooperação. Com que impacto?
Milhões de crianças estão vivas hoje graças a décadas de empenhos globais para garantir o acesso a serviços básicos, como saúde, vacinação, alimentação, água potável e saneamento. Desde 2000, as taxas globais de mortalidade de crianças abaixo dos cinco anos diminuíram em 50%. Mas cortes drásticos e improvisos nos financiamentos globais estão colocando em risco conquistas obtidas com muito esforço.
Vocês fizeram algumas previsões?
Segundo a revista Lancet, essas decisões poderão causar 4,5 milhões de mortes infantis a mais até 2030. Apelamos aos governos e doadores privados para que sustentem as crianças: o melhor investimento para o futuro.
Qual é a principal emergência que está sendo ignorada pela mídia?
O Sudão enfrenta atualmente a maior crise de deslocamento de crianças do mundo. Um pesadelo para os pequenos e não está recebendo a atenção que merece. O conflito já dura há dois anos e as necessidades são enormes. Mais de 15 milhões de crianças precisam de assistência humanitária. Em pelo menos cinco locais no Sudão está ocorrendo uma carestia causada pelo homem. Em El Fasher, uma cidade sitiada, as crianças estão morrendo de fome, doenças e violência. E estão isoladas dos serviços que poderiam salvar suas vidas. Durante o conflito, muitas crianças ficaram feridas, se tronaram órfãs ou foram separadas de seus pais, enquanto inúmeras outras assistiram a violências indescritíveis. Milhões de crianças não frequentam a escola.
O que podem fazer?
O UNICEF está em campo fazendo tudo o que pode para fornecer ajuda vital. Mas a dimensão das necessidades é impressionante. Estamos pedindo mais financiamentos e acesso total para sustentar as crianças em todo o Sudão. Acima de tudo, as crianças precisam de paz.
E qual o impacto das mudanças climáticas na infância?
Estima-se que um bilhão de crianças vivam atualmente em países em risco extremamente alto. A saúde e o desenvolvimento do cérebro, dos pulmões, do sistema imunológico e de outras funções essenciais são influenciados pelo ambiente em que se vive. As ondas de calor são particularmente prejudiciais para as crianças, pois elas têm menos capacidade de regular a temperatura corporal do que os adultos. Além disso, tempestades cada vez mais frequentes e violentas, ciclos de inundações e secas estão destruindo casas, escolas, hospitais e colheitas. O UNICEF está presente para mitigar o impacto. As ações que tomarmos hoje moldarão o mundo que as crianças herdarão.
Leia mais
- Sudão em guerra: 13 milhões de crianças sem escola enfrentam risco de abuso sexual e recrutamento no conflito
- Sem família, ninguém: o cessar-fogo destaca a situação das crianças órfãs em Gaza
- “Eu, professora voluntária no inferno do Sudão”. Reféns em Cartum
- Sudão: a guerra entre generais. Artigo de Marcello Neri
- Conflitos no Sudão impulsionam nova onda de garotos perdidos
- Sudão. Os Bispos: a nação volta ao passado; por trás das Forças Armadas está a Irmandade Muçulmana
- Sudão, a guerra esquecida
- Dois anos de guerra no Sudão: milhões de pessoas vivem uma das maiores crises humanitárias do mundo
- Guerra no Sudão faz 2 anos em cenário cada vez mais complexo
- Guerra no Sudão: Por que tanta indiferença?
- Toda a dor do mundo entre as crianças feridas de Gaza. Artigo de Federica Iezzi
- A palavra paz foi esvaziada de sentido. Não basta um pacto para pôr fim ao massacre. Artigo de Massimo Cacciari
- Israel e Hamas concluem a primeira fase do acordo de Gaza sem saber quais serão os próximos passos
- Por que a guerra não acabou, não importa o quanto Trump proclame a paz em Gaza. Artigo de Jesus A. Nunez
- Gaza começa a procurar seus mortos entre os escombros após o cessar-fogo: “Encontrar um único osso nos traria alívio”
- Israel e Hamas concluem a primeira fase do acordo de Gaza sem saber quais serão os próximos passos
- Save the Children: 357 milhões de crianças em zonas de guerra. A Síria é o país onde as consequências são piores
- Save the Children: em 5 anos triplicou o número de menores migrantes desacompanhados