07 Outubro 2025
Uma importante ambientalista católica alertou que a África enfrenta uma ameaça sem precedente com a proposta de um oleoduto de 900 milhas (cerca de 1.450 km) destinado a transportar petróleo bruto dos campos petrolíferos do Lago Albert, em Uganda, até o porto de Tanga, na Tanzânia — um projeto que já foi denunciado tanto pelo Vaticano quanto pelos bispos africanos.
A informação é de Ngala Killian Chimtom, publicada por Crux, 06-10-2025.
Se for concluído, o proposto Oleoduto de Petróleo Bruto da África Oriental (EACOP) será o mais longo oleoduto de petróleo aquecido do mundo. A empreitada é liderada pela gigante francesa Total e pela Corporação Nacional de Petróleo Offshore da China.
As autoridades de ambos os países veem o oleoduto como um divisor de águas, argumentando que ele gerará receita tributária para Uganda e Tanzânia — as duas nações por onde a tubulação passa.
Mas Flavian Wanzala, jovem ambientalista católica no Quênia, criticou duramente as possíveis consequências ambientais do projeto, especialmente para o Lago Vitória. Um terço do trajeto do oleoduto passará através ou nas proximidades do lago — o maior da África e principal reservatório do rio Nilo. Com cerca de 69 mil km², o lago de água doce situa-se principalmente na Tanzânia e em Uganda, mas também faz fronteira com o Quênia.
Falando em 1º de outubro, à margem de um evento da Temporada da Criação de 2025, organizado pela Pia Sociedade das Filhas de São Paulo no Quênia, Wanzala alertou que um único vazamento de óleo poderia devastar o ecossistema do lago, comprometendo a subsistência de cerca de 40 milhões de pessoas que dele dependem.
Ela afirmou que os benefícios econômicos promovidos pelas autoridades representam uma aposta inaceitável, colocando em risco a principal fonte de água de uma região frequentemente afetada pela seca.
“Parte do oleoduto passa pelo Lago Vitória, cerca de um terço dele. O Lago Vitória alimenta quase todos na África, de uma forma ou de outra. Sustenta a vida de 40 milhões de pessoas no continente e emprega diretamente cerca de 40 mil no Quênia”, disse Wanzala.
“Portanto, em caso de vazamento ao longo desse oleoduto, vamos perder tudo — como Quênia, como África, como continente”.
Ela também denunciou que a construção do oleoduto irá afetar quase 2 mil km² de áreas protegidas, incluindo o Parque Nacional das Cataratas Murchison, a Reserva Florestal de Taala, a Floresta de Bugoma e a Reserva de Caça de Biharamulo — regiões cruciais para a preservação de espécies icônicas como o elefante-africano e o chimpanzé-oriental.
“Além disso, ele produzirá mais de 600 milhões de toneladas de carbono por ano. Eu sinto que este projeto não é bom para nós, africanos”, afirmou a jovem líder. Suas preocupações foram compartilhadas por várias outras entidades católicas.
Em março de 2023, o Dicastério do Vaticano para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral pediu aos governos de Uganda e Tanzânia que considerassem “a nossa casa comum” e investissem em projetos ecologicamente sustentáveis que preservem o ecossistema.
O órgão afirmou que “a Igreja Católica está ao lado dos povos de Uganda e Tanzânia ao denunciar o projeto EACOP” e pediu que ambos os governos invistam “em projetos alinhados com o cuidado de nossa casa comum, dos pobres e da economia.”
Os membros do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM) também pediram a suspensão do projeto, conclamando a humanidade a “exercer uma administração responsável sobre a criação”.
“Estamos pedindo a imediata interrupção do Oleoduto de Petróleo Bruto da África Oriental. Se construído, o oleoduto deslocará comunidades, colocará a vida selvagem em risco e agravará de forma devastadora a crise climática e a perda da biodiversidade”, disseram os bispos.
O Movimento Laudato Si’ também advertiu que as evidências científicas sobre o impacto climático de projetos desse tipo — como todos os que envolvem combustíveis fósseis — são alarmantes.
“As evidências científicas são claras: as nações devem eliminar Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o mundo precisa alcançar emissões líquidas zero até 2050 para limitar o aquecimento global a 1,5°C e proteger os ecossistemas e a biodiversidade do planeta. O EACOP, segundo um estudo da Banktrack, produzirá mais de 379 milhões de toneladas de CO₂, sendo incompatível com o Acordo de Paris”, afirmou o movimento em nota.
Por outro lado, a Conferência Episcopal da Tanzânia, em abril de 2023, publicou uma declaração exaltando os méritos do oleoduto. O texto comparou o projeto ao Oleoduto de Petróleo Bruto Tazama, de 1.063 milhas (1.710 km), construído em 1968 para transportar petróleo do porto de Dar es Salaam até a refinaria de Indeni, em Ndola, na Zâmbia, próxima à fronteira com a República Democrática do Congo.
“O EACOP não será o primeiro projeto de oleoduto realizado no país. O Tazama existe há 50 anos e nunca vimos consequências graves ou ouvimos falar de qualquer crise”, disse Dom Jude Thaddaeus Ruwa’ichi, arcebispo de Dar es Salaam. “Portanto, levantemos nossas vozes e falemos positivamente sobre este projeto, porque acreditamos que o governo está observando todos os procedimentos ambientais”, afirmou.
Wanzala, no entanto, rejeita esse argumento, insistindo que sua oposição ao projeto não é apenas ambiental — mas também um dever moral enquanto jovem católica. “Na África, somos alguns dos que mais sofrem as consequências das mudanças climáticas”, declarou. “Os combustíveis fósseis são extraídos aqui, levados para a Europa e depois vendidos de volta para nós a preços mais altos”, disse. “Isso não faz sentido”.
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