27 Setembro 2025
Um indígena que viveu sozinho na floresta amazônica por mais de três décadas – e se tornou um símbolo dos massacres sangrentos por trás da história dos chamados grupos indígenas isolados – não foi o último membro de seu povo, de acordo com um estudo conduzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) da Conferência dos Bispos brasileira.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 25-09-2025.
O homem, que foi encontrado morto em um barraco em 2022, era conhecido no Brasil como o Índio do Buraco, já que nenhuma informação sobre ele jamais foi descoberta e tudo o que os antropólogos do governo sabiam era que ele sempre cavava um buraco fundo dentro de cada nova cabana que construía.
O Índio do Buraco era também chamado de Tanaru, nome de um rio no estado de Rondônia que também se tornou o nome do seu grupo indígena. Nenhum outro membro do povo Tanaru jamais foi contatado.
Seu trágico destino foi documentado pela primeira vez por agentes da agência indígena do governo, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), juntamente com o antropólogo e diretor de cinema francês Vincent Carelli.
Em 1985, ocorreu um massacre de indígenas na região de Corumbiara, em Rondônia. A área havia sido distribuída a fazendeiros e madeireiros pela ditadura militar (1964-1985) desde a década de 1970. O regime alegou falsamente que não havia indígenas ali. O desmatamento foi acelerado e indígenas foram massacrados.
Carelli foi chamado para registrar o que estava acontecendo. Ele acompanhou a história por mais de duas décadas, até lançar o documentário Corumbiara em 2009. Em diferentes momentos, ele encontrou e conversou com grupos indígenas isolados, como os Kanoê.
Em 1996, ele filmou agentes da Funai tentando entrar em contato com o Índio do Buraco. A cena, que se tornou lendária entre os antropólogos brasileiros, mostrava a recusa constante de Tanaru em sair de seu barraco e estabelecer um diálogo com os agentes. Ele até evitou expor o rosto, de modo que há apenas um pequeno número de imagens dele.
As imagens – assim como o contato com os Kanoê – demonstraram que a ditadura militar mentiu e que a região era de fato habitada. O governo brasileiro foi pressionado e acabou declarando a área onde Tanaru e outros grupos estavam isolados como de "uso restrito". Apesar de várias invasões, o território permaneceu em grande parte preservado graças à presença de Tanaru.
Outras tentativas de contato com ele – muitas vezes envolvendo oferecer-lhe comida e ferramentas – fracassariam ao longo dos anos. Em 2022, ele foi encontrado morto em uma cabana, deitado em uma rede com adornos cerimoniais, um sinal de que sabia que a morte estava próxima e se preparava para ela.
Uma investigação foi conduzida sobre a causa da morte (sem conclusão) e seu cadáver foi mantido por mais de dois meses pelo governo, até ser finalmente enterrado após protestos de ativistas.
Ele deixou mais de 50 barracos e centenas de buracos no território. A função exata deles nunca foi esclarecida – alguns especialistas especulam que poderiam ter valor cerimonial.
Desde sua morte, observadores vêm denunciando que a terra está sendo disputada por fazendeiros. Ativistas temem que os inimigos de longa data de Tanaru – os invasores não indígenas da Amazônia – possam conquistar seu território.
Mas o estudo em andamento do Cimi sobre o povo Tanaru pode transformar o cenário. A Irmã Laura Manso, antropóloga e agente do Cimi – ela própria indígena – vem coletando depoimentos de uma família indígena que vive em outra região do estado e que se declara originária do território Tanaru.
“Há mais de 20 anos, missionários do Cimi que atuavam na Terra Indígena Mequéns entraram em contato com uma senhora chamada Mercedes. Ela se recusou a ser registrada como membro do grupo Sakyrabiat [onde vive] e disse que fazia parte do povo Guaratira”, contou Manso ao Crux.
Mercedes narrou uma história repleta de violência. Ela disse que foi forçada a se deslocar para diferentes regiões diversas vezes e que seu grupo cavava buracos profundos para se proteger dos agressores.
“Ela disse que muitas, muitas pessoas morreram devido às doenças trazidas pelos homens não indígenas”, acrescentou Manso. O sonho de longa data de Mercedes era retornar à terra Tanaru, levando seus filhos e netos com ela. "Ela nunca conseguiria. Ela morreu em 2015", disse Manso.
Uma de suas filhas, Rosalina, vem tentando ativamente resgatar a história da mãe. Ela apresentou a Laura Manso documentos de identidade de outras pessoas registradas como membros do grupo Tanaru. “Quando perguntei a Rosalina se os Tanaru estavam extintos, ela disse: ‘Não, ainda estamos aqui, protegendo as histórias da nossa mãe’”, disse Manso.
Agentes do Cimi agora pressionam a Funai para que reconheça adequadamente a família de Mercedes como membro do povo Tanaru. Eles estão visitando outras áreas indígenas e entrevistando pessoas, com a intenção de produzir um relatório sobre o que parece ser a dispersão do povo Tanaru.
“Até o momento, há uma decisão judicial favorável à ideia de transformar a Terra Indígena Tanaru em um parque. Mas a pressão dos fazendeiros tem sido forte”, disse Manso. “É uma longa batalha.”
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