12 Setembro 2025
"A operação de ontem no Catar contra o Hamas é um aviso aos líderes árabes sobre o que poderia acontecer caso não colaborem. Essa é a lógica da chantagem do Estado mafioso-terrorista", escreve Alberto Negri, filósofo italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 11-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Estamos além do extremismo sionista mais radical: Israel já se tornou um Estado-máfia, um Estado terrorista.
Arma uma armadilha e age como um assassino contra qualquer um, finge negociar e depois mata os negociadores. Não tem limites e não reconhece limites: para Tel Aviv, o direito internacional se transformou numa nota de rodapé a ser ignorada com desprezo.
Percebemos isso agora, em cada momento, com a Flotilha a caminho da Palestina. Trump em relação a Netanyahu está sempre um passo atrás e até agora aceitou sua agenda de extermínio sem reclamar, exceto por apoiar propostas delirantes como a Riviera de Gaza. Naquela mesa de negociações no Catar, ontem coberta e sangue, também se sentam os enviados estadunidenses: os Estados Unidos concordam com Netanyahu em todas as frentes, mas em Doha, Washington e Trump fizeram uma figura mesquinha e nada confiável.
Israel’s attacks on our flotilla aim to intimidate, but only expose its fear of losing grip on Gaza’s illegal siege.
— Global Sumud Flotilla (@GlobalSumudFlot) September 10, 2025
As Francesca Albanese says, impunity fuels decades of crimes. States must act—this is a test of humanity. pic.twitter.com/38yYT0DKKI
O primeiro-ministro Netanyahu não se importa com os reféns, caso contrário, já teria feito um acordo. As próprias vidas dos israelenses estão subordinadas aos seus objetivos: permanecer no poder e escapar da justiça por meio de uma guerra infinita. Em última análise, ele é o principal agente do antissemitismo. Seu cinismo é total: os reféns, enquanto estiverem vivos, constituem uma razão para continuar o genocídio e a anexação de territórios; se forem mortos, tornam-se mais uma razão para completar o massacre e a limpeza étnica dos palestinos.
Aqui, do rio ao mar, só corre sangue. Violando todas as leis internacionais e também humilhando os países que um dia deveriam aderir ao chamado Pacto de Abraão, que nada mais é do que uma rendição incondicional das monarquias árabes do Golfo e seus aliados. Só ingênuos ou hipócritas podiam pensar que o genocídio de Gaza diz respeito apenas aos palestinos: em vez disso, faz parte de um plano muito mais amplo de controle do próprio Grande Israel territorial. Trata-se de implementar o que Trump já tinha em mente durante sua primeira presidência: fazer de Israel, com sua esmagadora superioridade militar e tecnológica — um componente ativo do próprio complexo militar-industrial estadunidense — o policial absoluto da região, apto a atingir qualquer um com ações militares massivas ou assassinatos seletivos.
O que aconteceu ontem no Catar já aconteceu em todo lugar nestes dois anos. Israel eliminou a liderança do Hamas, do Hezbollah, altos dirigentes iranianos; atacou o Iêmen e a Síria, onde Al Sharaa está constantemente na mira das tropas israelenses. Esse ex-militante da Al Qaeda é o caso, quase único, de um presidente que vive praticamente em prisão domiciliar porque Tel Aviv, que já ocupa o sul do país, pode eliminá-lo a qualquer momento. Só pode se salvar tornando-se cúmplice do genocídio e da limpeza étnica de Gaza, aceitando, como ocasionalmente se comenta, o exílio de milhares de palestinos, centenas de milhares dos quais já estão presentes na Síria há décadas.
E aqui chegamos ao ponto. O que acontece com a evacuação da Cidade de Gaza? O Haaretz afirma que não há rota de fuga e alternativa para os moradores de Gaza. Mas então? O próprio exército israelense havia indicado que a única solução é confina-los em campos de concentração, onde qualquer tentativa de sair será punida com a morte. É aquela administração militar que o Chefe do Estado-Maior, Eyal Zamir, não quer, mas que efetivamente aceitou com a operação na Cidade de Gaza. Além disso, será preciso encontrar uma maneira de fazer aceitar, pelo menos em parte, o seu êxodo. E a direita israelense no poder vê os próprios países árabes do Golfo como candidatos, que terão, no mínimo, que financiá-lo e encontrar soluções.
A operação de ontem no Catar contra o Hamas é um aviso aos líderes árabes sobre o que poderia acontecer caso não colaborem. Essa é a lógica da chantagem do Estado mafioso-terrorista.
A mesma lógica mafiosa, aliás, que Israel aplica à Europa. Após 19 rodadas de sanções contra a Rússia, a Europa e a Itália não conseguem aprovar sequer uma contra Israel. É evidente que estão sendo chantageados por Israel e pelos Estados Unidos.
O governo italiano está tremendo como uma folha porque os aparatos de segurança israelense e estadunidense estão limitando sua soberania e detêm a chave de sua cibersegurança. Assim, sobra a opinião pública, deixada sozinha para protestar por políticos cúmplices e sem nenhuma dignidade.
Diante do que está acontecendo – genocídio, anexações, apartheid – parece até absurdo invocar, como fazem os europeus, a solução "dois povos, dois Estados" como viável e razoável.
Como escreve o jornalista palestino Alaa Salama no site independente israelense-palestino +972mag, a solução de dois Estados agora parece uma farsa, uma forma de justificar e ganhar tempo para o governo de Netanyahu, que, assim como Putin, está sendo perseguido por um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional. A única solução concreta é sancionar os responsáveis, para isolá-los e pôr fim ao genocídio. Todo o resto parece um álibi miserável. Mas, como dizia Don Abbondio, a coragem não nasce nas árvores.
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