12 Setembro 2025
A presidente da Comissão Europeia concorda com o alerta do secretário-geral da OTAN após a violação sem precedente do espaço aéreo polonês pela Rússia: "A Europa defenderá cada centímetro de seu território".
A reportagem é de Rodrigo Ponce de León, publicada por elDiario, 11-09-2025.
A linguagem belicosa está se consolidando em Bruxelas após o incidente envolvendo os drones russos abatidos na Polônia. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, emitiu um severo alerta em seu discurso sobre o Estado da União ao Parlamento Europeu. "A Europa está em combate. As linhas de batalha por uma nova ordem mundial baseada no poder estão sendo traçadas neste momento. Portanto, sim, a Europa deve lutar", disse a política alemã no início de seu discurso, explicando as políticas que serão desenvolvidas no novo ano letivo. Fontes da Comissão admitem que as capacidades militares e de defesa da UE se tornaram um elemento fundamental da estratégia política de von der Leyen.
A violação inédita do espaço aéreo polonês por drones russos e a resposta combinada das forças de combate da OTAN serviram de trampolim para relançar a retórica mais belicosa da presidente da Comissão. De fato, von der Leyen repetiu partes de seu discurso com o secretário-geral da Aliança Militar do Atlântico, Mark Rutte. Enquanto o líder da OTAN emitiu um claro aviso à Rússia: "Saibam que estamos preparados, vigilantes e defenderemos cada centímetro do território da OTAN", a chefe do executivo da UE observou: "A Europa defenderá cada centímetro de seu território".
A sobreposição de discursos não é coincidência. Grupos conservadores como o think tank Globsec desenvolveram a ideia da "europeização da OTAN", que fortalece a Aliança Atlântica. Democracias prósperas devem ser capazes de proteger adequadamente a si mesmas e aos seus cidadãos de ameaças externas. A segurança não pode ser completamente terceirizada, nem mesmo para um aliado fiel e confiável. No entanto, a defesa europeia precisa da OTAN e não será credível sem ela em seu cerne. Quanto mais defesa europeia houver na OTAN, mais a OTAN defenderá os europeus.
A retórica belicosa surge num momento em que tanto a OTAN quanto a própria Comissão Europeia, e Donald Trump, em seus próprios interesses, estão pressionando por aumentos significativos nos orçamentos de defesa e mais investimentos na indústria militar europeia.
Ao detalhar a operação para abater os drones russos, o secretário-geral da OTAN insistiu que "isso só reforça a importância da OTAN e o caminho a seguir que os Aliados concordaram em nossa Cúpula em Haia no início deste ano. Precisamos investir mais em nossa defesa, aumentar a produção de defesa para termos o que precisamos para dissuadir e defender, e devemos continuar a apoiar a Ucrânia, cuja segurança está interligada à nossa."
Protegendo o flanco oriental da Europa
Considerando a Rússia como a principal ameaça, a presidente da Comissão enfatizou: "Não há dúvida: o flanco oriental da Europa protege toda a Europa. Do Mar Báltico ao Mar Negro. Devemos investir para apoiar o flanco oriental com uma guarda. Isso significa fornecer à Europa ativos estratégicos independentes. Devemos investir em vigilância espacial em tempo real para que nenhum movimento de forças passe despercebido. Devemos atender ao chamado de nossos amigos do Báltico e construir esse muro de drones."
Em resposta a essa abordagem, a líder da UE relembrou o plano Readiness 2030, que mobilizará até € 800 bilhões em investimentos em defesa. Ela também anunciou um novo programa chamado Qualitative Military Edge para "apoiar o investimento nas capacidades das Forças Armadas Ucranianas". Além disso, € 6 bilhões em empréstimos serão concedidos para formar uma aliança com a Ucrânia, ajudando-a a crescer industrialmente e a ter maior capacidade de resposta à Rússia. A vigilância do flanco oriental também será reforçada, com o objetivo de dotar a Europa de capacidades de vigilância e resposta em tempo real e construir um muro defensivo de drones, especialmente na região do Báltico.
Embora a guerra na Ucrânia continue a ser a força motriz por trás das necessidades de defesa da Europa, o foco é mais amplo do que este conflito. Von der Leyen enfatizou que "a liberdade da Ucrânia é a liberdade da Europa" e lembrou como, na semana passada, "26 países da 'Coalizão dos Dispostos' declararam sua disposição de se juntar a uma força de segurança na Ucrânia no contexto de um cessar-fogo". No entanto, ela insistiu que "a economia de guerra de Putin continuará mesmo que o conflito na Ucrânia termine. Isso significa que a Europa deve estar disposta a assumir a responsabilidade por sua própria segurança. É claro que a OTAN continuará sendo essencial em qualquer caso. Mas somente uma postura de defesa europeia forte e confiável pode garantir nossa segurança".
Pesquisadores do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores enfatizam em uma de suas publicações como "a guerra também transformou a UE em um ator mais agressivo e geopoliticamente sério. Ao investir pesadamente em defesa e outras formas de autonomia estratégica, a Europa demonstrou a determinação que conquista o respeito daqueles que valorizam o poder e a capacidade em assuntos internacionais".
Nesse sentido, von der Leyen é clara. “A Europa precisa lutar. Por seu lugar em um mundo onde muitas grandes potências são ambivalentes ou abertamente hostis à Europa. Um mundo de ambições e guerras imperiais. Um mundo onde as dependências são implacavelmente transformadas em armas. E é por todas essas razões que uma nova Europa precisa emergir”, insistiu a presidente da Comissão Europeia.
Outra questão é que surgem dúvidas, tanto pela postura beligerante e militarista quanto pelas fórmulas que estão sendo impostas na UE, sem muita capacidade de oposição por parte dos países-membros. Fontes da Comissão admitiram que um conjunto de ferramentas está sendo projetado para aumentar as capacidades de defesa que podem estar excedendo o mandato da Comissão, e há dúvidas sobre sua legalidade.
Além disso, von der Leyen não é estranha à rejeição, entre os cidadãos europeus, da postura belicosa que defende. Durante seu discurso, ela admitiu — talvez lembrando que a União Europeia nasceu como uma resposta à guerra — que "nós, europeus, não estamos acostumados a falar nesses termos, nem nos sentimos confortáveis em fazê-lo. Porque a nossa União é fundamentalmente um projeto de paz. Mas a verdade é que o mundo de hoje é implacável".
Até a própria presidente da Comissão questionou se os cidadãos europeus estariam defendendo uma postura belicosa: "A questão central que enfrentamos hoje é bastante simples. A Europa tem estômago para essa luta?" Esperemos que não seja necessário.
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